Tem saído nos jornais: chuvas deixam São Paulo no caos. É verdade que os moradores estão sofrendo além da conta, quer estejam circulando pela cidade com seus carros ou nos ônibus e metrô, quer estejam em casa ou no trabalho. Três fatores criam a confusão: semáforos desligados; alagamentos nas ruas; falta de energia. Então, tudo culpa da chuva, certo?
Errado.
Semáforos, por exemplo. Eles poderiam ter a fiação enterrada ou a fonte de energia e os sistemas de controle automático protegidos por caixas blindadas. Isso não é nenhuma maravilha da tecnologia, algo revolucionário. Existe em qualquer cidade organizada. E tanto é acessível que já há projetos para a instalação desses equipamentos em São Paulo, e isso faz tempo. Se não avança, é culpa dos administradores — não da chuva.
Quanto aos alagamentos, ocorrem por falta de algum serviço ou obra, esta já prevista. Podem reparar. Sempre aparece alguma autoridade municipal ou estadual dizendo que a enchente aqui será resolvida com um piscinão, ali com a canalização de um córrego, em outra rua com a simples limpeza dos bueiros, e assim vai. De novo, sabe-se o que é preciso fazer, mas não se faz. Também não é culpa da chuva.
A falta de energia é outro estrago. Caem postes, desabam árvores, fiações são destruídas, transformadores pifam. Um amigo conta a situação na sua rua: os galhos de uma árvore cresceram muito e encostaram no transformador; quando chove com vento, os galhos vão batendo no transformador, já molhado, até desligá-lo. Sempre acontece isso.
Ora, por que não podam a árvore? Porque é preciso uma autorização formal da prefeitura, o que significa uma solicitação formal, um trâmite formal, a visita pessoal de um fiscal. Não sai antes da próxima chuva.
Podem reparar: em toda queda de árvore, sempre aparece um morador para dizer que aquilo era esperado, que já havia sido solicitada a poda ou a retirada.
De novo, não tem nada a ver com a chuva.
E, convenhamos, qual a dificuldade de cortar uma árvore, além da incompetência dos administradores públicos? Claro que é preciso ter controle, mas do jeito que é a burocracia, funciona assim, como dizem as pessoas: se quiser fazer tudo dentro da lei, não consegue nunca. Já quem vai por fora, só é apanhado se der o azar de o fiscal estar passando ali ou se fizer um estrago muito grande. A multa é pesada, mas os administradores não são punidos por não terem feito o que deveriam.
Enterrar a fiação, o que evitaria a maior parte dos problemas, é mais caro e complicado. Sabe como é: tem que fazer o projeto, edital, licitação, tocar a obra. É verdade que já existem projetos para se fazer isso em várias regiões da cidade, mas, veja bem, só chove forte mesmo em algumas semanas, por que gastar tanto dinheiro e tanta energia nisso? Um dia a mais ou um dia a menos de caos não mata a cidade.
E assim tudo cai, digamos, na normalidade do caos. Chover é da natureza, não é mesmo? Então...
Os moradores estão se virando. Na última grande chuva, terça passada, aconteceu um milagre. No rush do começo da noite, o trânsito estava livre por toda parte, parecia feriado. Os rádios e as tevês haviam alertado para a chuva e, assim, o pessoal tratou de sair mais cedo, adiou compromissos ou deixou para mais tarde.
Os prejuízos não foram eliminados, mas como não houve sofrimento imediato, os administradores ficaram tranquilos e elogiaram a reação ordenada da população.
Tudo considerado, temos um exemplo acabado do que é atraso e subdesenvolvimento. Sabe-se onde vai dar errado, sabe-se como prevenir, há capacidade técnica e recursos para fazer, e não se faz.
Infelizmente, não acontece só em São Paulo. Ou a seca do Nordeste, por exemplo, é uma surpresa?
Normal
Também deu na imprensa: o Brasil está colhendo safra recorde de grãos. Em consequência, aumentou o preço do frete da fazenda até os portos.
Normal?
Só se for normal esta outra história: a Valec, estatal encarregada da construção de ferrovias que ajudariam a escoar a safra, está sem trilhos para tocar as obras. Problemas na licitação.
Outra: em 2006, a Petrobras pagou US$ 1,18 bilhão por uma refinaria no Texas. Um ano antes, a vendedora, uma companhia belga, havia desembolsado US$ 42,5 milhões pela mesmíssima refinaria.
