"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 31 de maio de 2013

HISTÓRIA DE UM MÉDICO CUBANO



O Dr. Gilberto Velazco nasceu em 1980 em Havana e recebeu seu diploma de médico em 15 de julho de 2005.
No depoimento que me deu por e-mail e por telefone, disse que a sua graduação foi antecipada em um ano depois de uma “formação crítica e gravemente ruim”, excessivamente teórica, feita através de livros desatualizados, velhos, rasgados, faltando páginas, além de “uma forte doutrinação política”.
No hospital onde fez residência havia apenas dois aparelhos de raio X para atender todas as ocorrências noturnas de Havana e não dispunha sequer de reagentes para exames de glicemia.
Pouco adiantava prescrever remédios para os pacientes porque a maioria deles não estava disponível nas farmácias.
A situação médica no país é tão precária que Cuba está vivendo atualmente uma epidemia inédita de cólera e dengue.
Em 2 de fevereiro de 2006 foi enviado à Bolívia numa Brigada Médica de 140 integrantes -14 grupos de 10 médicos cada - que iria socorrer vítimas de inundações que nunca chegou a ver.
No voo entre Cuba e a Bolívia conversou sobre assuntos médicos com o vizinho de poltrona e descobriu que ele não era médico, mas provavelmente oficial de inteligência cubana. Calcula que em cada 140 médicos 10 eram paramilitares.
Na Bolívia, onde lhe disseram que iria permanecer por 3 meses, ficou sabendo que deveria ficar no mínimo por 2 anos, recebendo 100 dólares de salário por mês e que a família receberia 50 dólares em Cuba - quantia que, segundo ele, nunca foi paga.
Viveu e trabalhou em Santa Cruz de la Sierra e em Porto Suarez, na fronteira com o Brasil.
Todos os componentes da Brigada recebiam um draconiano regulamento disciplinar de 12 páginas, dividido em 11 capítulos, que fixava desde horários e requisitos para permissões de saída até regras para relações amorosas com nativos e punia contatos com eventuais desertores.
Os médicos verdadeiros eram vigiados pelos falsos médicos que, segundo Gilberto, andavam com muito dinheiro e armas. Ainda assim, o Dr. Gilberto, em 29 de março de 2006, conseguiu pedir formalmente asilo político à Polícia Federal em Corumbá e foi enviado a São Paulo, onde ficou 11 meses.
Pediu à Polícia Federal a regularização de sua situação para poder fazer os Testes de Revalidação Médica exigidos pelo Conselho Federal de Medicina, mas o pedido de asilo foi negado.
Como o prazo de refúgio concedido pelo Conare - Comitê Nacional para os Refugiados - terminava em fevereiro de 2007, pediu asilo aos EUA no consulado de São Paulo, e em 2 de janeiro de 2007 viajou para Miami, Flórida, onde vive agora.
A família do Dr. Gilberto foi penalizada por sua deserção com 3 anos de proibição de viagem ao exterior, mas atualmente vive com ele na Flórida.
Ele trabalhou para uma empresa internacional de seguros de saúde, onde chegou a receber 50 mil dólares anuais, e atualmente está estudando para concluir os exames de revalidação de seu diploma médico nos EUA.

Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez.

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