- Chefe de clã do Maranhão comandou quatro vezes o Senado; 2009 foi ‘ano negro’
Antes de se despedir da cadeira que ocupou por quatro vezes , desde 1995, o senador José Sarney (PMDB-AP) preocupou-se em registrar nos órgãos de comunicação da Casa uma série de entrevistas onde, sem modéstia, exalta sua importância, não só como o modernizador da instituição, mas como uma das figuras máximas da República nos últimos 50 anos. Mas deixa a presidência do Senado nesta sexta-feira sem conseguir apagar de sua longa trajetória no comando da Casa uma enxurrada de escândalos.
Muitos apostam que o ciclo do grupo Sarney — que inclui a filha governadora do Maranhão, Roseana Sarney — está chegando ao fim, mas ninguém nega a força política do oligarca maranhense que há 35 anos está no Senado, um recorde. Com a saúde fragilizada e sem condições de continuar escorado no poder conferido ao presidente do Senado , o ex-presidente da República, de 82 anos, já afirmou que não pretende se candidatar a outros cargos eletivos quando seu mandato terminar, no final do ano que vem.
O ano de 2009 foi o “ano negro” de Sarney. Ele sentiu o gosto amargo de ter seu nome envolvido no escândalo dos Atos Secretos do Senado, quando foram descobertas diversas decisões da Casa, que aumentavam os benefícios dos parlamentares e familiares e autorizavam nomeações de parentes, que não haviam sido divulgadas. Sarney contratou Fundação Getúlio Vargas para prestar consultoria, repetiu o contrato, pagou caro e não deu em nada. A tão prometida reforma administrativa foi esquecida.
No mesmo ano, o filho de Sarney Fernando Sarney e a nora Teresa Cristina Murad Sarney foram indiciados em três operações da Polícia Federal. Ainda em 2009, a neta do mais longevo presidente do Senado foi pega, em gravação telefônica, pedindo ao pai emprego no Senado para o namorado. Também foi descoberto o caso do mordomo que trabalhava na casa da filha de Sarney, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB). Amaury de Jesus, conhecido como "Secreta", era funcionário efetivo ganhando do Senado cerca de R$ 12 mil por mês. A contratação, entretanto, foi considerada legal pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Outra denuncia revelou desvio da Fundação Sarney de dinheiro da Petrobras repassado em forma de patrocínio cultural para um projeto que nunca saiu do papel.
Sobre as denúncias, o presidente filosofa. “Quanto a mim, como eu sei que são inverdades, eu lido como se fosse com uma terceira pessoa. Eu lido com absoluta tranquilidade. Eu sou cristão e Deus me deu essa graça. Deus já fez tanto por mim — como o país em que ele me fez nascer e a vida que ele me permitiu construir, tanto na literatura quanto na política — e ele me pede uma coisa apenas: “Perdoai os vossos inimigos”, declarou em entrevista à Agência Senado.
Ainda pode ser cedo para afirmar que é o fim da era Sarney. Para o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), Sarney tem mais dois anos no Senado e continuará ligado a um grupo forte. Mas perde o PMDB seu cacique experiente.
— Para o PMDB será uma perda muito grande porque Sarney é politico com mais experiência e com muita força dentro do partido — analisa, lembrando também que o peemedebista domina a mídia no Maranhão, estado com um dos piores resultados do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país.
Sarney mantém a influência em áreas importantes do governo, como a de Minas e Energia. Menina dos olhos da presidente Dilma Rousseff — ex-ministra da pasta — o ministério é hoje comandado pelo senador maranhense e peemedebista Edison Lobão, que enaltece a liderança de Sarney e destaca como maior legado a consolidação do regime democrático com uma transição “sem traumas”:
— Sarney é um democrata, um conciliador, um homem do diálogo. Como presidente do Congresso Nacional, ele tem exercido a sua liderança, unanimemente reconhecida, para a solução dos conflitos e a preservação e a defesa dos interesses do país. Basta dizer que ele foi a segurança de uma transição sem traumas do regime militar para a democracia plena.
Em 2014, Sarney completa seu terceiro mandato como senador pelo estado do Amapá, que o acolheu depois de deixar a presidência da República com prestígio em baixa. Sarney afirma que assumiu a presidência do Senado por ter se “rendido a apelos”, e escolhe como sua maior contribuição ter ajudado a modernizar a Casa, promovendo maior transparência.
" Todo homem chega ao fim da vida com uma certa frustração, não das coisas que fez, mas pelas coisas que deixou de fazer. Quando a gente entra na política, é pelo desejo de melhorar a sorte de seu município, de seu estado, de seu país, e até de melhorar a sorte da humanidade”, declarou o presidente do Senado.
Clã no Maranhão
Para políticos do Maranhão, sua terra natal, o fim da gestão Sarney na presidência do Senado divide opiniões. Flávio Dino, presidente da Embratur e opositor de Roseana Sarney na disputa pelo governo estadual no último pleito, avalia que o estado ganha, já que a influência do clã no estado se sustenta por meio do poder que o patriarca tem na esfera federal.
— Em termos de Maranhão, sinaliza ainda mais claramente a superação desse ciclo politico. Ele sempre sustentou esse ciclo a partir do poder federal. O mando local foi sustentado pelo poder que ele tem no mando federal. Na medida em que ele, além de concluir seu mandato, deixa a presidência do Senado, mudam essas forças — disse o presidente da Embratur.
Dino, que será candidato novamente em 2014 ao governo Maranhense, aponta que o estado é o único que conserva a mesma estrutura política desde os tempos da ditadura, o que manteria o atraso no estado.
— Chegou a hora de virar essa página. Não só pela questão cronológica. São 50 anos dessa estrutura. Mas também pelas consequências para o estado dessa situação . Qualquer que seja a análise, a gente vê que esse domínio do Sarney no Maranhão se esgotou — afirmou Dino.
No entanto, o deputado Domingos Dutra (PT-MA), adversário político do clã no Maranhão, destaca que a família ainda é muito forte no estado, e o fato de Sarney deixar a presidência do Senado não diminui as ligações que ele tem com o ex-presidente Lula e com a presidente Dilma. A vinculação entre Sarney e o PT tem um peso muito grande, avalia o parlamentar.
— Sarney só mantem a colônia puxando muito o saco do Planalto. Por isso que ele não larga nenhum presidente. Por isso ele consegue os cargos. Lamento, como fundador do PT, que Sarney tenha mais poder no governo do PT do que na ditadura militar — disse Dutra, destacando que nos último meses Dilma visitou o Maranhão duas vezes e Sarney ocupou durante cinco dias na presidência da República.
A governadora do Maranhão, Roseana Sarney , destaca a capacidade do pai de " conciliar e de conduzir travessias em momentos difíceis” .
- É difícil imaginar o êxito alcançado pela transição democrática sem um líder com essas qualidades - disse, respondendo ao GLOBO.
Sobre o impacto da decisão de Sarney não concorrer a cargos depois do fim do mandato no Senado , Roseana lembra que há 31 anos ele não disputa uma eleição no Maranhão e que o pai nunca deixou de estar presente e de contribuir para o desenvolvimento do estado.
- A saída dele do Senado, daqui a dois anos, privará o Brasil da sua experiência de mais de cinquenta anos de vida pública, onde exerceu todos os cargos relevantes da política brasileira - avalia.
01 de fevereiro de 2013
ADRIANA MENDES e FLAVIA PIERRY - O Globo
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