Ex-presidente do BC afirma que ‘a pressão das ruas’ precisa ser transformada em resposta coerente com a responsabilidade fiscal
- Para ele, o país deveria ter migrado do modelo de crescimento baseado em consumo para um regime com foco na expansão do investimento
- No cenário externo, alerta para a chance de desaceleração na China, que pode crescer menos de 6%
DANIEL HAIDAR - O Globo
Apesar do nervosismo nos mercados, Arminio Fraga estava bem-humorado na última quinta-feira. Na sede da Gávea Investimentos, no Leblon, só hesitou quando perguntado sobre a maior preocupação para o país no cenário externo.
“Deixa eu pensar na ordem, tem muita coisa acontecendo”, disse, abrindo um sorriso, antes de listar a perspectiva de redução de estímulos à economia americana, a restrição ao crédito na China e a recaída da economia europeia como principais ameaças. Já sobre o cenário doméstico, o economista não titubeou.
Para ele, é hora de rever a política de governo que tornou a ida a Brasília uma rota de peregrinação de empresários em busca de crédito e subsídio. É também o momento de reforçar o compromisso com o controle de gastos e a meta de inflação.
OGLOBO: Por que a população foi para as ruas?
O assunto é importante, está sendo objeto de reflexão por parte de gente que entende muito mais do que eu disso, mas o recado me parece claro. A população está insatisfeita, insegura, indignada. E resolveu se posicionar. Junto com um núcleo amplamente majoritário, existem também pequenos grupos agindo de forma violenta, às vezes de forma mais organizada, segundo o que leio nos jornais. A motivação me parece ser clara: queremos mais, queremos um governo melhor. A coisa do preço dos transportes foi, a meu ver, apenas um gatilho, mas trouxe à tona outros temas mais fundamentais.
ARMINIO FRAGA: Há um pano de fundo econômico?
Sim, apesar do desemprego baixo, que é certamente algo muito bom. A população anseia ter melhores serviços na saúde, na educação, certamente também nas questões de transporte urbano. A carga tributária é alta, as pessoas têm adquirido um grau de informação maior e questionam "o que o governo está fazendo com nosso dinheiro?" Isso traz outras questões à tona, como que prioridades que o governo dá ao gasto público, a corrupção e outros, como a inflação. Já se vão quase 20 anos desde a hiperinflação, mas ela ainda vive na imaginação das pessoas que viveram a tragédia social que foi aquela fase. Hoje elas começam a sentir no bolso, sentem que o dinheiro que estão recebendo não compra mais o que comprava antes. É conhecido no Brasil o efeito regressivo da inflação, o pobre é quem acaba pagando mais o pato.
Os protestos afetam a percepção do investidor estrangeiro?
Há vários aspectos que afetam a percepção do investidor estrangeiro, assim como a nossa, a do empresário brasileiro que quer investir. Sinto muita curiosidade por parte das pessoas, talvez porque eu viaje muito, sobre a visão externa do Brasil, mas me preocupo mais com a visão interna. No caso da infraestrutura, que é um tema quente e tem que ser mesmo, o Brasil precisa investir mais e melhor. Praticamente todas as categorias de infraestrutura estão carentes de investimento. São investimentos de longo prazo, muito intensivos em capital e, que exigem financiamento e segurança. Portanto, se em algum momento se consolidar uma percepção de que tarifas estão sujeitas às pressões do ciclo econômico e políticas, certamente vai se reduzir o apetite por investimento no setor. Existem vários outros pontos que afetam a imagem do Brasil. A própria pressão que vem das ruas precisa ser processada pelo governo e transformada em resposta de uma maneira coerente com a responsabilidade fiscal. A noção de que não há mais meta fiscal e que o governo vem usando artifícios e outras brechas - de forma transparente, é sempre bom deixar claro -, preocupa bastante. Num momento em que a inflação anda pressionada, o país ter ao mesmo tempo políticas fiscal e de crédito público expansionistas dificulta ainda mais o quadro, e gera mais pressão sobre o Banco Central, que no fundo ou terá que trabalhar dobrado aumentando bem os juros, ou aceitar uma inflação mais alta. Tanto num caso quanto no outro isso não é bom.
