"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 28 de junho de 2013

FESTEJADA, A COESÃO SOBRE PLEBISCITO NÃO EXISTE

 


Após um ciclo de três reuniões de Dilma Rousseff com políticos aliados, os porta-vozes do governo venderam a tese segundo a qual os partidos governistas estão unidos no apoio ao plebiscito sobre a reforma política.

Essa unidade só existe na fantasia dos discursos oficiais. Na vida real, está longe de ser obtida.
 
O ministro Aloizio Mercadante falou em “grande convergência”. O colega José Eduardo Cardozo (Justiça) mencionou “pontos de consenso”. A ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) soou ainda mais enfática: “[…] Todos os partidos, os líderes, estão convictos de que a consulta popular, a participação, é fundamental.”
 
O deputado Eduardo Cunha (RJ), líder do PMDB, foi claro na reunião com Dilma. Disse que sua bancada, a segunda maior da Câmara, não deve apoiar a realização de um plebisto neste ano, como deseja a presidente. O PMDB da Câmara aceitaria no máximo aprovar a realização da consulta popular junto com as eleições gerais de 2014, “sem custos”.
 
Ouvido pelo blog, Eduardo Cunha declarou: “A bancada do PMDB prefere, obviamente, o referendo. Mas pode aceitar um plebiscito se ele for feito junto com as eleições de 2014. O que ninguém aceita é o plebiscito solteiro. Creio que isso não passará.”
E se o Planalto insistir?, indagou o repórter. “Se quiserem o plebiscito solteiro, a tendência da minha bancada é de não apoiar.”
 
A posição do líder do partido do vice-presidente Michel Temer já fulmina a ideia de coesão insinuada no declaratório dos operadores de Dilma.
Mas o dissenso não é feito apenas de Eduardo Cunha. Há muito mais. Contabilizando-se as discordâncias, verifica-se que o Planalto flerta com o malogro.
 
O senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, divergiu de Dilma por escrito. Ele entregou à presidente um documento.
Na peça, anota três coisas:

1) o PP também quer a reforma política.
2) O tema, por complexo, não cabe num plebiscito.
3) O mais adequado seria um referendo, modalidade de consulta na qual o povo é ouvido depois que o Congresso toma suas decisões, podendo referendá-las ou não.
 
O texto do PP reproduz levantamento feito pelo senador Francisco Dornelles (RJ) sobre os temas que poderiam constar do plebiscito.

São oito assuntos, subdivididos em múltiplas opções. Somando-se todas as alternativas, o eleitor seria convidado a analisar 29 possibilidades –desde o tipo de voto (obrigatório ou facultativo?) até a duração do mandato presidencial (4 ou 5 anos?) e o instituto da reeleição (mantém ou acaba?).
 
“Não é fácil organizar um plebliscito”, disse Ciro Nogueira ao blog. “Falei isso na reunião. Depois que decidir sobre os temas, tem que aprovar nas duas Casas do Congresso. Então, tem que dar o tempo para fazer a propaganda no rádio e na tevê. Daí, realiza-se o plebiscito. Em seguida, o Congresso precisa aprovar a reforma política propriamente dita. De novo, na Câmara e no Senado. Vamos fazer tudo isso em 90 dias, como estão querendo? Não creio que seja possível.”
 
Ciro Nogueira foi ao ponto:

“Meu grande temor é o seguinte: na semana que vem esse assunto será jogado no Congresso. Se der errado, a culpa será de quem? Vão responsabilizar o Parlamento? Eu não vou assumir esse ônus.” Ex-ministro de Lula e atual vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal, Geddel Vieira Lima foi mais específico. Presidente do PMDB da Bahia, Geddel falou sobre o plebiscito de Dilma numa entrevista à Rádio CBN de Salvador (disponível aqui). Acha que o plebiscito foi uma boa resposta aos protestos?, indagou o entrevistador.
 
