No fim de 2012, uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37 para que apenas as polícias possam investigar crimes no Brasil, retirando de outras instituições, como o Ministério Público (MP), os Tribunais de Contas, as Receitas Federal e Estaduais e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a possibilidade de apurar fatos criminosos.
Em 21 de fevereiro deste ano, o deputado Arthur Lira (PP-AL) requereu a inclusão da PEC na ordem do dia e, desde então, o presidente da Câmara dos Deputados vem sofrendo pressões para colocar em votação a PEC 37, o que faz acender o alerta contra a impunidade.
A ONG alemã Transparência Internacional, que desde 1995 divulga índices de percepção da corrupção, colocou o Brasil na 69.ª posição entre os países menos corruptos do mundo, dos 176 países avaliados em 2012.
Tal posição contrasta com o sétimo lugar ocupado pelo país no ranking das maiores economias do mundo. Esse paradoxo pode ser explicado pela ineficiência do sistema penal punitivo.
O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) informa que o Brasil tem 513.802 presos, a terceira maior população carcerária do mundo. Porém, punem-se com extremo rigor os crimes que recaem sobre as camadas mais pobres da população (cerca de 70% dos detentos cometeram crimes contra o patrimônio privado), em detrimento dos que praticaram crimes contra a administração pública, apelidados “crimes de colarinho-branco” (0,12% dos presos).
Após o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a opinião pública começou a acreditar que o lugar dos corruptos é na prisão. Entretanto, a aprovação da PEC 37, em retaliação aos poderes investigatórios do MP, é um atentado contra a República e o Estado Democrático de Direito.
Impedir o MP de fazer investigações criminais por conta própria é negar a sua essência constitucional. Pergunta-se: como será possível a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais se o MP se tornar um órgão passivo, inerte, condicionado às investigações apenas da polícia?
O monopólio da competência penal investigatória aos organismos policiais, retirando a possibilidade de o MP investigar, atende aos interesses dos detentores do poder político e econômico que pretendem continuar impunes.
A corrupção movimenta enormes somas de dinheiro e retira dos cofres públicos quase R$ 70 bilhões por ano, minimizando os investimentos em educação, saúde, segurança e infraestrutura.
O MP, assegurado pelas garantias constitucionais da vitaliciedade, da inamovibilidade e da independência funcional, é uma das poucas instituições capazes de enfrentar os crimes “elitizados”, defendendo a República e o Estado Democrático de Direito.
Lesões ao patrimônio público, excessos cometidos por agentes e organismos policiais (como a tortura, o abuso de poder, a formação de quadrilha, a constituição de milícias, a concussão e a corrupção) e a omissão das polícias em apurar determinadas infrações penais, em função da qualidade da vítima ou da condição do suspeito, não podem ficar a cargo somente do poder de investigação das Polícias Civis e Federal.
É bom lembrar que os membros do MP estão sujeitos ao controle dos órgãos sociais – com destaque para a imprensa livre e responsável –, às respectivas Corregedorias, ao Conselho Nacional do MP e, de modo especial, ao controle judicial.
O poder de investigação do MP está limitado pelo sistema de direitos e garantias fundamentais, não podendo se negar ao investigado, sob pena da anulação das investigações, o seu direito ao silêncio, de se fazer acompanhar de advogado, de não ser constrangido a fazer prova contra si mesmo, nem de determinar medidas como quebra do sigilo bancário e fiscal, que dependem de autorização judicial.
Portanto, não interessa à população brasileira a aprovação da PEC 37. Concentrar apenas nas polícias o poder de investigar crimes é um retrocesso histórico. Ressalte-se que hoje apenas a Indonésia, o Quênia e Uganda não permitem a investigação pelo Ministério Público.
08 de abril de 2013
Editorial.
Gazeta do Povo, Paraná
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