A inflação pode sair do controle?
Sempre existe risco de descontrole, em qualquer lugar do mundo, inclusive nos países mais desenvolvidos do jeito que andam do lado fiscal e monetário. Aqui o Banco Central já sinalizou que vai correr atrás da meta. Tem apoio do governo, até porque o governo entende que se deixar a inflação fora de controle provavelmente vai perder muito nas pesquisas.Hoje vejo certo receio de descontrole macroeconômico nesse momento de manifestações populares. O governo foi cuidadoso — ao apresentar sua resposta em cinco pontos — e colocou no topo da lista a responsabilidade fiscal. Espero que ocorra na prática. Há também alguma insegurança institucional quando se vê no ar um modelo de democracia direta, que sugere mais risco de populismo. Todo cuidado é pouco aqui.
O governo jogou fora o tripé de câmbio flutuante, controle de gastos e metas de inflação?
Flexibilizou bastante o tripé, há quem diga que jogou fora sim, eu não iria tão longe. Acho que ainda não jogou, mas caminha nessa direção. A administração do tripé está muito focada na demanda, e as políticas públicas em geral pouco focadas na oferta. Se ficar claro que as metas de inflação e superávit primário não são para valer, teremos problemas sérios.
Seria o caso de um choque de juros?
Não creio que choque de juros seja a melhor resposta. Talvez seja melhor uma resposta mais equilibrada no sentido de incluir mais cuidados na área fiscal e de crédito também. Ter ajuda dessas ferramentas. Não se fixar somente nos juros. O Banco Central tem que aumentar juros no que for cenário para trazer inflação de volta para meta. Mas vai ter que aumentar muito menos se tiver apoio fiscal e também do credito, já que o governo tem tanto peso na área de credito. Isso também deveria fazer parte. Há também essa dimensão da taxa de câmbio, que depende um pouco de confiança também. Não perder a confiança aqui dentro em primeiro lugar e lá fora também. Hoje há um certo receio de populismo no ar.
É possível cumprir a meta fiscal?
Possível é, mas me parece ser difícil, especialmente tendo em vista os acontecimentos recentes, as manifestações. Já se vê nos jornais contas de especialistas dizendo que as respostas às demandas poderão custar mais de R$ 100 bilhões por ano. Essa disciplina de processar as demandas todas e dar o que é a resposta possível num determinado momento é a responsabilidade fiscal, que não pode ser perdida. É uma questão de prioridade, de capacidade de execução, de eficiência da máquina pública, procurar fazer mais com menos, procurar fazer melhor. Não é impossível, mas é difícil porque as pressões todas estão indo na outra direção neste momento.
O senhor tem um envolvimento com causas sociais. A elite lavou as mãos?
Não acho. Vejo o Brasil vivendo hoje um momento de discussão muito rico. Não é porque estou aqui nessa entrevista, mas a imprensa tem tido e terá sempre um papel muito importante. É fundamental que a imprensa continue livre e cheia de energia como é. E o que vejo é que a elite empresarial tende a se adaptar às regras do jogo. E se o governo define que a regra do jogo é ir a Brasília pedir subsídio, pedir proteção, a elite empresarial vai fazer isso, podendo até reforçar este modelo. Mas a esmagadora maioria dos empresários preferiria que as regras fossem diferentes, que o custo Brasil fosse mais baixo e que as regras fossem mais simples e claras. Então é fácil apontar para as elites, mas não é papel do empresário necessariamente participar ativamente da vida pública do país. A maioria prefere não fazê-lo e é por isso que não são acadêmicos, políticos ou jornalistas, são empresários. E tem que ser tratados como tal. Sempre com uma saudável desconfiança, normal, nada de mais.
