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Num mundo em franca desumanização, não é difícil prever que seres humanos serão empilhados aos montes, aos milhões.
O pesadelo daquele filme "Matrix" agora é um fato consumado. Onde quer que alguém sussurre dizendo coisas interpretadas como ofensivas às sensibilidades dos valores 'pogreçistas', lá estará um 'representante' das minorias, dos excluídos, daqueles que 'merecem herdar a Terra'.
Lá estarão eles nas redes sociais, na escola, no trabalho, na igreja, no centro comunitário and everywhere para o inquirir, ameaçar, neutralizar e, é claro, reincorporá-lo ao ethos reinante, sob pena de exclusão total do mundo das 'pessoas legais'. São o retrato exato da descrição do personagem Morpheus no filme dos Wachowski: "E muitas delas estão tão inertes, tão desesperadamente dependentes do sistema, que irão lutar para protegê-lo."
Em um mundo no qual tudo é relativo, o bom-mocismo parece ser o último recurso, a derradeira tábua de civilização na qual as massas se agarraram neste naufrágio de todas as certezas universais; um desesperado arremedo de ordem em que 'não ser polêmico', 'ser educado', 'ser socialmente responsável', "praticar a sustentabilidade' parece garantir que todos estarão virtualmente seguros contra o descontrole de seus devaneios sobre o que é real, verdadeiro, ululantemente óbvio. Just dance!
Não há mais necessidade de um ditador cuja personalidade inspire a ação, a reação e omissão seletivas. Dispensáveis as leis, as guilhotinas, os paredões, os tribunais de confissões públicas, ou até mesmo as teletelas orwellianas. As diretrizes do Partido estão todas perfeitamente implantadas nos costumes.
Todo cidadão já caminha para ser um defensor inconsciente da Cartilha, feliz, satisfeito, ufano em sua pátria comportamental, 'imperativa' e 'categórica'. Cada cidadão júri, juiz e executor. Uma proliferação de Stálins, uma epidemia. Tal como no último filme da trilogia cyberpunk, o inimigo entropicamente ocupa todos os espaços, viraliza-se, cria infinitas cópias de si mesmo.
Reinaldo Azevedo bem citou Gramsci comentando o episódio Marco Feliciano, que bem espelha os novos tempos:
“O Moderno Príncipe, desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais, uma vez que seu desenvolvimento significa, de fato, que todo ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso, somente na medida em que tem como ponto de referência o próprio Moderno Príncipe e serve ou para aumentar o seu poder ou para opor-se a ele. O Moderno Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costume”.
O 'moderno príncipe' já é a autoridade máxima. É "O Castelo" kafkiano do qual todos fazem referências mas ninguém sabe onde está. Todos acordados, da noite para o dia, 'transformados em um gigantesco inseto'.
O outro já é virtual. O próximo já nos aparece como um zumbi merecedor de uma bela e revolucionária tela de miolos espelhados na parede. Como na ficção (oi?), logo chegará o momento em que 'você será um de nós ou um deles'. E, num mundo em franca desumanização, não é difícil prever que seres humanos serão empilhados aos montes, aos milhões.
Os tentáculos de "Cthulhu" já aparecem entre as nuvens de tempestade.
"Bem vindos ao deserto do real."
08 de abril de 2013
Luiz Fernando Vaz, ator
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