Pais e escolas explicam a onda de protestos para crianças. Pequenos questionam a família sobre as movimentações e demonstram interesse no tema. Pedagoga explica que é necessário usar linguagem acessível e exemplos para que a criança seja capaz de ter a própria opinião
Na semana passada, Tomás percebeu uma movimentação diferente durante o percurso que faz todos os dias de casa até a escola, na Barra da Tijuca, no Rio. Do carro, viu que uma rua estava com o acesso bloqueado por policiais. Reclamou com a mãe, a jornalista Flávia Bartholo, que chegaria atrasado à aula. Para acalmá-lo, ela fez então um resumo rápido do que estava acontecendo. O menino de 6 anos prestou atenção à explicação, mas correu para a sala quando chegou à porta do colégio. No dia seguinte, Tomás voltou ao assunto, e a mãe contou sobre o aumento das passagens de ônibus e sobre as manifestações que já tomavam as ruas de várias cidades do país.
— Esse episódio foi uma boa forma de falar para ele um pouco sobre direitos e deveres em uma escala maior. Também foi legal falar sobre a importância de escolher representantes certos, ainda que ele seja tão pequeno. Acho que ele entendeu o recado — acredita Flávia.
Questionamentos semelhantes aos de Tomás estiveram presentes, nas últimas semanas, nas casas de muitas outras famílias brasileiras com crianças e adolescentes. Até mesmo os mais novinhos surpreenderam os adultos com tamanha curiosidade. Miguel Crespo, de 8 anos, por exemplo, quis saber mais sobre o protesto que viu na TV. João Pedro Alencar, de 10 anos, estranhou a confusão na saída do Maracanã, após o jogo entre Espanha e Taiti na Copa das Confederações. Já Camila Monteiro, de apenas 4 anos, ouviu, atentamente, a mãe contar sobre a insatisfação dos brasileiros com alguns políticos. Depois, perguntou:
— Quando eles vão parar de fazer bobeira, hein?
Com a mesma idade de Camila, Bernardo também mostrou interesse sobre o tema. Para facilitar o entendimento, o pai do menino comparou o Brasil à escola do filho.
— Tentei fazer uma comparação com a realidade que ele vive e com as coisas que ele deseja melhorar no microcosmo do seu cotidiano — conta o pai de Bernardo, o analista de sistemas Maximiliano Damian, que levou o menino para uma manifestação organizada pela internet que reuniu cerca de 200 pais e crianças no último domingo, no Aterro do Flamengo, no Rio.
Para a pedagoga da PUC de São Paulo Maria Angelo Barbato Carneiro, a maneira usada por Maximiliano para explicar um assunto ainda complexo para muitos adultos foi correta.
— É preciso usar uma linguagem acessível e exemplos próximos à realidade infantil para que a criança seja capaz de ter a própria opinião. A comunicação desse pensamento deve ser incentivada e pode ser feita através de desenhos, colagens e cartazes — ensina Maria Angela.
Uma “oficina” de cartazes foi justamente a grande atração no ato infantil ao qual Maximiliano levou o filho, no domingo. E foi nesse espírito de brincadeira e bom-humor que muitos pais aproveitaram para ensinar cidadania aos filhos. Entre os cartazes, as carrocinhas de sorvetes e até uma atriz fantasiada de Branca de Neve, as crianças gostaram de pintar o rosto de verde e amarelo e de correr pelos gramados do Aterro. Em várias rodas de conversa, os adultos aproveitavam para discutir política — algumas vezes com biscoito recheado na mão, mochila cor-de-rosa no ombro e fralda descartável cobrindo a boca, imitando, em tom de galhofa, a máscara contra gás lacrimogêneo.
Ensinar por meio da arte é exatamente o que foi feito no Colégio Antares, na Ilha do Governador. A manifestações, motivos de debate nas aulas de História entre as crianças entre 8 e 9 anos, viraram expressão artística em trabalhos que estão espalhados pelos corredores da escola.
— Pedi que os meus alunos trouxessem cartolina para cada um fazer seu próprio cartaz de protesto. Antes, quis saber o que eles estavam observando e entendendo dos protestos, e fiquei surpresa com a quantidade de informações que eles tinham — diz a professora Adriana Andrade.
