Não foi por falta de aviso. Inúmeros analistas alertaram para o jogo de perde-perde que o governo estava jogando na área de combustíveis. O consumidor acha que paga demais, o investimento no setor de transporte perdeu uma fonte de arrecadação, os produtores de etanol ficaram confusos. A Petrobras tem perdas, o déficit externo da empresa cresceu, a poluição aumentou.
O governo vem errando há anos no setor de combustíveis. Deu incentivo anos seguidos, através de redução do IPI, para o carro particular, sem investir na melhoria das vias urbanas e nas rodovias.
Uma fonte importante para esse financiamento era a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, a Cide. Ela foi sendo reduzida para não aumentar o preço da gasolina na bomba.
O fato é que o consumidor não sentiu alívio porque ora foi o álcool que ficou mais caro, ora foram os postos de gasolina que elevaram preços. Mas a Petrobras ficou na estranha situação de ter que importar gasolina a um preço maior do que poderia cobrar das distribuidoras.
Para diminuir a perda da estatal, o governo foi reduzindo impostos que incidem sobre o produto e assim o consumo foi aumentando. Incentivou o aumento da demanda de um combustível que precisava ser importado.
Incentivar a gasolina, cuja produção interna é insuficiente, já é bem esquisito, mas fazer isso aumentando o prejuízo da Petrobras e o seu déficit da balança comercial é realmente sandice.
No ano passado, o Brasil importou US$ 9,1 bilhões a mais do que exportou no grupo combustíveis e lubrificantes. O rombo, na verdade, é maior, porque a Receita alterou as regras para o envio das estatísticas e grande parte das importações feitas em 2012 será contabilizada em 2013.
Além disso, esse produto cujo consumo o governo incentivou durante tanto tempo tem dois efeitos colaterais ruins: piora a qualidade do ar, aumentando doenças respiratórias; torna incerto o planejamento das empresas que fazem o combustível derivado da cana-de-açúcar.
Canavieiros deixaram de investir em renovação de canavial, usinas programadas deixaram de ser instaladas, usineiros preferiram exportar açúcar. O etanol ficou mais escasso e, portanto, mais caro, até porque a gasolina estava subsidiada.
Todo investimento feito em ter uma frota de carros flex foi inútil porque os carros, tendo duas opções, preferiam a gasolina. Houve um tempo tão maluco que o Brasil começou a importar etanol após passar anos brigando para derrubar barreiras ao etanol brasileiro no mercado americano.
Os equívocos da política energética vão muito além do setor em si. O vice-presidente da Abimaq, José Velloso, explicou que 35% das 1500 empresas que participam da associação estão direta ou indiretamente ligadas à cadeia de óleo e gás.
Por isso, o fraco desempenho da Petrobras, com atrasos em projetos importantes, e também o travamento do setor sucroalcooleiro afetaram as encomendas de máquinas nacionais.
— Há cinco anos não há rodadas de licitação decampos de petróleo, a refinaria Abreu e Lima sofre atrasos constantes, o Comperj ainda não saiu do papel. O setor de álcool travou, porque o subsídio à gasolina tirou competitividade do produto. Mais de um terço das empresas da Abimaq têm relação com o setor de petróleo e gás. Então os equívocos da política energética nos afetaram bastante nos últimos anos. Houve menos encomendas de máquinas por causa disso — disse Velloso.
E como se tudo isso não bastasse, as ações da Petrobras despencaram durante esse período porque o mercado está convencido de que ela é usada para objetivos que não têm racionalidade econômica.
Nada justifica, por exemplo, o gasto com uma refinaria feita sob encomenda para o petróleo venezuelano e na qual a Venezuela se negou a fazer os investimentos prometidos.
Os subsídios e isenções tributárias são dados para informar à economia sobre a direção que o governo pensa ser a mais adequada ao longo prazo.
Até agora, os sinais dados foram que se deve consumir bastante gasolina, abandonar o álcool, emitir mais gases de efeito estufa, gastar o volume de dinheiro que for necessário para que o petróleo da Venezuela tenha uma usina no Brasil, e reduzir a tributação que seria destinada aos investimentos das rodovias e transportes coletivos.
E o dono do carro continua achando a gasolina cara demais. Não teve o efeito político desejado.
01 de fevereiro de 2013
Miriam Leitão, O Globo
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