O que preocupa no cenário externo?
Deixa eu pensar na ordem, tem muita coisa acontecendo (risos). No momento a maior preocupação é com a mudança ou a redução no grau de estímulo da política monetária americana. Os mercados tiveram uma reação muito forte a essas primeiras colocações do Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), confirmando que as saídas de situações de políticas ultraexpansionistas são sempre difíceis. Dá para imaginar um final feliz se ocorrer dentro de um contexto de recuperação da economia americana. Aí é possível que o Federal Reserve consiga convencer a população de que isso é simplesmente uma normalização. Esse é um cenário, não é o único. O segundo lugar para mim seria, talvez, no curto prazo, a China. Estive lá recentemente, voltei preocupado. A China poupa, investe e trabalha muito, tem foco na educação, tem várias coisas a favor. Mas a China no pós-crise de 2008, por receio de uma recessão maior, tomou medidas muito agressivas que no fundo liberaram a China Velha que vinha sendo assim administrada e domesticada. Talvez a palavra não seja essa, mas controlada. Essa China dos bancos públicos, das estatais, dos governos locais, vem funcionando a pleno vapor, muito provavelmente gerando retornos muito baixos ou até destruindo valor. Com isso ela vem acumulando desequilíbrios. O que se viu nesse período recente foi um boom de crédito como poucos na história da humanidade, talvez o maior. Já se vê capacidade ociosa em vários setores, e o quadro geral é difícil. O governo novo já vem dando sinais de que pretende abordar estas questões, mas não quer dizer que elas sejam fáceis. Então é possível que a China passe por um período de crescimento mais baixo e há sempre algum risco de alguma crise econômica um pouco maior, com crescimento ainda mais baixo. Hoje já se fala em menos de 7%.
Você concorda?
Eu suspeito que possa ser menos do que 6% durante um período e nada garante que não possa no meio do caminho crescer menos do que isso. São riscos, não é o que está necessariamente programado para acontecer. Em terceiro lugar, a Europa passa por uma recaída, e, como numa gripe, às vezes a recaída é pior do que a gripe original. É um momento de incerteza. Vários países seguem com desemprego elevadíssimo, especialmente entre os mais jovens, em alguns casos chega a 40%. É complicado. A Europa fez um ajuste de balanço de pagamentos importante, feito na marra, com recessão porque eles não têm câmbio para ajustar, pagando, portanto, um preço, mas isso trouxe uma certa estabilidade. A Europa não está ainda com pista limpa para voltar ao normal, ainda falta muito. E há muita coisa acontecendo no campo geopolítico com foco no Oriente Médio. Sempre fica no ar como uma questão. Como eventual resultante disso tudo, é possível que o ciclo longo de alta das commodities possa estar chegando ao fim, o que também nos afeta, embora menos do que a outros países, como alguns asiáticos e outros aqui na nossa região. Foi bom para o Brasil a fase boa da economia mundial. Até recentemente nos beneficiamos de bons preços de exportação. Mas agora nossa relação de troca (entre preços de exportação e importação) já exibe alguma queda, talvez de 10% a 15% do pico, e isso sempre incomoda.
Já estamos crescendo apenas 0,6%...
Se algum destes fatores externos de crise se exacerbar ou o crescimento global simplesmente continuar baixo, o que é possível, será prejudicial, mas isso nós sempre soubemos. Houve uma certa ilusão no período de boom da economia mundial, que começou ali por 2003 e foi até a crise, de que aquela festa ia durar para sempre. Nossa taxa de crescimento aumentou talvez meio ponto ou um ponto ao ano. É difícil estimar. Se acontecer o oposto, como já aconteceu em 2008 e 2009, especialmente, a taxa de crescimento se reduzirá, talvez meio ponto ou um ponto dependendo da nossa resposta.
As atuações do Banco Central no câmbio são uma estratégia eficaz?
