O governo terá que
contar com a sorte para que a inflação não fure o teto da meta deste ano, de
6,5%. A maioria dos economistas espera um primeiro trimestre de preços sob
pressão, principalmente os dos alimentos.
E como ninguém
acredita que o Banco Central mexerá na taxa básica de juros (Selic) tão cedo — o
indicador deverá permanecer em 7,25% em 2013 — para não prejudicar a retomada do
crescimento, qualquer evento extraordinário pode provocar uma disparada no custo
de vida.
Na avaliação da
economista Tatiana Pinheiro, do Banco Santander, a inflação deste ano ficará em
ao menos 6%. Para ela, não haverá alívio no valor dos alimentos a curto prazo,
sobretudo porque tudo dependerá de um fator imponderável, o clima, que afetará,
além dos produtos agrícolas, o frágil sistema de eletricidade do
país.
Para piorar, a maior
seca dos últimos 50 anos nos Estados Unidos continua a fazer estragos. Ou seja,
há a possibilidade de eventos externos e domésticos elevarem os preços dos
alimentos para muito além do desejável. O que Tatiana vê nas projeções dos
gráficos do computador, a dona de casa Maria Eunice Oliveira, 32 anos, já está
sentido no orçamento doméstico.
Com renda familiar
mensal de R$ 700 e nove bocas para alimentar, manter o mínimo de bem-estar da
família tem sido uma tarefa difícil, tamanha é a carestia nos
supermercados.
“Tivemos que diminuir
a quantidade das compras, porque não temos como pagar tudo. Hoje, com R$ 300, R$
400, não dá mais para levar nem o necessário. E olha que isso é quase a metade
de tudo o que ganhamos”, reclamou. Além do marido, Edilson Santos de Oliveira,
42, que é caseiro, dos três filhos e do irmão, Jail Gonçalves de Brito, 44, que
está desempregado, Eunice alimenta cunhadas e sobrinhos, que vêm de longe para
trabalhar e estudar.
“Está muito difícil
dar o que comer para todo mundo. A cada semana que vou ao supermercado, tudo
está mais caro”, assinalou. Apenas para comprar um pacote de cinco quilos de
arroz, um quilo de feijão, um litro de leite, um quilo de tomate, uma lata de
óleo e um quilo da carne mais barata, precisa desembolsar mais de R$ 50. O
problema é que esses produtos duram, no máximo, quatro dias, assim mesmo, com
muito racionamento.
Repasses
Responsável pelo
mercado Dona de Casa, no Paranoá, Morais Alves disse que a alta de preços está
assustando a todos. “Os alimentos já chegam às distribuidoras com preços bem
elevados. Os reajustes vêm desde o meio do ano passado. Está impossível para nós
não repassar os aumentos para a clientela”, frisou.
A faxineira Maria
José Rodrigues, 51, notou os reajustes. Ela contou que gasta a maior parte do
salário no supermercado, com comida. “Nos últimos meses, só levo para casa o
básico”, ressaltou. Além das despesas com alimentação, Maria sente o aumento dos
medicamentos.
“De uns três meses
para cá, deu para ver uma diferença de até R$30 em alguns remédios. Às vezes,
abro mão de cuidar da minha saúde para não deixar de comer”, afirmou. A situação
não é muito diferente na casa da comerciante Irani Oliveira da Silva, 42. “Estou
cortando uma série de produtos da minha lista de supermercado. Tomate, por
exemplo, não compro mais, pois está custando até R$ 9 o quilo. Iogurte e suco,
só das marcas mais baratas.
Tudo ficou muito caro
de uns três meses para cá:
óleo, arroz, carne,
feijão. Ela lembrou que, há um ano, gastava cerca de R$ 350 com a compra mensal
de alimentos. Hoje, desembolsa, no mínimo, R$ 700. Diante desse quadro, está
difícil para os consumidores entenderem a tranquilidade do governo quando se
refere à inflação.
Pelos dados
oficiais, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 5,84%, com os
alimentos subindo quase o dobro. Segundo o Banco Central, apesar de pressionados
no primeiro trimestre deste ano, os preços vão ceder ao longo de 2013, fechando
em 4,7%.
“Sinceramente, não
acredito nesses números. Para mim, a inflação real é a que encontro nas gôndolas
do supermercado. E ela está muito alta, subindo todos os meses”, disse o
marceneiro José Antunes, 34.
O economista Eduardo
Velho, da Planner Corretora, reconhece o descontentamento dos
consumidores. E avisou que, com a carestia dos alimentos e a alta dos preços dos
serviços e da educação, a inflação ficará, nos próximos meses, bem acima do
centro da meta, de 4,5%, perseguida pelo Banco Central. Nas suas contas, somente
na primeira quinzena de janeiro, o reajuste médio dos alimentos foi superior a
2,5%.
Não à toa, Sílvio
Campos Neto, economista da Consultoria Tendências, mostra preocupação com os
fatores de risco que podem elevar o IPCA nos próximos meses.
Além da retomada do
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), para 3,2% no ano, haverá reajustes
nas tarifas de ônibus urbanos e nos combustíveis, e o retorno do Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI) de carros e eletrodomésticos, que estavam
zerados. “O sinal é de alerta”, disse.
Sofrimento para idosos
Os produtos de consumo básicos pesaram mais no bolso dos idosos. Segundo o Índice de Preços ao Consumidor da Terceira Idade (IPC-3I), as famílias constituídas por pessoas com idade superior a 60 anos enfrentaram alta de 5,84% em 2012, taxa maior do que a inflação dos demais brasileiros (5,74%). Somente no quarto trimestre do ano passado, o indicador medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV) computou aumento de 1,59%, puxado pelos gastos com transporte, vestuário, habitação, saúde, educação e recreação.
Segundo o vice-presidente da Confederação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (Cobap), Moacir Meireles, entre os aposentados, o que mais pesa no bolso são os gastos com alimentação e medicamentos. “O segurado da Previdência Social não tem condições de bancar o lazer, vive para comer e comprar remédios, e ainda fica devendo todo mês. Infelizmente, quanto mais idade, mais despesas”, afirmou.
VÂNIA CRISTINO e PRISCILLA OLIVEIRA Correio Braziliense
15 de janeiro de 2013
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