A MAQUIAGEM DE 200 bi ! BRASIL REAL UMA LOJINHA DE 1,99 ? Sem artifícios contábeis, despesas primárias poderiam chegar a R$ 1 trilhão em 2012 Malabarismo fiscal preocupa mercado financeiro e investidores.
Se o Brasil está
muito longe do abismo fiscal que os EUA chegaram a ver de perto, algumas
fissuras começam a surgir. Malabarismos contábeis e os novos rumos das contas
públicas despertam desconfiança e já preocupam o mercado financeiro e
investidores.
Para analistas
ouvidos pelo GLOBO, o governo vem criando mecanismos perigosos para estimular o
crescimento econômico com impacto importante nos cofres públicos.
As despesas primárias
(que não consideram gastos com juros) flertam com a cifra inédita do trilhão.
Segundo o especialista em contas públicas do Instituto de Pesquisa Econômica e
Aplicada (Ipea) Mansueto Almeida, sem os artifícios contábeis, essas despesas,
que devem fechar 2012 próximas de R$ 800 bilhões, já poderiam ter batido R$ 1
trilhão.
Ou seja, cerca de R$
200 bilhões mais altas.
Mesmo assim, o
Executivo ainda precisou lançar mão do abatimento de R$ 25 bilhões a que tem
direito com gastos em investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) para poder cumprir a meta de superávit primário (economia feita pelo
governo para pagar juros) de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de
bens e serviços produzidos pleo país) prevista para 2012.
A justificativa está
no fato de o país ter tido um ano difícil, com frustração de arrecadação e
sucessivas reduções de tributos para tentar reaquecer a economia em meio à crise
internacional.
Para estimular o
consumo e novos investimentos, em vez de aumentar o capital dos bancos públicos
e das estatais, o governo preferiu emitir títulos públicos para reforçar o caixa
dessas instituições. Com isso, esses recursos não são caracterizados como
despesa primária, como aconteceria se tivesse simplesmente registrado as
capitalizações pelas vias tradicionais.
Mansueto destaca que
a dívida dos bancos públicos federais com o Tesouro Nacional, que passa ao largo
do resultado das contas públicas, saltou de R$ 10 bilhões em 2007 para nada
menos que R$ 400 bilhões em 2012.
Isso significa que,
se a metade desse valor tivesse sido usada para capitalizar esses bancos pelas
vias tradicionais, as despesas já teriam chegado a R$ 1 trilhão explica o
especialista.
Responsabilidade
fiscal sob risco
Outro mecanismo usado
pelo governo, que compõe o arsenal que os especialistas vêm chamando de
contabilidade criativa, é o uso dos lucros dos bancos públicos e os dividendos
pagos pelas estatais para engordar o caixa do Tesouro Nacional. Se as
capitalizações não são computadas como despesas, estas duas rubricas são
registradas como receitas primárias.
Ou seja, o governo
empresta sem caracterizar despesas e recebe de volta como receita. Para fechar a
conta ano passado, o governo chegou a antecipar o pagamento de dividendos do
BNDES e da Caixa Econômica ao Tesouro Nacional.
As sucessivas
injeções de recursos no BNDES, como a anunciada na semana passada, não contam
como despesas. Porém, elas representam um subsídio implícito (a diferença dos
juros de captação do banco e das taxas que empresta) de R$ 15 bilhões só em
2012, o que tampouco é computado como gasto.
O valor equivale ao
orçamento de um ano do programa Bolsa Família, que atende 45 milhões de
pessoas.
O governo enviou ao
Congresso Nacional no último dia do ano passado um projeto que permite novos
gastos com desonerações fiscais que não estão previstas no Orçamento, desde que
as receitas públicas sejam maiores do que o esperado. Neste caso, elas não
precisam ser submetidas aos parlamentares como seria de praxe.
A medida é vista com
desconfiança por analistas, que veem risco a um dos princípios fundamentais da
Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O que mais preocupa
estes especialistas é a falta de transparência do governo para lidar com as
contas públicas. Para o especialista José Roberto Affonso, ao usar artifícios
fiscais, o governo mina a credibilidade que levou anos para conquistar junto a
mercado e investidores.
Não está proibido na
LRF reduzir a meta de superávit em períodos de crise, ou até mesmo, fazer um
saldo negativo, o que seria mais do que justificável em anos de crise. O que não
pode é tentar negar que está fazendo malabarismo fiscal quando todos estão vendo
disse Affonso.
Trata-se de um
expansionismo envergonhado, porque ninguém admite publicamente que está
aumentando as despesas e que isso terá um impacto sobre o resto da economia num
futuro não distante acrescenta Felipe Salto, especialista em contas públicas da
Tendências.
Juros mais baixos e
incentivos tributários
De janeiro a novembro
de 2012, o aumento das despesas primárias foi de R$ 80 bilhões. Deste total, só
R$ 10 bilhões correspondem aos investimentos públicos, dos quais R$ 5 bilhões
são recursos do programa Minha Casa Minha Vida, que conta com dinheiro do FGTS
do trabalhador.
De 1999 a 2011, as
despesas primárias saltaram de R$ 337,9 bilhões para R$ 724,4
bilhões.
Um técnico da equipe
econômica diz que as críticas à política fiscal não consideram indicadores
positivos da economia nem benefícios, como a queda dos juros básicos, incentivos
fiscais ao setor produtivo e cortes nas tarifas de energia. Para ele, a queda de
dívida líquida federal de 60%, na década de 80, para 45,5%, em 2007, e 35%, em
2012 é um sinal de bons resultados da política fiscal.
Ele lembra que a
credibilidade do país lá fora se comprova pelas menores taxas de captação
registradas para os bônus de 2023 no mês passado no mercado
internacional.
Para o professor
Adolfo Sachsida, do Ipea, a fatura da folia fiscal virá em 2015. E com o
Orçamento engessado, o governo poderá ter de usar expedientes que representam um
retrocesso como, por exemplo, fazer o ajuste das contas públicas por meio de uma
inflação mais alta.
O
Globo
06 de janeiro de 2013
Memória
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