Dez anos depois, população pobre do País permanece refém de programas de renda
Estudo do Cebrap mostra que, apesar do enorme avanço registrado no combate à miséria durante a última década, desigualdade entre classes altas e baixas ainda é grande no Brasil, e oportunidades se mantêm reduzidas para quem vive do Bolsa Família
Estudo do Cebrap mostra que, apesar do enorme avanço registrado no combate à miséria durante a última década, desigualdade entre classes altas e baixas ainda é grande no Brasil, e oportunidades se mantêm reduzidas para quem vive do Bolsa Família
O estudo foi realizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), sob a coordenação de Alexandre de Freitas Barbosa, professor de História Econômica Universidade de São Paulo (USP). Publicado inicialmente em inglês e lançado aqui com o título O Brasil Real: a desigualdade para além dos indicadores, ele relativiza as estatísticas usadas para comemorar os avanços dos governos petistas.
Observa, por exemplo, que quando se fala na elevação do nível de emprego, não se menciona que, de cada dez postos de trabalho que surgem no mercado formal, nove têm remuneração inferior a três salários mínimos.
Os avanços obtidos até agora, segundo o texto, não terão sustentabilidade se não forem acompanhados de uma política industrial capaz de absorver trabalhadores mais qualificados e propiciar elevações reais da renda; e se não criar condições de maior mobilidade nas zonas mais pobres.
Sem iniciativas adequadas, sinaliza o estudo, os programas de transferência de renda podem, em vez de reduzir desigualdades, acentuá-la. Numa cidade do Nordeste, com grande número de dependentes de programas de transferência de renda, os maiores beneficiários serão, por essa avaliação, o comerciante local e as indústrias do Sul e do Sudeste, fornecedoras dos produtos que ele vende.
O assunto começa aos poucos a despertar o interesse dos tucanos, já pensando nas eleições de 2014. Ao analisar os programas de transferência de renda, o cientista político Bolívar Lamounier, ligado ao PSDB, observa: “O modelo atual não tem sustentabilidade. É preciso fortalecer uma classe média baseada na pequena empresa, na produtividade do trabalho, na qualificação profissional”.
Dez anos depois do início do já esquecido Fome Zero, as coisas não são as mesmas em Guaribas. Mas a estrada para uma vida melhor continua pedregosa.
Dez anos depois, população pobre do País permanece refém de programas de renda
Implantados há uma década, os planos de combate à miséria dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff têm registrado sucesso em dois aspectos: a ampliação dos benefícios de transferência de renda à maioria das famílias mais necessitadas, garantindo alívio imediato, e a melhoria de indicadores sociais. Eles patinam, porém, quando se trata de aumentar as oportunidades de inclusão no mercado de trabalho.
Uma das cidades que simbolizam essas políticas, Guaribas, no interior do Piauí, espelha tal realidade, conforme constatou a reportagem do Estado. Foi ali que, em fevereiro de 2003, logo após a posse do presidente Lula, o então ministro do Combate à Fome, José Graziano, formalizou o lançamento do Programa Fome Zero, proposta de campanha de Lula que prometia erradicar a fome no País a partir de uma série de ações coordenadas. A escolha para o lançamento era precisa. Tratava-se da mais miserável das cidades do Piauí, o Estado mais pobre do Brasil.
Após desembarcar na cidade, Graziano distribuiu os primeiros 50 cartões do programa e previu: “Quero voltar aqui em quatro anos e dizer que vocês não precisam mais do cartão (Alimentação) porque a fome acabou.” O programa Fome Zero fracassou, mas logo foi substituído pelo bem sucedido Bolsa Família.
Passados dez anos, as melhorias para os 4.401 habitantes são notáveis: Guaribas ganhou água encanada, agências bancárias, uma unidade básica de saúde, mais escolas e ruas calçadas. Os índices de mortalidade infantil e de analfabetismo caíram, o grau de aproveitamento escolar subiu e a fome praticamente desapareceu. Ao contrário do que previu Graziano, porém, a dependência do cartão de benefícios só aumentou.
