Em seu "Dicionário de Política", o mestre italiano Norberto Bobbio, um dos maiores historiadores do pensamento político do século XX, resume assim as funções dos partidos:
eles são "um instrumento importante, senão o principal, por meio do qual grupos sociais (...) podem exprimir as próprias reivindicações e as próprias necessidades e participar, de modo mais ou menos eficaz, da
formação das decisões políticas".
Olhando para as ruas no Brasil neste mês de junho, é de se questionar em que parte da definição de Bobbio os partidos políticos brasileiros se encaixam.
Muito se tem escrito sobre o movimento até agora, e tanto analistas quanto políticos ainda estão perplexos na busca de suas causas.
Um entendimento majoritário que emerge, porém, é que nada no sistema partidário brasileiro hoje reflete "as reivindicações e as próprias necessidades" dos manifestantes.
A ponto de eles, repetidas vezes, terem pedido a militantes de partidos que guardassem suas bandeiras durante as passeatas.
A ponto de eles, repetidas vezes, terem pedido a militantes de partidos que guardassem suas bandeiras durante as passeatas.
De todos os bordões gritados nas ruas de São Paulo,
Brasília,
Rio,
Fortaleza,
Belo Horizonte e de tantas outras cidades,
o "Não nos representam!" é o que mais confronta o regime vigente.
Como alguém que desde adolescente atua na política partidária e que hoje é um dos dirigentes nacionais do PMDB, sou obrigado a reconhecer o óbvio:
Como alguém que desde adolescente atua na política partidária e que hoje é um dos dirigentes nacionais do PMDB, sou obrigado a reconhecer o óbvio:
a vida partidária brasileira descolou-se da sociedade e tornou-se largamente irrelevante.
Pior do que isso, o sistema político tornou-se um fim em si próprio, uma engrenagem girando em falso. Entendimentos político-partidários deveriam atender a programas, objetivos e conquistas da sociedade.
Hoje, no Brasil, tais entendimentos dão-se em torno de cargos, privilégios, benefícios, espaço, tudo isso desligado das políticas públicas que deveriam vir da base. O direito de associação, pedra angular da democracia, passa a ser manipulado pelo nepotismo e pelo compadrio. Isso acaba por contaminar o processo eleitoral e o próprio ato de governar.
Coalizões eleitorais são formadas não em razão de afinidades ideológicas ou de conteúdo programático, mas do tempo de exposição na TV durante os horários eleitorais gratuitos - essa cobiçada commodity política dos nossos tempos.
O resultado inevitável é o desencantamento da sociedade com a política e os políticos, a descrença nas instituições, a desesperança no futuro.
O risco desse desencantamento é a criação de uma repulsa à participação política.
Talvez as novas tecnologias estejam colocando o mundo no rumo de um redesenho completo da democracia; talvez isso aconteça ainda em nosso tempo de vida. Porém, a democracia representativa, que se exerce por meio dos partidos políticos, é o que temos hoje, e é o melhor que temos hoje.
Renunciar ao seu exercício é a maneira mais fácil e rápida de abrir mão de influenciar nas decisões que afetam a vida em sociedade - política, afinal, nada mais é do que isso - e um caminho certeiro para a perda do que quer que se venha a conquistar pela pressão dos movimentos sociais nas ruas.
Tal risco é reforçado, no Brasil, pela juventude da nossa democracia.
Pior do que isso, o sistema político tornou-se um fim em si próprio, uma engrenagem girando em falso. Entendimentos político-partidários deveriam atender a programas, objetivos e conquistas da sociedade.
Hoje, no Brasil, tais entendimentos dão-se em torno de cargos, privilégios, benefícios, espaço, tudo isso desligado das políticas públicas que deveriam vir da base. O direito de associação, pedra angular da democracia, passa a ser manipulado pelo nepotismo e pelo compadrio. Isso acaba por contaminar o processo eleitoral e o próprio ato de governar.
Coalizões eleitorais são formadas não em razão de afinidades ideológicas ou de conteúdo programático, mas do tempo de exposição na TV durante os horários eleitorais gratuitos - essa cobiçada commodity política dos nossos tempos.
O resultado inevitável é o desencantamento da sociedade com a política e os políticos, a descrença nas instituições, a desesperança no futuro.
O risco desse desencantamento é a criação de uma repulsa à participação política.
Talvez as novas tecnologias estejam colocando o mundo no rumo de um redesenho completo da democracia; talvez isso aconteça ainda em nosso tempo de vida. Porém, a democracia representativa, que se exerce por meio dos partidos políticos, é o que temos hoje, e é o melhor que temos hoje.