O governo até vinha atuando pouco. Havia percepção equivocada de que o governo tinha uma banda de R$ 2 a R$ 2,10 como meta. Eu nunca acreditei nisso, mesmo com medidas de controle de câmbio e prudenciais. Um mercado financeiro sofisticado como o nosso já é há muitos anos, há décadas, impede que essas medidas tenham efeito permanente. Talvez (o objetivo) seja administrar um pouco a volatilidade. Se é bom ou não, é outra discussão. Sempre fui a favor do Banco Central nunca abrir mão da capacidade de intervir no mercado de câmbio, especialmente em momentos de pânico, para zelar pelo bom funcionamento do mercado. Não para tabelar o câmbio ou tentar de alguma maneira fixar algum número. Resumindo, creio que o Banco Central tem sido cuidadoso, não tem entrado muito no mercado e no geral se fizer isso em dias mais complicados está dentro do script.
O que mudaria hoje na política economia se tivesse no poder?
Muita coisa, mas nem estou, nem sou candidato a nada... Escrevi com colegas recentemente um artigo, na verdade dois artigos, que vocês publicaram, argumentando que o Brasil vivia uma certa encruzilhada. O primeiro artigo sugeria que poderíamos estar caminhando em direção a um modelo que deu errado, parecido com o da década de 70, com pouco foco em produtividade, modelo mais fechado, bancos públicos tendo papel grande demais, pouca capacidade de mobilizar investimento em infraestrutura e outras questões como essas. Sem prejuízo de muita coisa boa que aconteceu no combate à pobreza, na melhoria da distribuição de renda, isso tudo é essencial e obviamente tem que continuar. Agora de fato me parece que o Brasil tende a ir nessa direção que deu errado no passado. Rever esse modelo me parece essencial. Esse modelo que comentei no início da conversa, onde Brasília passa a ser um destino de peregrinação de empresários, pleiteando subsídios, proteções, crédito barato, é um modelo muito ruim, inclusive do ponto de vista distributivo. É um modelo pró empresa e não pró mercado. Melhor reduzir o Custo Brasil e deixar os empresários competirem entre si. A política recente de combustíveis e automóveis, discutida recentemente em coluna da Miriam Leitão, carece de mudanças: o Brasil subsidia carbono e automóvel, quando o mundo inteiro parece querer diminuir a sua pegada e ter menos carros andando nas ruas, focar mais em transporte público, menos poluente e “engarrafante”. Quando o governo segura o preço do petróleo como segurou durante muito tempo com o objetivo de afetar o índice de inflação, se vê o Brasil indo em direção contrária da que seria correta. O foco do governo Fernando Henrique Cardoso em saúde e educação é atual e correto tanto do ponto de vista de justiça social quanto de crescimento. Tudo que está acontecendo no mundo da infraestrutura, a meu ver, requer muita atenção e vejo bastante espaço para melhorias. Faço questão de registrar aqui que o próprio governo tem dado sinais de que quer caminhar nessa direção e espero que as incertezas com relação aos investimentos na infraestrutura não atrapalhem demais a retomada do investimento, que já está muito atrasada.
O crescimento focado em consumo se esgotou?
O foco no crédito em primeiro momento foi saudável. Eu mesmo trabalhei muito para isso. O Banco Central, junto com o Ministério da Fazenda, trabalha há muitos anos para construir um mercado financeiro mais eficiente, seguro, onde haja mais crédito. Muita coisa se fez ao longo dos anos e nesse sentido foi normal que num primeiro momento de aceleração do crescimento o consumo fosse na frente. É muito difícil esperar que o empresário invista se ele não enxerga mercado para vender sua produção num segundo momento. Falhamos nessa segunda fase. O Brasil já tinha que ter passado para uma fase em que o crescimento tem também no investimento uma locomotiva. É provável que a fase de crescimento mais acelerado do crédito tenha ficado para trás porque as famílias tomaram bastante crédito e se endividaram muito. E o crédito aqui ainda é caro. Não gosto desse modelo excessivamente focado no consumo alavancado. Acho que não gera crescimento a médio prazo. É um modelo perneta.