'Nem pensar’. Guaribas tem 956 famílias pobres vinculadas ao Bolsa Família – o que representa 87% do total da população. O maior temor dos moradores é o fim do programa. “Ave Maria, nem pense numa coisa dessas. A gente ia viver de quê? Todo mundo ia morrer de fome. Eu era uma”, diz Márcia Alves, que tem 31 anos, dois filhos, e recebe R$ 112 mensalmente do governo.
O caso de Guaribas não é único. Um estudo encomendado pela Christian Aid, instituição de igrejas protestantes do Reino Unido e da Irlanda que financia organizações não governamentais empenhadas em combater a miséria e reduzir as desigualdades pelo mundo, chegou à seguinte constatação: apesar do avanço no combate à miséria no Brasil, a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres ainda é uma das mais altas do mundo e a oportunidade de mobilidade social ainda é muito reduzida.
O estudo foi realizado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), sob a coordenação de Alexandre de Freitas Barbosa, professor de História Econômica Universidade de São Paulo (USP).
Publicado inicialmente em inglês e lançado aqui com o título O Brasil Real: a desigualdade para além dos indicadores, ele relativiza as estatísticas usadas para comemorar os avanços dos governos petistas.
Observa, por exemplo, que quando se fala na elevação do nível de emprego, não se menciona que, de cada dez postos de trabalho que surgem no mercado formal, nove têm remuneração inferior a três salários mínimos.
Os avanços obtidos até agora, segundo o texto, não terão sustentabilidade se não forem acompanhados de uma política industrial capaz de absorver trabalhadores mais qualificados e propiciar elevações reais da renda; e se não criar condições de maior mobilidade nas zonas mais pobres.
Sem iniciativas adequadas, sinaliza o estudo, os programas de transferência de renda podem, em vez de reduzir desigualdades, acentuá-la. Numa cidade do Nordeste, com grande número de dependentes de programas de transferência de renda, os maiores beneficiários serão, por essa avaliação, o comerciante local e as indústrias do Sul e do Sudeste, fornecedoras dos produtos que ele vende.
O assunto começa aos poucos a despertar o interesse dos tucanos, já pensando nas eleições de 2014. Ao analisar os programas de transferência de renda, o cientista político Bolívar Lamounier, ligado ao PSDB, observa: “O modelo atual não tem sustentabilidade. É preciso fortalecer uma classe média baseada na pequena empresa, na produtividade do trabalho, na qualificação profissional”.
Dez anos depois do início do já esquecido Fome Zero, as coisas não são as mesmas em Guaribas. Mas a estrada para uma vida melhor continua pedregosa.
Fonte: Estadão (Política)
Fome se vai, mas perspectiva não chega
Vida na cidade onde programa Fome Zero foi lançado há dez anos melhora, mas dependência do governo federal e da prefeitura é total.
Guaribas vive do passado. Não de glórias esquecidas, mas de promessas pela metade, feitas quando, no dia 3 de fevereiro de 2003, um grupo de ministros do então governo Lula desembarcou na cidade planejando resolver a vida daquela gente que apenas sobrevivia. Dez anos depois, o que sobrou do programa Fome Zero na cidade que foi o seu símbolo são as centenas de famílias que saíram da miséria absoluta para a pobreza sustentada pelo Bolsa Família ou pelas aposentadorias rurais.
O tempo das visitas de ministros e governadores passou e a população castigada pela seca retomou seu caminho: a estrada para São Paulo para melhorar de vida.
Não há quem não diga que a cidade não melhorou de 2003 para cá. Hoje há água encanada. Quatro ruas ganharam calçamento. A praça tem bancos de cimento. Há agências do Banco do Brasil, dos Correios e do Banco do Nordeste. Há uma unidade de saúde básica, com quatro enfermeiros, mas sem médico. Há mais escolas, inclusive de ensino médio. A miséria, porém, não deixou o local.