E Geddel:
“Não acho, não. É uma inversão das prioridades. O que o povo está dizendo não é que quer uma reforma política, apesar de ela ser necessária. [...] O que o povo está dizendo é: eu quero gestão. Eu quero saúde pública de qualidade, quero posto de saúde que tenha médico. Eu quero uma segurança pública que nos tire esse medo que estamos vivendo. Eu quero transporte de qualidade…”
 
Nas entrelinhas, Geddel endossa o discurso dos oposicionistas PSDB, DEM e PPS, legendas que enxergam no plebiscito uma “cortina de fumaça” à qual Dilma recorre para “fugir” do essencial. Membro da Executiva nacional do PMDB, Geddel cobrará do colegiado, que se reúne na terça-feira (2), uma posição sobre o plebiscito. O líder Eduardo Cunha também quer discutir a matéria na Executiva.
 
As rachaduras do conglomerado governista aumentam quando o debate desce ao detalhamento das questões que cada um deseja incluir no plebiscito.
Segundo Aloizio Mercadante, Dilma quer uma consulta enxuta. Coisa de quatro ou cinco questões: “Vamos tratar daquilo que é essencial, das balizas.”
Beleza. Agora só falta combinar com os russos do condomínio.
 
Líder do PDT, o deputado André Figueiredo (CE) sugeriu na reunião com Dilma que o povo seja ouvido até sobre a hipótese de o Congresso brasileiro tornar-se unicameral. Algo que implicaria na extinção do Senado.
Antes de a presidente entrar na sala de reuniões, Figueiredo não resistiu à piada: se não dá para tirar o Renan Calheiros, acabamos com o Senado, disse, ateando risos nos presentes.
 
Jovair Arantes (GO), líder do PTB na Câmara, propôs enfiar dentro do questionário do plebiscito uma pergunta sobre o modelo de concessões públicas de emissoras de televisão. Afora as excentricidades, os aliados desejam ouvir o povo também sobre temas que Dilma prefere deixar quietos.
 
Presidente interino do PTB, o ex-deputado baiano Benito Gama, recém acomodado por Dilma numa das vice-presidências do Banco do Brasil, sugeriu que o povo seja ouvido sobre reeleição. Os senadores Valdir Raupp (RO) e Eunício Oliveira (CE), respectivamente líder e presidente interino do PMDB, também informaram que o partido do vice de Dilma quer saber o que o povo pensa sobre a reeleição do presidente da República. Eventuais mudanças vigorariam apenas a partir de 2018, apressaram-se em declarar.
 
Líder do PSB, o deputado Beto Albuquerque (RS), um entusiasta da candidatura presidencial do governador pernambucano Eduardo Campos, afirmou que sua legenda quer incluir na consulta questões sobre a unificação de todas as eleições e -olha ela aí de novo- o fim da reeleição. Só para 2018, Beto também fez questão de avisar.
 
Eduardo Cunha, o líder do PMDB, propõe incluir outro tema que Dilma e Cia. refugam: sistema de governo. “Nós vivemos um dilema. Nossa Constituição é parlamentarista e o regime é presidencialista. É um tema essencial.” Isso, claro, se o governo concordar com o plebiscito feito em 2014, sem açodamentos.
 
Dilma quer porque quer disputar 2014 já sob novas regras. O diabo é que, pela Constituição, mudanças nas regras eleitorais só podem ser aplicadas se forem feitas um ano antes do jogo.
Como que antevendo as dificuldades, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), levou à mesa uma saída esquisita. Ele defende que o princípio da anualidade seja excepcionalmente flexibilizado. O que faria com que a reforma política começasse sob o signo do vale-tudo.
 
Renan tornou-se um fervoroso defensor do plebiscito. Abraçou a causa com tanta ênfase que seus próprios correligionários enxergam segundas intenções por trás do gesto. O que se diz nos subterrâneos do PMDB é que o senador alardeia o plebiscito para tentar abafar o ‘Fora, Renan’, slogan encontradiço nas manifestações.

28 de junho de 2013
Josias de Souza - UOL

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