Se dependesse apenas dos paulistanos, a maioridade penal no Brasil, que hoje é de 18 anos, seria reduzida para 16. Recente pesquisa Datafolha mostrou que 93% dos moradores da capital paulista concordam com a diminuição da idade em que uma pessoa deve responder criminalmente por seus atos. Outros 6% são contra e 1% não soube responder. Em consultas anteriores (2003 e 2006), a aprovação da medida pelos moradores da cidade foi de 83% e 88%, respectivamente.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, percorreu gabinetes do Congresso para apresentar proposta que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O texto prevê a possibilidade de um juiz determinar, após avaliação multiprofissional, a internação de até oito anos para jovens que cometem crimes. Hoje o tempo máximo é de três anos. O projeto prevê também maior punição para os adultos que usarem jovens para praticar crimes.
Segundo Alckmin, o ECA garantiu direitos aos menores de 18 anos, mas não consegue atender a novas demandas: "O Estatuto é da década de 1990. Muitas coisas mudaram. O crack, por exemplo, não existia há 23 anos". E observou que em São Paulo 11% dos crimes cometidos por menores reincidentes são homicídios.
O debate, frequentemente instrumentalizado por interesses políticos e ideológicos, foi intensificado após a morte do universitário Victor Hugo Deppman, de 19 anos, assassinado, sem reagir, durante um roubo. O criminoso tinha 17 anos.
Alguns, dominados por compreensível revolta, desejam a imediata redução da maioridade penal. Apostam na repressão como forma de defesa social. Outros, apoiados numa distorcida visão dos direitos humanos, transferem para a sociedade toda a culpa pela onda de crueldade que tem marcado as ações dos delinquentes juvenis.
O chamado pecado social acaba apagando qualquer vestígio de responsabilidade individual.
A redução da maioridade penal é o recurso de uma sociedade acuada pela força da violência cotidiana. Ao completar 16 anos o adolescente brasileiro pode votar. Está capacitado para escolher o presidente da República, mas, paradoxalmente, não é considerado responsável por seus atos no campo criminal. Vive sob um regime penal diferenciado.
Não é punido, na prática, pela barbaridade de um assassinato. E tem consciência disso. Porque era menor de idade, o assassino do jovem Victor Deppman vai ficar não mais que três anos internado. Trata-se de um absurdo que não se justifica e fomenta a espiral da criminalidade.
Países civilizados, como Canadá, Inglaterra, Alemanha e outros reconhecidamente democráticos, têm limites de responsabilização penal bem inferiores. A criminalidade, por óbvio, também existe lá. Mas a percepção da punição exerce o papel de freio preventivo eficaz.
Os defensores da manutenção da atual legislação penal afirmam que não se deve legislar sob a influência da emoção provocada por um crime bárbaro. Nem sempre.
A indignação pode ser positivamente transformadora. A Lei da Ficha Limpa, por exemplo, só foi aprovada sob o impulso da revolta popular com os recorrentes escândalos de corrupção. A emoção, devidamente orientada pela racionalidade, costuma produzir bons resultados.
Reduzir a maioridade penal é uma proposta que emerge com o vigor incontido da revolta, da indignação e da dor. Tem forte carga emocional, reconheço. Funcionará? Sim, desde que articulada no contexto de políticas públicas sérias e de um verdadeiro esforço de recuperação. O problema é muito complexo. E não existem soluções milagrosas.
Se a exemplaridade da punição é incontornável, a possibilidade da recuperação deve ser encarada com seriedade. As drogas, em especial o crack, estão na raiz da imensa maioria dos homicídios.
O empenho na recuperação deve ser a grande aposta que todos nós, governantes, cidadãos, jornalistas, formadores de opinião, devemos fazer. É preciso punir com firmeza. Mas é necessário investir na recuperação dos infratores.
Um tendão de Aquiles pode enfraquecer a melhor das intenções: a falta de um projeto consistente de recuperação de dependentes químicos. É elevadíssimo o número de delinquentes com problemas de dependência de drogas. Ora, dependência não tratada é recaída segura lá na frente.
O que significa alto risco de retorno à criminalidade. O governo deveria firmar convênios com comunidades terapêuticas, sobretudo nas cidades que contam com algumas instituições idôneas.
Impõem-se também políticas públicas voltadas para educação, esporte, cultura e lazer. Juventude abandonada é uma bomba-relógio ativada. A preocupação social, felizmente, começa a mobilizar muita gente. Multiplicam-se iniciativas sérias de promoção humana e social. Sem um autêntico mutirão de inclusão social a simples punição não dará resultados sustentáveis.
O crime deve ser punido. Mas é preciso diagnosticar as causas profundas da criminalidade. A injustiça, a falta de oportunidades e a péssima qualidade da educação, resultado acabado de tanto desgoverno, são o caldo de cultura da violência e da criminalidade. Não é possível olhar a pobreza como ferramenta de marketing político ou com o distanciamento de uma pesquisa acadêmica.
Os bandidos juvenis são criminosos perigosos. Frequentemente, mais violentos que os adultos. Matam. Roubam. Estupram. Precisam ser retirados do convívio social. Imediatamente. Vamos reduzir a maioridade penal.
É um passo importante. Deixemos que a sadia indignação detone o processo de mudança. Mas, ao mesmo tempo, não abandonemos a racionalidade. Para além da mudança na legislação, urgente e necessária, é preciso investir pesado na recuperação e no resgate social. Só isso, de fato, conseguirá virar o jogo da delinquência alucinada.
29 de maio de 2013
Carlos Alberto Di Franco, O Estado de São Paulo
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