"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 31 de maio de 2013

O AVISO DE SANTA MARIA


Alguns meses atrás escrevi um artigo sobre a tragédia da boate Kiss. Expliquei o que poderia acontecer com os sobreviventes, desmascarei  aqueles que afirmavam haver recursos suficientes para tratamento do feridos e apontei  quem eram, na minha opinião, os verdadeiros culpados.

Hoje o tema vai ser outro. Dia 29 de maio, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul  decidiu por unanimidade a soltura de quatro réus, entre eles dois sócios da boate, envolvidos na tragédia. Um dos argumentos apresentados para sustentar essa decisão foi que não existia mais, na opinião daquela corte, clamor popular que justificasse a manutenção da prisão.

Nunca estudei Direito, não tive nenhum parente ou conhecido envolvido naquele horror, não tenho a menor idéia de como um processo assim deve tramitar na justiça, mas fiquei com uma dúvida – gostaria de saber se, na faculdade  e mais tarde quando alguém se torna um juiz, o “clamor popular” é um elemento a ser levado em conta quando se pensa em manter ou não um réu na prisão. 

Sempre achei que a característica democrática do poder judiciário vinha da constituição; não do respaldo popular. Se não fosse assim, os tribunais se tornariam grandes assembleias, como aquelas de certos sindicatos que mais tarde elegeram um presidente do Brasil. O juiz teria então que decidir de acordo com a “torcida que fizesse mais barulho” e tanto o código  quanto a lei de execução penal se tornariam peças de museu.

Entendo que o Direito, assim como a Medicina, não é ciência exata. Sei que o juiz não é um androide comandado pela carta magna de um país e que vai longe o tempo da apologia do positivismo, mas não tinha idéia do quão importante poderia se tornar esse elemento, necessariamente externo ao próprio processo, na hora que se forma a convicção de um magistrado.

Como leigo e como alguém que se considera cidadão de bem, não me cabe em hipótese alguma manifestar-se sobre o que o Tribunal decidiu, mas acredito que se o argumento da “repercussão na sociedade” for de fato um elemento a ser levado em conta nas decisões dos judiciais está dado um recado muito claro sobre o futuro de outro processo polêmico – a Ação Penal 470.

Levando em conta a preocupação da sociedade com o futuro daqueles que o ministro Celso de Mello chamou de “marginais do poder”, penso que todos eles podem ficar tranquilos pois não vejo  atualmente “clamor popular” algum capaz de mandá-los para a prisão  – é esse o aviso a ser levado em conta e que dá título a esse pequeno artigo – o aviso de Santa Maria.

31 de maio de 2013
Milton Simon Pires é Médico.

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