Perdemos o bonde dos novos acordos comerciais?
Acho que sim. Nossa política externa pecou ao ser excessivamente terceiro-mundista. Acho bom que o Brasil seja líder dos países em desenvolvimento e tudo mais. Mas uma certa predileção manifesta por Cuba, Líbia, Irã, Venezuela, não consigo entender. Acho negativo pro Brasil. Acho que nós perdemos algumas oportunidades. Até tenho simpatia pela visão mais multilateral que sempre foi a nossa. Mas o fato é que há décadas o caminho multilateral tem se mostrado pouco frutífero e vários países foram buscar seus canais e fazer parcerias. O Brasil ficou para trás.
Ainda conversa com Aécio Neves?
Conversei algumas vezes com ele. Tenho a impressão de que essa campanha antecipada não é boa para o país, mas parece ser uma realidade. Tenho minha vida aqui na Gávea, que demanda horário integral. Mas torço pelo Aécio e quero ajudar, sim.
Voltaria ao governo?
Não é algo que eu tenha como plano de vida. Como já fui duas vezes, também não posso dizer que jamais voltaria. Não é o meu projeto, mas não posso descartar totalmente.
Voltando para cenário externo, qual o real fôlego da economia americana para ser cogitada uma redução dos estímulos monetários?
Ainda é a maior economia do mundo e certamente o que acontece lá tem muito peso. Havia expectativa de que o crescimento ficaria em torno de 2% ou um pouco mais, mesmo com aperto fiscal que está acontecendo em função das regras automáticas que eles têm. Muita gente ainda questiona a sustentabilidade dessa recuperação e esse é um tema em aberto. Sou otimista com relação à economia americana, porque é muito flexível, muito dinâmica, criativa. Já aconteceu boa parte da desalavancagem das famílias. Empresas no geral estão bem e se essa questão maior da trajetória de déficit público a longo prazo começar a ser equacionada, acho provável que a economia americana volte a crescer. Hoje a radicalização política atrapalha bastante, mas em algum momento deve voltar ao normal. Como a economia americana é a fronteira em termos de padrão de vida, de eficiência e tudo, é mais difícil para os EUA crescerem a taxa acelerada do que é para nós. Nossa renda per capita é 20% da americana, então se conseguirmos investir mais, educar melhor a nossa população, vamos crescer a taxas superiores às americanas por muito tempo. É algo que está ao alcance do Brasil, crescer 5% ao ano, mas como já disse, será necessário investir mais.
A desaceleração da China assusta?
Assusta, pois pode reduzir a demanda por nossos produtos e pressionar a taxa de câmbio, como já está acontecendo. Mas não nos afeta tanto como a uma economia muito focada em commodities. O Brasil é um país grande e diversificado, mas não é muito aberto. Num momento de crise internacional, o impacto aqui acaba sendo relativamente menor. Mas cabe lembrar que em geral isso não é bom, ao contrário, é um problema. O Brasil não está conectado nas cadeias mais eficientes de produção, o que é um problema.
Mas é de se esperar o dólar mais perto de R$ 3 do que de R$ 2?
Prefiro não falar em números. Não é minha expectativa, mas isso não depende só da política de intervenção do Banco Central. Depende do quadro mais geral, principalmente interno. Se houver segurança de que o Brasil vai continuar a ter política fiscal responsável, que o BC vai continuar a cuidar das metas para inflação, certamente suavizando o ciclo econômico, mas não tentando acabar com ele, penso que nossa taxa de câmbio vai se comportar bem. Mas claro que se o preço das exportações caírem mais, a taxa de câmbio tende a subir. Se o grau de confiança no Brasil continuar baixo, isso põe pressão. Mas o oposto é verdade também. Se as coisas começarem a andar e ficar claro que a atual crise política está sendo bem processada pelas nossas instituições e não houver perda de segurança, é possível que o câmbio volte também. É uma bola de cristal que na verdade ninguém tem.
