Os militantes que na segunda-feira hostilizaram a dissidente cubana Yoani Sánchez nos aeroportos do Recife e de Salvador e na mesma noite impediram a exibição, em Feira de Santana, de um documentário produzido no Brasil de que ela é protagonista decerto nunca leram uma linha da líder revolucionária alemã Rosa Luxemburgo (1871-1919).
Eles são exímios, de toda forma, em pôr de ponta-cabeça a máxima que a apartou dos maiores líderes revolucionários de seu tempo, como Lenin e Trotsky.
Enquanto estes, fiéis a Marx, consideravam a ditadura do proletariado imprescindível à construção do que seria o edênico sistema comunista, já então, com admirável senso premonitório, ela cunhou a máxima graças à qual se poupou de entrar para a história pela via da ignomínia e da apologia da violência em escala até então sem precedentes. "A liberdade", escreveu, "é quase sempre, exclusivamente, a liberdade de quem discorda de nós."
Os grupelhos autoritários que tentaram intimidar a filóloga e jornalista Yoani, de 37 anos - a única voz contra a ditadura castrista que se exprime pela internet, no seu blog Generación Y, criado em 2007 -, desfrutariam em Cuba da "liberdade" de concordar com a senil ordem política local. Só há pouco, numa tentativa de adiar o seu desmanche, o castrismo passou a permitir viagens ao exterior sem que os interessados tenham de obter o infame visto de saída da ilha. Graças a isso, Yoani pôde tirar o passaporte que lhe vinha sendo negado sistematicamente.
Ela só esteve fora de Cuba de 2002 a 2004, quando morou na Europa. Sendo o que são os seus fanatizados detratores - filiados a organizações patéticas como a União da Juventude Socialista, ligada ao PC do B e admiradora do regime norte-coreano; do Partido Comunista Revolucionário, que almeja "dirigir a classe operária"; e do Partido Consulta Popular, pró-MST, que ministra um curso de "realidade brasileira" -, seria nulo o seu risco de punição no feudo dos irmãos Castro.
Isso porque não há hipótese de que o contato com a realidade cubana viesse a abalar a sua petrificada mentalidade. Antes, seriam capazes de competir com os serviços de segurança do regime no zelo persecutório aos que ousam exercer "a liberdade de quem discorda".
Esse lumpesinato político nem precisa ser mobilizado pela Embaixada de Cuba em Brasília para querer sabotar a passagem de Yoani pelo País. A blogueira e colunista do Estado, que só não foi agredida fisicamente na chegada porque estava sob proteção, não se surpreendeu. "Com insultos, estou acostumada", comentou.
"Tenho a pele curtida contra xingamentos. Isso é o cotidiano na minha vida."
(Depois de amanhã, ela participará de um evento aberto ao público, "Conversa com Yoani", na sede deste jornal. No mesmo dia será exibido o documentário barrado em Feira de Santana, Conexão Cuba-Honduras, do cineasta baiano Dado Galvão.)
Pior são os petistas que não só comungam com o castrismo e a chamada Revolução Bolivariana de Hugo Chávez, mas comparam dissidentes a delinquentes, ou "bandidos".
Foi o inesquecível termo empregado pelo então presidente Lula, numa visita a Havana em março de 2010, quando o jornalista cubano Guillermo Fariñas completava 15 dos seus 135 dias em greve de fome pela libertação dos presos políticos da ilha.
No Brasil, os manifestantes que chamam Yoani de "traidora" e de "agente da CIA" fazem barulho.
O PT faz mais: o bastante para se assegurar de que o governo brasileiro se abstenha de criticar, que dirá condenar, Cuba nos fóruns internacionais sobre violações de direitos humanos. Dirigentes do partido, como o mensaleiro José Dirceu, pagam de bom grado a sua infindável dívida com Fidel por tê-los acolhido - e treinado para o desvario da guerrilha - no tempo da ditadura militar. Já Yoani, no que dependeu dela, começou bem a sua visita.
O seu comedimento e manifesto fair-play chamaram desde logo a atenção. Por exemplo, recusando-se a comparar Cuba ao Brasil, mencionou os estrangeiros que, tendo passado duas semanas em um hotel de Havana, "explicam para mim como é o meu país".
Mas não deixou de lembrar a frase de um amigo: "Os brasileiros são como os cubanos, mas são livres".
20 de fevereiro de 2013
Editorial do Estadão
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