"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

NO DÉCIMO PRIMEIRO ANO DA ERA DA MEDIOCRIDADE, OS IDIOTAS QUE ESTÃO POR TODA PARTE SONHAM COM A ERRADICAÇÃO DA VIDA INTELIGENTE

 

 


Os cretinos fundamentais de antigamente se limitavam a babar na gravata, lembrou Nelson Rodrigues numa crônica de maio de 1969. “O primeiro a saber-se idiota era o próprio idiota”, escreveu. “Julgando-se um inepto nato e hereditário, jamais se atreveu a mover uma palha, ou tirar uma cadeira do lugar. Nunca um idiota tentou questionar os valores da vida”. Antes que se desse “a ascensão fulminante e espantosa do idiota”, decidiam por ele quem tinha cabeça para pensar e sabia o que fazia.

Nestes trêfegos trópicos, as coisas mudaram dramaticamente quando a espécie se tornou hegemônica. E alcançaram dimensões siderais depois que os imbecis de nascença perderam primeiro o constrangimento e depois a vergonha. No 11° ano da Era da Mediocridade, elegem e são eleitos, escolhem e são escolhidos, nomeiam e são nomeados, mandam e obedecem.

Em suas infinitas ramificações ─ o vigarista e o otário, o fanático e o abúlico, o cafajeste e o bobo alegre, o arrogante e o submisso, o eleito e o eleitor, o assaltante e o assaltado ─, a tribo tem representantes na cúpula do Poder Executivo, no Ministério, no segundo e no terceiro escalões, no Congresso e nas Assembleias Legislativas, nos tribunais e na imprensa. Os idiotas estão por toda parte. Estão no governo e na oposição.

E agem em qualquer palco como se a estupidez epidêmica não tivesse ninguém na plateia, informam estes primeiros dias de fevereiro. O cortejo de cretinices foi aberto em Washington, durante a discurseira de Lula para sindicalistas americanos. “O Obama precisa ouvir vocês”, descobriu o consultor-geral do planeta. “Peço a Deus que ele saiba que não pode errar porque, senão, nenhum outro negro será eleito no país porque o preconceito é muito forte”.

No mesmo dia, Renan Calheiros garantiu em Brasília que está regenerado:
“Serei o guardião da ética no Senado”, avisou. Nesta segunda-feira, Dilma Rousseff aproveitou a mensagem anual ao Congresso para dedilhar a lira do delírio.
“Nesse momento em que a atividade política é tão vilipendiada, faço questão de registrar o meu sincero reconhecimento ao imprescindível papel do Congresso Nacional na construção de um Brasil mais democrático, justo e soberano”, diz um trecho do papelório.

Numa única frase, a chefe do Executivo conseguiu repreender quem acha que gente corrupta merece cadeia, festejar a promoção de Renan Calheiros a síndico da Casa do Espanto, comemorar a entrega da gerência do Feirão da Bandidagem a Henrique Alves e louvar o patriotismo dos companheiros que prestam serviços à pátria no Carandiru sem grades. Foi prontamente endossada pelos destinatários da idiotice.

“É com profunda indignação e repulsa que ainda vemos setores da sociedade e da grande imprensa questionarem a existência e a própria finalidade do Poder Legislativo”, recitou Marco Maia, caprichando na pose de virgem difamada. Henrique Alves prometeu dispensar aos prontuários homiziados nos gabinetes o carinho que negou ao bode Galeguinho.

“O Poder que representa o povo brasileiro é esta Casa”, declamou. Não se esqueçam de que aqui nesta Casa só tem parlamentar abençoado pelo voto popular deste imenso Brasil”.

Tradução: como foram autorizados pelas urnas a estuprar a lei impunemente, os mandatos dos quadrilheiros do mensalão condenados pelo STF não serão cassados. Mesmo depois de encarcerados, continuarão representando o povo. O Congresso do País do Carnaval não enxerga diferenças entre uma cela e a tribuna, ou entre o pátio de um presídio e o plenário.

Os parlamentares supostamente oposicionistas tampouco enxergam diferenças entre governo e oposição. Uns silenciosamente, outros sem disfarces, vários deputados e senadores do PSDB e do DEM se renderam aos candidatos apadrinhados pelo Planalto. Aécio Neves, que jura ter votado contra Renan Calheiros, descobriu só no dia seguinte que deveria ter discursado na véspera.

O fenômeno diagnosticado por Nelson Rodrigues é suprapartidário. Os idiotas infestam o governo e abundam na oposição.

Fossem outros os tempos, como registrou o grande cronista, nenhum dos declarantes estaria onde está, nenhum teria ocupado cargos relevantes. Caso driblasse a vigilância dos sensatos e dissesse o que disse, já no minuto seguinte estaria amarrado numa árvore no quintal da casa.
No imenso viveiro de cérebros baldios, todos seguem à solta. Continuam em ação, estão em todos os lugares e sonham com o completo sumiço dos sinais de vida inteligente.

06 de fevereiro de 2013
Augusto Nunes
 

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