"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 29 de junho de 2013

O DESENCANTO DE FHC

 

Em recente entrevista ao Canal Livre, da TV Bandeirantes, o ex-presidente Fernando Henrique lamentou a atitude sectária de Lula e do PT, ao tentar fazer dele e do PSDB o bode expiatório das mazelas do país. “Passei a faixa presidencial ao Lula com emoção”, disse FHC, supondo que uma parceria ali se estabelecesse.

Deu-se o contrário. Já no dia seguinte à posse, José Dirceu, o “capitão do time”, brandiu pela primeira vez o bordão da “herança maldita”, que se tornaria peça de resistência da Era Lula.

Tudo o que não funcionava, tudo o que se revelava desastroso nas ações do novo governo tinha dono: a herança maldita de FHC. Paradoxalmente, Lula mantinha os fundamentos econômicos do governo anterior, incluindo nomes que haviam sido sustentáculos daquele período, como o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

Fernando Henrique, com a bagagem que tem – e, sobretudo, com a íntima e veterana convivência com o pensamento esquerdista -, não tinha direito a tanta ingenuidade. Nada do que leu, ouviu ou observou poderia fazê-lo supor que o PT admitisse a hipótese de alternância democrática no poder. Senão, vejamos.

Já na sequência do Plano Real, quando sua candidatura mostrou-se inevitável, FHC convidou Lula para vice, na tentativa de estabelecer uma parceria que vislumbrava de longo prazo, capaz de conduzir o país por décadas.

A simples proposta ofendeu Lula e o PT, que só a admitiam se a composição fosse inversa: Lula na cabeça e FHC de vice. Sabiam que era impossível, pois a vez era do Plano Real, que o PT havia combatido e ainda combateria por muito tempo.

Mas ali ficou claro que o projeto do PT – um projeto revolucionário, ainda em curso - não previa parceiros; no máximo, aderentes ou cúmplices.

Sem o apoio dos petistas, FHC, que não poderia governar apenas com o PSDB, aproximou-se do PMDB e do PFL, numa guinada conservadora, provocando por parte do PT – o mesmo partido que reabilitaria Fernando Collor, Renan Calheiros, José Sarney e tantos outros progressistas - acusações de submissão “à direita”, “traição ao povo” etc.

Mesmo bombardeado ao longo de seus dois mandatos, FHC, não se sabe por onde, ainda nutria a expectativa de parceria com Lula. Tanto que chegou a dizer a José Serra, candidato de seu partido em 2002, que “a vez agora é do Lula”. E, visitado pelo candidato do PT em palácio, antes da vitória, apontou-lhe num gesto a cadeira presidencial e disse: “Esta cadeira é sua”.

Ao receber a faixa presidencial, Lula retribuiu os rapapés com uma frase que jamais poria em vigência: “Fernando, aqui você terá sempre um amigo”.

No dia seguinte, o “amigo” viraria “herança maldita” e só voltaria a ser procurado quando explodiu o Mensalão. FHC, como se sabe, foi quem sustou a tentativa oposicionista de impor o impeachment a Lula.

Uma década depois, a herança maldita trocou de lado e tem novo dono: o próprio PT, alvo dos protestos das multidões nas ruas. A diferença é que, do outro lado – da oposição -, não há liderança sobre os manifestantes, que não se identificam com nenhum partido. É um protesto multifacetado, que o PT, com sua logística junto aos sindicatos e movimentos sociais, tenta cooptar.

Dilma Rousseff é o bode expiatório, tida pelos radicais como não suficientemente esquerdista. Prepara, ainda que à sua revelia, o caminho de volta de Lula, que, em sua primeira manifestação desde que as ruas foram ocupadas pelos protestos, optou por incentivá-los, como se nada tivesse com eles.

Há uma queda de braço nas ruas: de um lado, as forças organizadas de esquerda - minoritárias, mas não inexpressivas -, que deflagraram o movimento, com objetivos pontuais, de desgastar governantes de oposição; de outro, uma imensa massa, que aderiu por razões sinceras e que vão muito além do aumento das passagens de ônibus.
É grande, mas desorganizada, sem meios de dar consequência prática à sua insatisfação.

Lula, em cena, aposta na sua logística e já acusa a direita – mais desarticulada e inorgânica que as massas – de responsável pelos atos de vandalismo. Sabe que não é e sabe de onde vêm. Mas recorre ao velho estratagema de Lênin para iludir a opinião pública: “Acuse-os do que você faz”. Funciona.
No mesmo Canal Livre, sem mencionar a contribuição involuntária que deu a tudo isso, FHC lamenta: “O Brasil está sem rumo”. É, parece que sim.


29 de junho de 2013
Ruy Fabiano é jornalista.

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