Na cidade, a maior renda é a dos aposentados, que ganham mais do que os beneficiários do Bolsa Família. Há gente que tenta de todas as formas arrumar um atestado médico para se aposentar antes da hora. Quem não consegue pede ajuda aos velhinhos da família. Dona Wilsa Maria, 78 anos, ajuda a sustentar 16 pessoas na sua casa. “Como vou ver meus filhos passando necessidade?”, pergunta.
Indicadores. Alguns indicadores de Guaribas melhoraram consideravelmente desde o início dos programas de combate à pobreza. É o caso da mortalidade infantil, que no período caiu de 30,3 para 22,2 para cada mil crianças nascidas vivas. A taxa de analfabetismo também caiu: foi de 59% para 36%. Mas questões estruturais não foram resolvidas. Dos 4.401 moradores da cidade, 87% são atendidos pelo programa Bolsa Família.
“O Bolsa Família é essencial para esse povo porque não tem outra renda. As coisas melhoraram, mas não tem emprego. A gente faz o que pode, mas não tem milagre. A verdade é que continuamos pobres e esquecidos”, diz Edmilson Maia, assessor especial da Prefeitura de Guaribas, ex-secretário municipal de administração e porta-voz do atual prefeito, Claudinê Matias, que, recém-eleito, demonstra saber muito pouco sobre a cidade que vai administrar.
Dependência. A crônica falta de emprego deixa Guaribas em situação de dependência absoluta. Praticamente todo o orçamento da prefeitura, de R$ 8 milhões, depende das transferências do Fundo de Participação dos Municípios, do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e de outros programas federais. Não há nenhuma receita própria e o ICMS transferido pelo Estado não chega a R$ 60 mil. A prefeitura é a maior empregadora, mas tem pouco mais de 200 funcionários. Não há família que não tenha visto pelo menos um integrante migrar para São Paulo.
Gildeci Simões Aires, 47 anos, e seu marido, Rodolfo Rocha, 63, têm dois filhos que foram embora por falta de emprego. A família não tem nenhum programa social porque Rodolfo é funcionário da prefeitura. “Metade do pessoal daqui está em São Paulo. Tem que se ir pelo mundo, porque emprego não tem. Não se morre de fome, mas expectativa não tem”, conta Gildeci. “Na época que lançaram o programa até apareceu um empreguinho, mas agora não tem mais”. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia, Guaribas perdeu mais de 500 habitantes nos últimos 10 anos.
Abandono. O número daqueles que passam uma temporada fora e voltam é ainda maior. Otaviano Neto, 24 anos, chegara fazia uma semana, depois de passar oito meses em São Paulo. Sua família, que possui uma pensão e restaurante hoje praticamente abandonados, foi diretamente atingida pelo mundo de promessas que cercou a chegada do Fome Zero. Em 2006, ela investiu R$ 1,1 mil em equipamentos para montar um restaurante self-service. Funcionários da Empresa de Gestão de Recursos do Piauí (Emgerpi) e de outros órgãos do governo iam com frequência à cidade e contratavam a comida no pequeno restaurante. Hoje, o equipamento está jogado no quintal da casa. “Tem muita gente que abriu e teve que fechar negócio. Lanchonete, churrascaria. Acharam que a cidade ia andar, mas não funcionou”, conta.
Nos dois últimos anos, apesar das pequenas mudanças, Guaribas parece ainda mais abandonada.
O escritório da Emgerpi, aberto na cidade pelo então governador Wellington Dias (PT), foi fechado pelo atual, Wilson Martins (PSB), que só apareceu na cidade uma vez, ainda em campanha.
A estrada que leva à cidade, como há 10 anos, ainda não merece esse nome – é mais uma trilha que impede até mesmo a chegada de uma linha regular de ônibus. Depois de 10 anos, Guaribas deixou as manchetes de jornal e voltou para seu lugar, entre as centenas de cidades pobres e esquecidas do Brasil.
21 de fevereiro de 2013
Por Roldão Arruda e Lisandra Paraguassu - O Estado de S. Paulo
Fonte: Estadão (Política)
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