O Ministério Público está no caso, mas a estatal ainda não julgou necessário vir a público com alguma explicação. Como se tivesse sido um negócio normal.
28 de fevereiro de 2013
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo
Errado.
Semáforos, por exemplo. Eles poderiam ter a fiação enterrada ou a fonte de energia e os sistemas de controle automático protegidos por caixas blindadas. Isso não é nenhuma maravilha da tecnologia, algo revolucionário. Existe em qualquer cidade organizada. E tanto é acessível que já há projetos para a instalação desses equipamentos em São Paulo, e isso faz tempo. Se não avança, é culpa dos administradores — não da chuva.
Quanto aos alagamentos, ocorrem por falta de algum serviço ou obra, esta já prevista. Podem reparar. Sempre aparece alguma autoridade municipal ou estadual dizendo que a enchente aqui será resolvida com um piscinão, ali com a canalização de um córrego, em outra rua com a simples limpeza dos bueiros, e assim vai. De novo, sabe-se o que é preciso fazer, mas não se faz. Também não é culpa da chuva.
A falta de energia é outro estrago. Caem postes, desabam árvores, fiações são destruídas, transformadores pifam. Um amigo conta a situação na sua rua: os galhos de uma árvore cresceram muito e encostaram no transformador; quando chove com vento, os galhos vão batendo no transformador, já molhado, até desligá-lo. Sempre acontece isso.
Ora, por que não podam a árvore? Porque é preciso uma autorização formal da prefeitura, o que significa uma solicitação formal, um trâmite formal, a visita pessoal de um fiscal. Não sai antes da próxima chuva.
Podem reparar: em toda queda de árvore, sempre aparece um morador para dizer que aquilo era esperado, que já havia sido solicitada a poda ou a retirada.
De novo, não tem nada a ver com a chuva.
E, convenhamos, qual a dificuldade de cortar uma árvore, além da incompetência dos administradores públicos? Claro que é preciso ter controle, mas do jeito que é a burocracia, funciona assim, como dizem as pessoas: se quiser fazer tudo dentro da lei, não consegue nunca. Já quem vai por fora, só é apanhado se der o azar de o fiscal estar passando ali ou se fizer um estrago muito grande. A multa é pesada, mas os administradores não são punidos por não terem feito o que deveriam.
Enterrar a fiação, o que evitaria a maior parte dos problemas, é mais caro e complicado. Sabe como é: tem que fazer o projeto, edital, licitação, tocar a obra. É verdade que já existem projetos para se fazer isso em várias regiões da cidade, mas, veja bem, só chove forte mesmo em algumas semanas, por que gastar tanto dinheiro e tanta energia nisso? Um dia a mais ou um dia a menos de caos não mata a cidade.
E assim tudo cai, digamos, na normalidade do caos. Chover é da natureza, não é mesmo? Então...
Os moradores estão se virando. Na última grande chuva, terça passada, aconteceu um milagre. No rush do começo da noite, o trânsito estava livre por toda parte, parecia feriado. Os rádios e as tevês haviam alertado para a chuva e, assim, o pessoal tratou de sair mais cedo, adiou compromissos ou deixou para mais tarde.
Os prejuízos não foram eliminados, mas como não houve sofrimento imediato, os administradores ficaram tranquilos e elogiaram a reação ordenada da população.
Tudo considerado, temos um exemplo acabado do que é atraso e subdesenvolvimento. Sabe-se onde vai dar errado, sabe-se como prevenir, há capacidade técnica e recursos para fazer, e não se faz.
Infelizmente, não acontece só em São Paulo. Ou a seca do Nordeste, por exemplo, é uma surpresa?
Normal
Também deu na imprensa: o Brasil está colhendo safra recorde de grãos. Em consequência, aumentou o preço do frete da fazenda até os portos.
Normal?
Só se for normal esta outra história: a Valec, estatal encarregada da construção de ferrovias que ajudariam a escoar a safra, está sem trilhos para tocar as obras. Problemas na licitação.
Outra: em 2006, a Petrobras pagou US$ 1,18 bilhão por uma refinaria no Texas. Um ano antes, a vendedora, uma companhia belga, havia desembolsado US$ 42,5 milhões pela mesmíssima refinaria.
O Ministério Público está no caso, mas a estatal ainda não julgou necessário vir a público com alguma explicação. Como se tivesse sido um negócio normal.
28 de fevereiro de 2013
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo
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