Defesa da independência do Congresso pelo senador Renan Calheiros convenceria mais se interesse fisiológico do PMDB não falasse tão alto
Estaria sendo vítima de grave surto alarmista quem dissesse que a democracia corre perigo no Brasil. Mesmo assim, e este parece ser um dos paradoxos políticos do país, as instituições democráticas passam por um constante e gradativo processo de desmoralização.
Chega a tal ponto o desgaste mútuo entre Legislativo e Executivo, por exemplo, que mesmo quando agem corretamente tudo se dá como se estivessem, ao mesmo tempo, sempre errados.
Veja-se o caso das últimas manifestações do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Tradicional aliado do governo Dilma Rousseff --como tem sido dos anteriores, aliás--, o senador protagoniza agora um momento de rebeldia, a que emprestou considerável ar de elevação soberana do Poder que preside.
Por decisão sua, deixou de ser incluída na pauta de votação no Senado a medida provisória que reduz as tarifas de energia elétrica. A iniciativa, anunciada pela presidente Dilma em janeiro, vinha sendo posta em prática desde o mês seguinte --mas dependia do aval definitivo do Congresso.
Aprovada apenas na última terça-feira pela Câmara dos Deputados, foi levada às pressas ao Senado, com prazo dos mais exíguos para ser analisada. Perderá validade, com efeito, se não for aprovada até segunda-feira.
Como presidente do Senado, Calheiros recusou a votação de afogadilho. "A questão não é política", declarou. "O governo não pode apequenar o Senado." Embora relevantes, MPs "não são mais importantes do que as instituições, do que a democracia".
Calheiros se referia, também, a um acordo entre governo e lideranças da base parlamentar, pelo qual só aceitaria a votação de propostas do Executivo se chegassem ao Senado pelo menos sete dias antes de seu prazo de vencimento.
O compromisso vinha na esteira das dificuldades criadas na Câmara com a votação da MP dos Portos. Na ocasião, o desafio ao Executivo proviera do líder do aliado PMDB na Casa, Eduardo Cunha.
Agora, foi a vez de seu correligionário no Senado impor ao governo mais desconfortos. Tanto no caso dos portos quanto no das tarifas de eletricidade, são abundantes os argumentos no sentido de que as iniciativas do Planalto atendem a um claro interesse público.
Acerta o Executivo em lutar pela sua aprovação. Acerta, em teoria, o Legislativo quando se recusa a aprovar automaticamente as medidas do governo.
Fala com nobreza o presidente do Senado, Renan Calheiros, ao defender as prerrogativas da instituição. O problema é que outro Renan Calheiros, o peemedebista, fala uma língua diferente --a que traduz, como na Câmara, os reclamos fisiológicos por trás de toda rebeldia da base parlamentar.
31 de maio de 2013
Editorial da Folha de S Paulo
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