"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

INADIMPLÊNCIA DOS BANCOS PRIVADOS

Entre 2007 e 2012, a dívida das estatais com o Tesouro subiu de R$ 10 bilhões para R$ 400 bilhões.
 
 
Entre 2007 e 2012, a dívida das estatais com o Tesouro subiu de R$ 10 bilhões para R$ 400 bilhões. A maior parte desse aumento decorreu de empréstimos concedidos pelo Tesouro ao BNDES. Não dispondo de folga fiscal para conceder tais empréstimos, o Tesouro emitiu novos títulos federais que foram entregues ao banco.
 
Após vender ao mercado financeiro aqueles títulos, o banco utilizou os recursos obtidos para conceder empréstimos para empresas privadas realizarem investimentos.

Os recursos reais entregues às empresas não foram fornecidos pelo Tesouro ou pelo BNDES, mas pelos poupadores que, após absterem-se de consumir a totalidade de sua renda, canalizaram a sobra para as empresas por intermédio do mercado financeiro/Tesouro/BNDES.

Por que os poupadores não destinaram às empresas seus recursos excedentes por intermédio do mercado privado, sem que o Tesouro e o BNDES entrassem no circuito? A resposta oficial é que, sem a intervenção pública, os recursos não teriam sido canalizados para investimentos.
 
Mas isso implica que tais recursos teriam sido direcionados para financiar o consumo daqueles que não poupam. Esse diagnóstico, no entanto, é incompatível com a queda do investimento observada nos últimos trimestres, apesar da maciça intervenção pública acima descrita.

Além disso, no mesmo período, observou-se um aumento da inadimplência nos bancos privados, fenômeno que os levou a reduzir o financiamento ao consumo - a ponto de o governo estimulá-lo com isenções fiscais.
 
Questionado sobre os riscos da elevação da dívida bruta do Tesouro provocada pela operação descrita acima, uma autoridade do primeiro escalão federal comentou que "o BNDES tem a menor inadimplência de todo o setor financeiro - 0,6%. O Banco do Brasil e a Caixa Econômica também possuem inadimplência de cerca de 2%, metade da dos principais bancos privados."
 
A baixa inadimplência dos bancos oficiais seria uma garantia de que o risco para o contribuinte de perda patrimonial associada aos referidos empréstimos é desprezível. Com exceção do custo fiscal do diferencial de juros, a operação seria neutra para o Tesouro. No futuro, superado o desaquecimento atual, as empresas pagariam os empréstimos ao BNDES que quitaria sua dívida junto ao Tesouro.

Se o passado for um bom previsor do futuro, a retração do setor privado estimulará a ampliação estatal
 
Quer se concorde ou não com a explicação da referida autoridade, o fato é que ela levanta um tema pouco discutido pelos analistas econômicos. O que explica o fato de a inadimplência dos bancos oficiais ser mais baixa do que a dos privados?
 
É improvável que os bancos públicos sejam mais eficientes que os privados ao avaliar o risco de crédito. Uma segunda explicação - que preferimos desconsiderar - seria a existência de uma falha na mensuração da inadimplência dos bancos oficiais que refinanciariam, por alguma razão obscura, devedores incapacitados de honrar dívidas antigas reduzindo a medida de inadimplência.
Embora não acreditemos ser este fator relevante, há que se levar em conta que no passado esse expediente já foi utilizado. Entre 2000 e 2001 os financiamentos em atraso do Fundo Constitucional do Nordeste, administrado pelo Banco do Nordeste (BNB), saltaram de 0,52% para 31,29% dos recursos aplicados, para R$ 2,7 bilhões em valores nominais.
 
Não porque tenha ocorrido uma súbita onda de inadimplência na região, mas porque o Banco Central obrigou o BNB a lançar as "operações em atraso, passíveis de negociação" como de fato em atraso. Até então elas eram refinanciadas e não contabilizadas como inadimplentes.
 
Uma terceira e mais provável explicação está no dilema enfrentado por uma empresa devedora, diante de uma dificuldade de caixa. Tendo que escolher entre honrar um empréstimo junto a um banco que lhe fornece crédito subsidiado, e outro que lhe cobra uma taxa de mercado, ela sabe que as portas para novos financiamentos se fecharão no primeiro banco, caso ele sofra sua inadimplência.
 
A decisão empresarial mais sensata, então, é priorizar o serviço da dívida de menor custo, preservando essa fonte barata de recursos para futuros empréstimos, e atrasar o serviço da dívida mais cara que será objeto de renegociações e brigas judiciais futuras.
 
O comportamento das empresas com dificuldade de caixa descrito acima implica que, num ambiente econômico em que alguns bancos concedem empréstimos a taxas subsidiadas, o risco corrido pelos demais bancos é maior do que seria na ausência dos subsídios.
 
Conhecendo os incentivos econômicos à inadimplência, a taxa dos financiamentos não subsidiados embutirá um prêmio de risco de modo a estimular a concessão de empréstimos. Parte dos financiamentos será objeto de renegociação, mas a maior taxa compensa as perdas. O equilíbrio de mercado é uma segmentação na qual os bancos com taxas subsidiadas terão menor inadimplência.

A ampliação da presença estatal na intermediação financeira brasileira, desencadeada a partir da crise dos subprime de 2008, além de não conseguir elevar o investimento e de ampliar o custo fiscal dos subsídios ao crédito, tem elevado o risco corrido pelos bancos privados.
 
Estes, a fim de se protegerem, tendem a ser mais seletivos na concessão de financiamentos aos investimentos. Se o passado for um bom previsor do futuro, a retração do setor privado deverá estimular a ampliação estatal.
 
Essa espiral, que poderá agradar setores mais nacionalistas e de esquerda, provavelmente não implicará em aumento do investimento da economia como um todo, mas simples realocação entre os dois setores.

Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso são professores da Escola de Pós-graduação em Economia (EPGE-FGV)
Valor Econômico 
  20 de fevereiro de 2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário