"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 6 de janeiro de 2013

NA CRISE DE NOSSA CIVILIZAÇÃO, ESTAMOS INDO DE MAL A PIOR. EM DOHA, O AQUECIMENTO GLOBAL FOI POSTO PRATICAMENTE DE LADO

 

A realidade mundial é complexa. Se considerarmos a forma como os donos do poder estão enfrentando a crise sistêmica de nosso tipo de civilização, organizada na exploração ilimitada da natureza, na acumulação também ilimitada e na consequente criação de uma dupla injustiça – a social e a ecológica, esta com a desestruturação da rede da vida que garante a nossa subsistência -, e se, ainda, tomarmos como ponto de aferição a COP 18, realizada no fim de ano, em Doha, no Qatar, sobre o aquecimento global, podemos dizer sem exagero: estamos indo de mal a pior.
A seguir nesse caminho, encontraremos lá na frente, e não demorará muito, um “abismo ecológico”.



Até agora não se tomaram medidas para mudar o curso das coisas. A economia especulativa continua a florescer, os mercados são cada vez mais competitivos – vale dizer, cada vez menos regulados – e o alarme ecológico, corporificado no aquecimento global, foi posto praticamente de lado.

Em Doha, só faltou dar a extrema-unção ao Tratado de Kyoto. Tudo foi protelado para 2015, apesar de o documento final afirmar:
“A mudança climática representa uma ameaça urgente e potencialmente irreversível para as sociedades humanas e para o planeta, e esse problema precisa ser urgentemente enfrentado por todos os países”.
Como no tempo de Noé, continuamos a comer, a beber e a arrumar as mesas do Titanic que afunda, ouvindo ainda música. A casa está pegando fogo, e mentimos aos outros dizendo que não.

Diria com José Saramago: “Não sou pessimista; a realidade é que é péssima; eu sou é realista”.

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CRESCIMENTO ILIMITADO

Uma premissa falsa sustenta e alimenta a crise: o objetivo é o crescimento material ilimitado, com aumento do PIB, realizado à base de energia fóssil e com o fluxo totalmente liberado dos capitais, especialmente os especulativos. Essa premissa está presente em todos os planejamentos dos países, inclusive no brasileiro. A falsidade da premissa reside na desconsideração completa dos limites do sistema Terra. Um planeta limitado não aquenta um projeto ilimitado. Ele não possui sustentabilidade.

Evita-se a palavra sustentabilidade, que vem das ciências da vida. Ela é não linear, se organiza em redes de interdependências de todos com todos que mantêm funcionando os fatores que garantem a perpetuação da vida e da nossa civilização. Prefere-se falar em desenvolvimento sustentável, sem se dar conta de que se trata de um conceito contraditório, porque é linear, sempre crescente, supondo a dominação da natureza e a quebra do equilíbrio ecossistêmico.

Nunca se chega a nenhum acordo sobre o clima porque os conglomerados do petróleo influenciam politicamente os governos e boicotam qualquer medida que lhes diminua os lucros; por isso, não apoiam as energias alternativas.

Esse modelo está sendo refutado pelos fatos: não funciona mais nem nos países centrais, como mostra a crise atual, nem nos periféricos. Ou se busca um outro tipo de crescimento, que é essencial para o sistema Vida, respeitando a capacidade da Terra e os ritmos da natureza, ou então encontraremos o inominável.

Outra razão é de ordem filosófica. Ela implica o resgate da inteligência emocional para equilibrar o poderio destruidor da razão instrumental. Como diz o filósofo Patrick Viveret, “a razão instrumental, sem a inteligência emocional, pode perfeitamente nos levar à pior das barbáries”.

Se não incorporarmos a inteligência emocional à razão instrumental-analítica, nunca iremos sentir os gritos da Mãe Terra. Junto com a sustentabilidade devem vir o cuidado, o respeito e o amor por tudo o que existe e vive. Sem essa revolução da mente e do coração iremos, sim, de mal a pior.

06 de janeiro de 2013
Leonardo Boff (O Tempo)

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