Talvez as manifestações tenham surpreendido o país, pois essas coisas acabaram se tornando “normais”, não surpreendem mais ninguém. Mas, quando se dá um passo atrás e se pensa que o dinheiro do contribuinte está financiando a farra da corrupção e do desperdício — e a alta carga tributária é um tema dos cartazes —, a surpresa é como isso pode ter se tornado tão normal. Isso ajuda a entender por que o ministro Joaquim Barbosa surge como principal modelo de homem público nas pesquisas com manifestantes.
Como em outras manifestações dos últimos 30 anos, e ao contrário do que ocorre na Europa, a situação da economia não é o foco dos protestos. O aumento da tarifa dos ônibus foi o estopim, mas a revolta de fato é com a piora da qualidade do transporte público. Com um modelo econômico que estimula a compra de automóveis e subsidia a gasolina, mas nada faz pela infraestrutura, não surpreende que as pessoas se revoltem.
Apesar de não diretamente relacionadas, chama a atenção que as manifestações coincidam com o quadro de agravamento da economia. Esse vem em curso há algum tempo, refletindo a queda do potencial de crescimento e erros de política econômica. Isso faz com que, mesmo com o PIB crescendo pouco, a inflação permaneça bem acima da meta.
Como dizem os jovens nas redes sociais, a revolta não é pelos centavos, mas pelos nossos direitos
Mais recentemente, a situação da economia agravou-se, por conta da piora das contas externas. A queda do crescimento da Ásia emergente, como já discuti neste espaço, tem afetado as exportações, derrubando o saldo comercial. Não será surpresa se esse ficar perto de zero este ano e virar negativo em 2014. O deficit em conta corrente aumenta em ritmo acelerado, batendo em 3,2% do PIB nos 12 meses encerrados em maio.A confirmação, semana passada, de que o FED, o banco central americano, deve começar a desmontar o programa de afrouxamento monetário ainda este ano derrubou o preço dos ativos brasileiros. Com isso, o real desvalorizou-se e os juros longos subiram. O preço das commodities caiu ainda mais. É notável a magnitude dessas variações, considerando-se que o FED sinalizou que tudo será feito devagar e que só deve começar a elevar os juros em 2015.
A desvalorização do real não deve ser transitória, como em 2008. Há, de fato, uma mudança na situação externa, em que bens e ativos brasileiros ficaram menos valiosos. A forma mais saudável de a economia processar isso é via a desvalorização do câmbio.
A boa notícia é que isso tornará a indústria mais competitiva e o crescimento mais equilibrado. A má notícia é que as pressões inflacionárias aumentarão e que o ajuste a essa nova situação vai exigir uma queda dos rendimentos reais. Caberá à política econômica fazer com que esse ajuste ocorra com o menor custo possível em termos de aceleração inflacionária e queda do nível de atividade.
O que não é possível, porém, é achar que tudo poderá continuar como antes. Em especial, o mercado de trabalho, que já vem piorando, deve passar por um ajuste mais forte. Dessa forma poderá processar a perda de renda decorrente da piora das condições externas, sem a necessidade de uma alta muito grande na inflação.
Dois outros mercados vão passar por ajustes: o de crédito e o imobiliário. O primeiro sofrerá com a deterioração do mercado de trabalho. Felizmente, o crédito ao consumo cresceu pouco no último par de anos. A situação dos bancos públicos é, porém, menos robusta. O mercado imobiliário deve sofrer, pois os imóveis devem se desvalorizar, como já ocorreu com outros ativos mais líquidos.
Nesse quadro, deve-se observar para onde andará a onda de protestos. As últimas grandes manifestações no país — 1992, 1984, 1968, 1962-64 — se deram em momentos em que a situação econômica tinha piorado. Se o cenário traçado acima se confirmar, o número de manifestantes vai aumentar e a pauta de reivindicações pode se ampliar. Como dizem os jovens nas redes sociais, a revolta não é pelos centavos, mas pelos nossos direitos.
29 de junho de 2013
Armando Castelar Pinheiro
Fonte: Correio Brasiliense
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