Evidente que a nossa presidente deveria ir se estivesse em condições de saúde. E com direito a uma comitiva pessoal, que incluiria, digamos, um ministro de Estado, um ou dois secretários, dois ou três seguranças, uma dama de "chambre" para as necessidades triviais da hospedagem e um convidado de honra, que poderia ser o presidente do Congresso ou uma figura exponencial de nossa arte ou cultura.
Basicamente, as comitivas que se deslocam em situações análogas, são mais ou menos assim. Não haveria razão para um adido militar, pessoal do "baixo clero" do Planalto etc. Quando morreu João Paulo 2º, os Estados Unidos compareceram com dois ex-presidentes (Jimmy Carter e Bush pai) e o presidente em exercício (Bush filho). Hospedaram-se na embaixada norte-americana (que fica ao lado do hotel Excelsior) e a comitiva, divida por três, foi três vezes menor do que a brasileira para a missa de entronização do papa Francisco.
Além do tamanho, o problema dos hotéis chamou a atenção mundial. Tirante o Coliseu, cujo estado de má conservação, (inclusive sem telhado) não permitia ser utilizado para abrigar a turma, em Roma haveria facilidade para alojar nossas autoridades de forma mais decente e barata. Temos duas embaixadas, uma que representa o Brasil junto ao Estado da Itália, na Piazza Navona, endereço nobre, cuja compra por um governo dos anos 1950 quase provocou uma ação penal na justiça italiana, pois se tratava de um palácio histórico, residência dos papas durante muitos anos, e que não devia ser comprado nem alugado por ninguém.
Além do Palácio Pamphilli, na Piazza Navona, o Brasil tem outra embaixada em Roma, o Palácio Caetani, sede da nossa representação diplomática junto ao Estado do Vaticano, mais modesto que o outro, mais igualmente histórico, uma joia de arte, na via delle Botteghe Oscure, endereço nobre, ao lado da Igreja do Gesù, que é a sede oficial da Companhia de Jesus, da qual o novo papa é membro.
Além desses dois palácios, o Brasil dispõe de espaços na Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), da qual é membro efetivo, e por cortesia muito comum em Roma, as instalações do Colégio Pio Brasileiro, na via Aurélia, ao lado da muralha que marca os limites da cidade-Estado do Vaticano. Lá se hospedam principalmente, seminaristas e pesquisadores brasileiros que frequentam as numerosas universidades romanas, como a Gregoriana e os institutos de estudo do próprio Vaticano.
Desprezando oferta tão abundante e barata, a comitiva brasileira ocupou mais de 50 quartos e suítes na rede hoteleira de Roma, na certa com direito ao frigobar e a outras mordomias dos cinco estrelas, que colocam à disposição dos hóspedes uma nutrida frota de carros para todos os deslocamentos, não só em Roma, como nas adjacências, como Nápoles, Frascati, Fiuggi, Óstia etc. Tudo isso custa caro, ou melhor, custa caríssimo. São privilégios para os grandes sheiks do petróleo e padrinhos das máfias locais.
No meio de tudo isso, a nossa delegação, além da cafonice de tanta gente, fez o tesouro nacional gastar uma boa baba em uma função que nem decorativa foi. Bastava a presença de nossa presidente, de nosso chanceler, dos dois embaixadores (o da Itália e do Vaticano), alguns secretários e gente de serviço. Ao todo, umas dez ou 12 pessoas que podiam ficar bem hospedadas em próprios brasileiros.
Mas o atual governo gosta de muita gente em torno de si mesmo. Tem 39 ministros de Estado, o que me parece ser digno de um registro no Guinness Book. Não creio que dona Dilma conheça nome e função alguns desses auxiliares. Muitos deles só devem ter encontros com a presidente em cerimônias oficiais e eventos cívicos.
Ignoro se, de acordo com a praxe, dona Dilma apresentou ao novo papa a sua comitiva, dando nome e função de cada um. Provavelmente, o jesuíta Francisco deve ter pensado que o Brasil alojou tanta gente no próprio Coliseu. Apesar de destelhado, o grande anfiteatro romano, além de histórico, não tem mais os leões que comeram os primeiros cristãos.
29 de março de 2013
Carlos Heitor Cony, Folha de São Paulo
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