Renunciar ao seu exercício é a maneira mais fácil e rápida de abrir mão de influenciar nas decisões que afetam a vida em sociedade - política, afinal, nada mais é do que isso - e um caminho certeiro para a perda do que quer que se venha a conquistar pela pressão dos movimentos sociais nas ruas.
Tal risco é reforçado, no Brasil, pela juventude da nossa democracia.
O país viveu sob regimes totalitários durante mais da metade do século passado.
Isso fez com que a cultura da participação cidadã não se desenvolvesse. Não houve educação democrática na gestão das políticas públicas. Exceto por uma única experiência, o orçamento participativo implantado pelo Partido dos Trabalhadores em seus primeiros exercícios do poder municipal, nos anos 1990, a população brasileira nunca foi chamada ao exercício da gestão da coisa pública.
Essa falta de educação cidadã dá à classe política um domínio excessivo sobre o discurso e a práxis da gestão, e tornou o voto um virtual cheque em branco. Isso explode em gestos como o dos manifestantes paulistas que recusaram-se a discutir com os governos de onde sairia o dinheiro para a redução das tarifas do transporte público.
Volto a Bobbio:
"A possibilidade de os partidos serem instrumento de democracia depende do controle direto e da participação das massas", ensina o cientista político italiano. Claro está que nossos partidos têm rejeitado essa atribuição, e é urgente que mudem.
Não há, por exemplo, como termos eficiência no sistema partidário com 40 siglas existentes hoje no país, 22 delas com assento na Câmara dos Deputados. Esse grau de fragmentação frequentemente favorece o compadrio e impede que demandas concretas da população - educação, moradia,
É exigir que os partidos sirvam aos interesses da sociedade na diversidade de sua composição política e ideológica.
Isso fez com que a cultura da participação cidadã não se desenvolvesse. Não houve educação democrática na gestão das políticas públicas. Exceto por uma única experiência, o orçamento participativo implantado pelo Partido dos Trabalhadores em seus primeiros exercícios do poder municipal, nos anos 1990, a população brasileira nunca foi chamada ao exercício da gestão da coisa pública.
Volto a Bobbio:
"A possibilidade de os partidos serem instrumento de democracia depende do controle direto e da participação das massas", ensina o cientista político italiano. Claro está que nossos partidos têm rejeitado essa atribuição, e é urgente que mudem.
Não há, por exemplo, como termos eficiência no sistema partidário com 40 siglas existentes hoje no país, 22 delas com assento na Câmara dos Deputados. Esse grau de fragmentação frequentemente favorece o compadrio e impede que demandas concretas da população - educação, moradia,
É exigir que os partidos sirvam aos interesses da sociedade na diversidade de sua composição política e ideológica.
Os partidos são fundamentais para a vida pública.
Eles organizam demandas sociais e educam para o exercício da cidadania. Sua ausência gera um vazio que, tradicionalmente, ao longo da história da humanidade, tem sido ocupado por pessoas que se investem do poder no papel de comunicadores diretos com as massas.
O cesarismo, nome dado a esse tipo de substituto à representação democrática, frequentemente descamba para o totalitarismo, para governos que buscam sempre soluções de unanimidade e que eliminam a diferença.
O que a democracia persegue não é a unanimidade, porém:
Eles organizam demandas sociais e educam para o exercício da cidadania. Sua ausência gera um vazio que, tradicionalmente, ao longo da história da humanidade, tem sido ocupado por pessoas que se investem do poder no papel de comunicadores diretos com as massas.
O cesarismo, nome dado a esse tipo de substituto à representação democrática, frequentemente descamba para o totalitarismo, para governos que buscam sempre soluções de unanimidade e que eliminam a diferença.
O que a democracia persegue não é a unanimidade, porém:
é a maioria.
A beleza do sistema democrático é reconhecer que os seres humanos são todos diferentes entre si, e que os governos precisam fazer a vontade da maioria e ao mesmo tempo preservar a diversidade e os direitos das minorias.
O combate vigoroso às desigualdades exige a democracia.
O combate vigoroso às desigualdades exige a democracia.
E a democracia requer a existência de partidos fortes e representativos - mas, sobretudo, úteis.
W. Moreira Franco é sociólogo e ministro da Aviação Civil
W. Moreira Franco é sociólogo e ministro da Aviação Civil
27 de junho de 2013
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