É preciso vê-lo em ação em shows e comícios. Grita, sacode as mãos e a vasta cabeleira já grisalha, emociona, emociona-se, faz rir e pensar.
Descendo do palco ou do palanque, aproxima-se das pessoas, mistura-se, conversa e brinca com elas, olho no olho, de perto, tocando nelas, sendo tocado por elas, e aí não é mais apenas um diálogo que se tece, mas uma vibração afetiva que se transmite.
Senhoras e senhores, com vocês, Giuseppe Piero Grillo, ou simplesmente, Beppe Grillo!
Nas eleições italianas que se aproximam, e que se realizarão em 24/25 de fevereiro próximos, trata-se de um fenômeno realmente novo — e ameaçador para as forças políticas tradicionais.
Beppe Grillo consagrou-se como comediante de grandes audiências televisivas a partir dos anos 1980.
No quadro político italiano, propício aos humoristas, pela sucessão de escândalos de todos os tipos, ele cedo fez dos políticos de diferentes partidos alvo de sua mordacidade, ridicularizando a partidocracia, o domínio da sociedade por partidos inescrupulosos e sem princípios, que se limitam a gerenciar o sistema em proveito deles mesmos e também dos podres poderes.
Como se fora uma espécie de bobo da corte, Grillo não poupava nada e ninguém, distraindo e divertindo as gentes.
O problema é que, ao contrário dos bobos medievais, não se limitava a alusões e a metáforas. Desancava os poderosos mais respeitáveis — e os acima de qualquer suspeita — citando nomes e detalhando prontuários.
Um dia, porém, passou dos limites. Comentando a viagem à China Comunista do então primeiro-ministro italiano, Bettino Craxi, líder do Partido Socialista e notório corrupto, Grillo narrou à audiência que um assessor teria perguntado ao político: “Se todos os chineses são mesmo socialistas, de quem eles estão roubando?”
A piada desnudou o homem público, provocou gargalhadas e a demissão do cômico. A ironia da história é que, anos depois, comprovaram-se os malfeitos em que estava envolvido Craxi, o que o obrigou a fugir do país e a se asilar na Tunísia, onde permaneceu até que morte o separasse da vida.
Caído em desgraça em toda a grande mídia, Beppe Grillo passou a viver de shows itinerantes. Por onde passava, divertia multidões. Como única publicidade, o bom humor e a graça das histórias que inventava.
Aproveitando-se da web, esta grande rede libertadora, resolveu fazer um blog, conectando-se com seus milhões de admiradores. Foi um sucesso, a ponto de ser considerado pelas agências especializadas o oitavo blog mais visitado em todo o mundo.
Ampliaram-se então as temáticas comentadas e debatidas, incluindo-se aí, além da corrupção dos políticos e das grandes empresas, o uso da energia e da tecnologia, a liberdade de expressão, a critica radical aos monopólios de comunicação e o trabalho infantil.
A onda foi aumentando.
Grillo deu um ousado passo a mais: resolveu convocar — através da internet, pois continuava bloqueado pela grande mídia estatal e privada — um dia V de celebração: o V podia ser de vitória, de vingança (dos pequenos contra os grandes) ou V de vafancullo, ou seja, em bom português, “vá se foder”. Não é preciso dizer que foi nesta última acepção que a coisa pegou fogo.
No dia 8 de setembro de 2007, mais de 2 milhões de italianos participaram da celebração em dezenas de cidades diferentes, todas conectadas pela Grande Rede.
Na ocasião, o humorista evidenciou que a taxa de criminosos no Parlamento italiano era superior à de Scampia, um subúrbio de Nápoles, considerado o mais perigoso lugar da Península Italiana.
No ano seguinte, em 25 de abril, houve um segundo Dia-V. Grillo propôs então um novo alvo: a grande mídia e suas negociatas com o Estado, de que resulta a falta de liberdade real de expressão no país.
Em 2009, o comediante fundou o Movimento 5 Estrelas e passou a incentivar a formação de listas cívicas para concorrer a eleições locais. Os candidatos devem preencher três requisitos: não serem condenados, residirem no lugar onde pretendem disputar cargos e não serem registrados em nenhum partido político.
Entre as listas de cada lugar não há hierarquia de nenhum tipo e Grillo gosta de dizer: “A nossa força é a desorganização”.
Nas últimas eleições municipais, realizadas em maio de 2012, candidatos do movimento foram vitoriosos em Parma, cidade do Norte industrial, e em outras duas pequenas localidades.
Para as próximas eleições, mês que vem, Beppe Grillo anuncia uma “tsunami tour” pelo país. Vai percorrer, em 39 dias, com uma pequena equipe, e mais conectado do que nunca, cerca de cem cidades.
E vaticina, muito sério, como convém a um humorista: “Vamos virar a Itália pelo avesso. A tsunami está chegando. Políticos, preparem seus salva-vidas. Suas mentiras serão reduzidas a nada. Vejo vocês no Parlamento! Será um grande prazer!”
Se der certo, pode ser a primeira vez na história que um bobo da Corte virou rei.
15 de janeiro de 2013
Daniel Aarão Reis, O Globo
É professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense
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