Estratégia do governo deveria ser gastar reservas cambiais e não os leilões de contratos de dólar futuro (swap cambial)?
Acredito que nos momentos mais complicados faz sentido usar reservas e swaps.
É o caso de mudar a meta de inflação?
Temos que mudar a meta em algum momento, para baixo, não para cima. Mas acho que seria prematuro fazer isso agora num momento em que a inflação está acima da meta. Uma vez atingida a meta, faria sentido caminhar para uma meta um pouco mais baixa, mais parecida com a de outros países como nós.
O governo terá de oferecer maiores taxas de retorno nos leilões para atrair investidores e contabilizar outorgas para ajudar no superávit primário?
O governo não pode usar boa parte destas receitas. Deveriam ser abatidas da dívida. O governo conta com as privatizações para aumentar o investimento mesmo. Então é preciso muito cuidado para não perder mais uma vez a oportunidade de deslanchar esse processo. Justiça seja feita recentemente o governo anunciou medidas positivas: voltou a fazer leilões de petróleo, anunciou mais dois leilões de aeroportos, Confins e Galeão, está revendo os termos das concessões rodoviárias, que tinham retorno tabelado num nível muito baixo e a própria Lei dos Portos, com toda a controvérsia que trouxe, apresentada como medida provisória, também tende a mobilizar mais investimento. O que agora complica o quadro é a incerteza com relação ao fluxo de caixa destes investimentos Isso terá que ser administrado com muito cuidado porque o Brasil precisa muito, muito de uma grande guinada no investimento em geral e, em especial, no investimento em infraestrutura. Um ponto importante que faz parte dessa discussão diz respeito à taxa de retorno. Não vejo motivo para não acreditar nos mecanismos de leilão, que fazem a equação fechar. Cabe ao governo desenhar bem estes leilões. O governo tem a obrigação de ser cuidadoso mas, uma vez que o leilão seja bem desenhado, acreditar que o leilão vai produzir o preço correto, ou seja, a taxa de retorno correta. Existem várias maneiras de se desenhar os leilões para garantir que haja concorrência e assim deixar o leilão ditar o resultado. As economias vivem momentos de maior ou menor incerteza, de maior ou menor entusiasmo, e assim os preços flutuam, o que é natural. O que não pode acontecer é parar o processo de investimento a partir de um modelo rígido e sem preço. A economia funciona à base de sinais de preço.
Espera crescimento abaixo de 2% para 2013?
Não faço conta na ponta do lápis. Parecia que era um ano em torno de 3% para a maioria dos especialistas e agora já aponta para um número menor com certeza.
Já se dizia que o ciclo de alta de commodities ia acabar. Faltou se preparar para uma mudança de cenário?
Não diria isso. Talvez nos momentos de euforia da economia mundial, se tenha caído na armadilha natural de acreditar que tudo de bom que estava acontecendo era nosso mérito ao invés de compartilhar esse mérito com uma economia mundial mais pujante.
Como depender menos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar investimentos?
Não defendo acabar com o BNDES. Tem que ser um processo onde aos poucos o BNDES vá agindo de maneira mais compatível com o desenvolvimento do mercado privado, para que possa focar em situações onde existam claras externalidades e problemas de coordenação, coisas do gênero. Há alguns anos sugiro que o BNDES exija do setor privado uma co-participação nos financiamentos de longo prazo, mas o problema é que isso vai explicitar um diferencial de custo entre o dinheiro que o BNDES oferece e o que as empresas teriam que pagar no mercado, o que pode ser incômodo para as autoridades. No lado do capital de risco da Bolsa, as coisas estão funcionando bem. O mercado vive uma fase difícil no momento, com poucas empresas indo ao mercado, mas se trata de bom canal de capitalização. Até porque o BNDES, para emprestar dinheiro, precisa que as empresas tenham capital.Outro ponto que sugere que o Brasil pode estar se aproximando do momento em que possa depender menos do BNDES é que já existe um mercado de longo prazo de títulos públicos, então existe padrão de referência de preço.
