Pela segunda vez em poucos dias peço a devida licença para abrir mão da formalidade, dispensando o “Vossa Excelência” e aderindo momentaneamente ao “você”, o que não significa desrespeito. Apenas é uma forma de evitar que o texto empaque em alguns trechos e perca a sua fluidez.
Dilma, não sei se você já percebeu, mas sou um dos seus mais ácidos críticos. Não faço isso por encomenda, apesar de alguns de seus companheiros pensarem assim. Ajo com consciência e convicção, sem apelar à leviandade.
Sua assessoria de comunicação já percebeu nossas diferenças e o peso de minhas críticas. Aliás, quando telefono para a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto, o que vez por outra ouço é “ah, você é o Ucho?”. Sim, Dilma, o Ucho sou eu, o escriba ranzinza que lhe atormenta diuturnamente, mesmo você não leia aquilo que escrevo. Sei que a sua agenda é concorrida e que tempo é dinheiro. E dinheiro tem sido um problema e tanto nesse Brasil que está em suas mãos.
O meu maior sonho, Dilma, era não ter o que escrever ao acordar. Isso já mencionei em artigo anterior. O dia que conseguir perguntar a mim mesmo, logo ao despertar, o que farei hoje, serei um dos mais felizes brasileiros.
O País terá encontrado o seu rumo, alguém competente estará na presidência e os cidadãos estarão vivendo felizes, como nesse país que você e Lula costumam enfiar nas propagandas oficiais. Sobre esse país dos sonhos, que mais parece o de Alice, há uma extensa fila de brasileiros querendo saber o endereço. Como estamos a sós, depois passe o endereço. Prometo que guardarei segredo.
Dilma, não serei hipócrita a ponto de afirmar que desconheço o fato de que política é negócio para poucos alarifes e que incoerência e mentira fazem parte do cotidiano dos governantes. É assim que funciona o poder. E sendo negócio, a política exige do cidadão que a ela se atreve maestria ao cobrar. E eu sou um tremendo fiasco nesse quesito.
Você pode me perguntar por qual razão não me candidato à presidência em 2014. Sabe, Dilma, não sei agir com incoerência e tenho um defeito imperdoável que me impede de sonhar com a vida política. Não me avexo ao perceber que errei, afinal sou humano e tento acertar, e não tenho dificuldade de reconhecer os meus próprios erros.
A vida me ensinou a pedir desculpas. Na verdade, Dilma, sou o melhor produto dos meus próprios erros. Fora isso, as poucas mães que tenho – são três: uma de sangue (a que me pariu), uma de criação e outra para ser xingada – já têm muito trabalho para desviar das ofensas chicaneiras de alguns.
Sabe, em muitos momentos os seus aduladores e os de Lula resolvem colocar a mãe no meio de uma discussão qualquer, como se aquela que me pariu e a outra que me adotou tivessem culpa no cartório. Imagine, Dilma, se o povo comete a loucura de eleger o Ucho?
Precisaria alugar mais uma dúzia de mães, algumas de santo, para dar conta do recado, pois a xingação da “companheirada” seria verdadeira artilharia. Prefiro ficar do lado de cá, lhe criticando quando necessário. Só não me obrigue a trabalhar demais, pois escravidão é crime.
Dilma, divergência política é uma coisa, briga de rua é outra. Sem contar que diante de uma mulher, por mais errada que ela esteja, qualquer falta de cavalheirismo é imperdoável. E não será com você, prezada Dilma, que rasgarei tudo o que me ensinou um saudoso e coerente engraxate. De que é preciso ser cavalheiro até na hora da morte.
Sei que cavalheirismo é palavra estranha no mundo da política e principalmente no PT, mas é só assim que sei existir. Às vezes, como qualquer ser humano, ultrapasso o limite porque a besteira com que me deparo é grandiosa, mas logo volto ao estado de normalidade. Se é que alguém que pensa você considera como sendo normal. Mas tudo bem, isso é um detalhe que transcende o nosso colóquio redacional.
Por falar em cavalheirismo Dilma, fui o único jornalista do Partido da Imprensa Golpista – é assim que a esquerda chama os profissionais da imprensa que não rezam pela cartilha palaciana ou não passam no caixa do Planalto – que ousou defendê-la durante o difícil tratamento que você enfrentou para se livrar do câncer linfático.
Fui criticado, é claro, mas agi com justeza e cavalheirismo com você. Jamais seria capaz de usar a doença alheia como arma contra um adversário ideológico. Isso seria golpe baixo, desumanidade, falta de cavalheirismo.
À época escrevi que a candidata é uma, a paciente é outra. E era exatamente assim, de maneira humana e responsável, que a imprensa deveria ter lhe tratado naquele momento de dificuldade. De igual modo, por questões de coerência, não admito que a doença de um candidato se transforme em ferramenta eleitoral.
Dilma, democracia, palavra que você às vezes vocifera com certa insistência, outras não, é a mediatriz dos contraditórios, a raiz quadrada das divergências, a aritmética dos oximoros. Isso é democracia, Dilma, não o movimento “goela abaixo” que o PT e seus companheiros de legenda tentam impor de Norte a Sul.