Mas neste ano a concessão de credito de bancos públicos já caminha para mais de 50% do total.
Aí é preciso juntar BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Espero que o BC esteja cumprindo seu papel de fiscalizar essas instituições para ter certeza de que carteiras delas sejam saudáveis. Normalmente os bancos centrais quando veem crescimento muito acelerado do crédito tendem a se preocupar, porque tipicamente isso é prenúncio de problemas. A participação grande dos bancos estatais também me preocupa, porque estão sempre sujeitos a pressões politicas e acabam alocando mal o capital na economia. Em muitas áreas não cabe extrapolar da economia pessoal, para a economia macro. Mas certamente no aspecto da rentabilidade dos investimentos é igual. Se aplicar mal a poupança, depois de algum tempo não vai sobrar nada. Nesse campo a intermediação financeira predominantemente pública deixa muito a desejar. Acho essencial que haja concorrência no sistema, mas é preciso tomar certo cuidado com agentes públicos.
Há preocupação de aparelhamento político de bancos públicos?
Não só dos bancos públicos, da máquina pública também, sem dúvida.O país vem evoluindo nas suas instituições, já teve impeachment de presidente, muitos momentos importantes de evolução institucional, mas esse risco de captura da maquina pública por interesses privados ou partidários é sempre uma ameaça. Vivemos essa ameaça hoje. Um país que tem 39 ministérios, bancos públicos agigantados, está sempre exposto a esse tipo de risco.
Em que sentido rumores constantes de que o ministro da Fazenda vai cair afetam nossa credibilidade?
Acho que afetam pouco. O governo tem dono, é da presidente Dilma. Não creio que vale a pena entrar em fofoca. É muito mais o que concretamente o governo vai fazer. Quem está lá depende muito menos do que aquilo que é feito.
A Bolsa brasileira já caiu mais que outros emergentes. Por que apanhamos mais?
Primeiro porque recentemente tivemos problemas, crescendo pouco com inflação alta. Não é à toa que tem muita gente na rua. Por outro lado, havia uma expectativa excessivamente otimista também. E 2010 foi um ano de recuperação. O Brasil não tinha problemas financeiros como vários desses países que estão sofrendo até hoje, portanto pôde ter recuperação forte, turbinada por ano de eleição. Por alguma razão pessoas compraram aquilo como se o Brasil tivesse chegado ao Nirvana, com crescimento de 7% ao ano. Mas foi apenas um ano de recuperação. Ponto. Depois, na medida em que o país consolidou essa guinada em direção a um modelo menos favorável ao crescimento, as expectativas foram indo da euforia para a depressão. Espero que o que tenhamos hoje seja mais uma depressão do que uma realidade. Como já comentei, o governo tem dado alguns sinais e vai ter que dar outros, porque vive um momento de pressão
Para o investidor, a Bolsa ficou barata?
O Brasil é um país grande, tem muita oportunidade, muita empresa boa, tem muito investimento bom aqui para se fazer. Ficou mais barato por definição, mas infelizmente os riscos aumentaram. Então essa equação não está resolvida.
Para onde Gávea está olhando em investimentos?
Não temos foco setorial pré-definido, apenas procuramos bons investimentos, boas empresas, com boa gestão, a preço razoável. Já fizemos mais de 40 investimentos em sete anos. No fundo o que aconteceu com a nossa carteira espelha o que está acontecendo no Brasil. Oportunidades boas foram surgindo em certas áreas (consumo, recursos naturais, infraestrutura, imobiliária) em que o Brasil está indo bem. Não foi totalmente planejado, e volta e meia aparece algo que interessa em outros setores e lá investimos também.
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