Dilma, soberba é algo muito perigoso. É como um homem que abriu a porta do armário e caiu na vida como “drag queen” desavisada. Em algum momento, no primeiro trottoir, o salto alto há de quebrar. Dependendo da queda, a fatalidade domina a cena.
A melhor receita, Dilma, é misturar prudência com tolerância. E esse binômio há muito não passa perto do Palácio do Planalto. Paciência, os petistas são magnânimos e não se permitem olhar abaixo do horizonte.
Política é um complexo jogo de xadrez jogado no tabuleiro da imundice. Sei como funciona, Dilma, não se preocupe com justificativas. O que não pode é diante da iminência da derrota querer matar o adversário com o tabuleiro.
Perder, Dilma, na grande maioria das vezes é o caminho mais curto para a vitória certeira. Para compreender isso é preciso dois ingredientes básicos: humildade e resiliência. E esse duo está em falta no PT e no mundo que a cerca. Todo ofício tem seu osso. Em dados momentos é inevitável roê-lo com sabedoria. E não diga por aí que você é presidente por culpa minha. Você sabe muito bem quem inventou essa maluquice.
Dilma, o que mais preocupa não é a incompetência que infesta o Palácio do Planalto. Tudo bem, o Brasil perdeu uma década, mas o povo brasileiro é aguerrido e em cinquenta anos consertaremos o estrago. O que me preocupa de fato é a maneira como vocês, petistas, lidam com o contraditório. Há situações em que remar contra a maré é morrer na praia.
Veja o que acontece com a nossa economia. Você e seus brilhantes assessores insistem em dizer que tudo caminha maravilhosamente bem e que o Brasil enfrenta apenas um momento fora do script.
Não é verdade, Dilma, e você sabe disso. Basta fixar o olhar no seu semblante, que traduz alguém angustiado e que por questões outras se vê obrigado a travestir a verdade. Não estou a chamá-la de mentirosa, mas mitomania é um prato que o PT adora colocar no cardápio do dia a dia.
Agora, Dilma, falando sério. Conversa de gente grande. Você de fato crê (sei que crença não é seu forte) que todos têm obrigação de concordar com o PT e com Lula? Que os brasileiros têm o dever de acreditar que o Mensalão foi um golpe das elites, uma armação de setores da imprensa?
Que discordar sob o manto do PT é crime? Que ser contra a esquerda – o que não significa ser de direita – é pecado mortal? Não, tudo isso é uma enorme mentira, um monumento ao abuso, uma reverência ao desmando. Ainda que na seara da teoria, Dilma, vivemos em uma democracia. E a nossa obrigação – a minha, a sua e a de cada brasileiro – é de levar a teoria para o universo da prática. Tentemos, pois, mesmo com a cantilena visguenta e ensaiada da esquerda que você tanto ama. E não ouse chamar o Lula para essa empreitada, pois usando o termo que seu antecessor se vale para rotular os adversários, ele é “vagabundo”.
Dilma, eu discordo de você. Qual é o problema? Onde está escrito que sou obrigado a concordar? Isso é crime com direito a pena de morte? Pelo menos na legislação vigente não consta tal tipificação criminal. Dilma, mesmo não concordando com você, jamais desci às raias chicaneiras da ofensa.
O maior dos abusos que cometi – cometerei outras tantas vezes – foi chamá-la de “gerentona” inoperante. O que não é mentira. Ponha a mão na consciência por alguns míseros segundos, sente-se diante da escrivaninha presidencial e, sem excessos vocais, peça aos assessores relatórios sobre o seu governo e a realidade enfrentada pelo Brasil e pelos brasileiros. Você verá que minhas críticas são verdadeiras, mesmo que delas não goste. É um direito seu e que cabe com largueza na democracia. Nem por isso você tem o direito de me ofender. Limite-se a discordar, assim como discordo de você. E sejamos felizes, cada um ao seu modo.
Pois bem, Dilma, sem tomar mais o seu precioso tempo… Se eu ainda estou podendo discordar de você, afinal a democracia está em vigor, mesmo sem vigor, por qual motivo a Yoani Sánchez, a blogueira cubana, é obrigada a concordar com Fidel Castro? Já sei, você dirá que não interfere em assuntos de outros países.
Mas nós não estamos tratando de governos e ditaduras, mas, sim, de democracia e liberdade de opinião. A Yoani não tem o dever de enxergar Fidel como um semideus, a exemplo do que acontece com os incautos do Bolsa Família quando olham para Lula. A Yoani não é uma pessoa parva, sabe o que pensa e o que faz. Fora isso, tem consciência dos riscos que corre vivendo em uma ilha onde reina a ditadura e tendo como vizinho alguém como Fidel Castro.
Dilma, nós temos opiniões discordantes, mas eu não a ofendo. Você, pelo menos em público, não me ofende. Se no bastidor você decidir me xingar, lembre-se da minha terceira mãe. Mesmo que sendo obra do imaginário, ela é cônscia da própria honradez e já se acostumou a fazer ouvidos moucos à palavra meretriz. Fique à vontade e xingue o quanto quiser. Até porque, Dilma, prostituta não é apenas aquela pessoa que vende o próprio corpo, mas quem entrega por qualquer patacão a consciência, a coerência, a ideologia e a alma. E você deve conhecer várias pessoas que fazem isso com muita facilidade. Se não conhece, dê uma olhadela na lista de condenados no caso do Mensalão. Há pelo menos uma dúzia dessas pessoas.
Supondo que até agora você não tenha questionado publicamente a seriedade da minha terceira mãe (deixe as outras duas em paz, pois com a sua eu não mexo), não há motivo algum para a sua horda de aduladores, que mantém na internet um blog com o seu nome (Blog da Dilma) e com direito a uma foto sua, chamar Yoani Sánchez de blogueira “rola-bosta”. Dilma, a massa ignara que sustenta o PT certamente desconhece o verdadeiro significado de rola-bosta. Compreensível, pois a maioria é formada por comunistas de boteco, onde o linguajar chulo é majestade. Trata-se de um escaravelho que se alimenta das fezes de mamíferos herbívoros. Diziam os antigos egípcios que escaravelhos, rola-bostas ou não, eram amuletos da sorte. Como cada um acredita naquilo que lhe convém, cada escaravelho come aquilo que lhe apetece.
O Brasil, Dilma, não é conhecido como o paraíso dos escaravelhos, mas diariamente me deparo com pelo menos um monte de estrume com o carimbo do governo, do Lula ou do PT. Que falta de sorte a minha, hein, Dilma! Acho que preciso carregar um escaravelho rola-bosta no bolso para limpar o caminho, pois não tenho essa disposição do bichinho que era reverenciado no Egito de outrora. Assim farei um bem ao amuleto da sorte, pois ele há de se fartar com tantas defecações oficiais.
Dilma, um blog que leva o seu nome, mesmo que oficiosamente, não pode chegar ao rés do chão e usar palavras que não combinam com uma chefe de Estado. Pense, Dilma, você que tem insistido tanto em acertar, não pode permitir que esse erro proposital e rasteiro comprometa a sua imagem e a do Brasil. Se você não se incomoda com sua imagem e reputação, é problema seu, mas cada vez mais me preocupo com o Brasil. Sabe por quê? Porque vocês, soberbos e arrogantes, não se preocupam. Acreditam que são os derradeiros escaravelhos na vida dos cidadãos .
Deixemos o mundo fecal dos escaravelhos e passemos à prática, mesmo que na carona de conjecturas. Imagine, Dilma, se por discordância ideológica alguém lhe chame de “rola-bosta”. O que você faria contra essa pessoa? Certamente usaria o peso da caneta presidencial e o destempero do totalitarismo que embala o seu governo para puni-la. Tirania à parte, você estaria agindo de maneira acertada. Respeito é bom e todos gostam. Qualquer ser humano gosta. Até a Yoani gosta, prezada Dilma! E quem transgride deve ser punido com o rigor da lei. Foi isso que você disse antes de começar a governar, mas alguns escaravelhos a obrigaram a jogar o discurso na latrina.
Dilma, além de ser fiel à coerência, o que parece não ser o seu forte, eu não saberia conviver com tanta gente ao meu lado, achando-se, por essa ou aquela razão, no direito de falar em meu nome, mesmo que o cargo de cada um assim o permitisse.
Dilma, eu não nasci para ser presidente. E se tivesse nascido com certeza já estaria morto, pois não me escoro no silêncio obsequioso quando algo está errado. Sua assessoria sabe disso. Eu nasci para escrever, para pensar, para ser crítico, para infernizar o seu cotidiano, mesmo que você não perceba ou não saiba. Mas a sua assessoria sabe. Dilma, dedico-me intensa e diuturnamente para alimentar um site de notícias, onde prevalece o jornalismo opinativo – não aquela opinião chapa branca – e destemido, mas sem leviandades, órfão de escaravelhos chicaneiros.
Dilma, a madrugada avança e eu, que tão pouco durmo, já deveria estar no terceiro sono. Mas resolvi ter essa conversa redacional com você e lhe fazer um alerta. Na posição em que você se encontra atualmente, mesmo que errando mais do que acertando, não permita que um “rola-bosta”, não o escaravelho, seja o irresponsável por um blog que, com o seu consentimento, foi batizado com o seu nome. A continuar assim, a profecia de Lula sobre a sua reeleição pode acabar como refeição de escaravelho. O pior nessa epopeia, que mescla sorte com fezes, é que o seu “rola-bosta” é covarde. Ofendeu por escrito a blogueira desafeta de Fidel, mas por covardia explicita apagou a ofensa. Coisa de rola-bosta!
Sendo assim, finalmente, mas não que isso signifique o fim, agradeço pela inspiração que seus genuflexos “rola-bostas” de plantão em mim despertaram. E PT saudações, sempre lembrando que à sua volta há um séquito de escaravelhos. São inofensivos, não mordem, mas o prato predileto deles exala o insuportável olor da política. Em caso de perigo, acione seu protetor, Lula, pois ele sabe como alimentar os bichinhos.
21 de fevereiro de 2013
ucho.haddad
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