A aluna Beatriz Miranda, de 9 anos, gostou de trocar informações com os amigos e de ter sua opinião apresentada em sala.
— Eu achava que era só pelos R$ 0,20, mas hoje sei que é por mais educação, saúde e melhores salários. Acho que as manifestações vão fazer o meu futuro e o dos meus amigos melhor — acredita Beatriz.
No colégio Mopi, na Tijuca, o assunto esteve presente nas aulas de História e Geografia. A professora Liliana Souza fez um paralelo das manifestações atuais com os temas estudados pela turma de quinto ano: independência do Brasil e mudança da monarquia para a república.
— Os estudantes que têm entre 9 e 10 anos já estavam familiarizados com o processo de luta que foi a conquista do voto. Eles sabem a importância desse direito e como o povo se sentia ao ser excluído da escolha política. Corrupção e desigualdades sociais já eram temas conhecidos — explica a professora.
Pai de Pedro, de 9 anos, o produtor cultural Bruno Levinson comemora o crescente debate entre as famílias e não vê motivos para que as questões não sejam abordadas em casa:
— Não acho que seja tão difícil assim entender o que estamos vivendo. Muito pelo contrário. É simples perceber que as pessoas não aguentam mais pagar tantos impostos e ter serviços de tão baixa qualidade.
O fato é que cada pai e mãe deve saber até onde pode avançar no tema com os próprios filhos. É fundamental usar linguagem simples e estar aberto às dúvidas dos pequenos.
— Não há como subestimá-los frente às informações que recebem diariamente. Mas também não dá para entrar numa discussão política com uma criança de 5 anos. É preciso que os pais se informem bastante e tenham um panorama geral do que está acontecendo antes de qualquer conversa — orienta a psicóloga e psicanalista Junia Vilhena.
28 de junho de 2013
Roberta Salomone - O Globo
Na semana passada, Tomás percebeu uma movimentação diferente durante o percurso que faz todos os dias de casa até a escola, na Barra da Tijuca, no Rio. Do carro, viu que uma rua estava com o acesso bloqueado por policiais. Reclamou com a mãe, a jornalista Flávia Bartholo, que chegaria atrasado à aula. Para acalmá-lo, ela fez então um resumo rápido do que estava acontecendo. O menino de 6 anos prestou atenção à explicação, mas correu para a sala quando chegou à porta do colégio. No dia seguinte, Tomás voltou ao assunto, e a mãe contou sobre o aumento das passagens de ônibus e sobre as manifestações que já tomavam as ruas de várias cidades do país.
— Esse episódio foi uma boa forma de falar para ele um pouco sobre direitos e deveres em uma escala maior. Também foi legal falar sobre a importância de escolher representantes certos, ainda que ele seja tão pequeno. Acho que ele entendeu o recado — acredita Flávia.
Questionamentos semelhantes aos de Tomás estiveram presentes, nas últimas semanas, nas casas de muitas outras famílias brasileiras com crianças e adolescentes. Até mesmo os mais novinhos surpreenderam os adultos com tamanha curiosidade. Miguel Crespo, de 8 anos, por exemplo, quis saber mais sobre o protesto que viu na TV. João Pedro Alencar, de 10 anos, estranhou a confusão na saída do Maracanã, após o jogo entre Espanha e Taiti na Copa das Confederações. Já Camila Monteiro, de apenas 4 anos, ouviu, atentamente, a mãe contar sobre a insatisfação dos brasileiros com alguns políticos. Depois, perguntou:
— Quando eles vão parar de fazer bobeira, hein?
Com a mesma idade de Camila, Bernardo também mostrou interesse sobre o tema. Para facilitar o entendimento, o pai do menino comparou o Brasil à escola do filho.
— Tentei fazer uma comparação com a realidade que ele vive e com as coisas que ele deseja melhorar no microcosmo do seu cotidiano — conta o pai de Bernardo, o analista de sistemas Maximiliano Damian, que levou o menino para uma manifestação organizada pela internet que reuniu cerca de 200 pais e crianças no último domingo, no Aterro do Flamengo, no Rio.
Para a pedagoga da PUC de São Paulo Maria Angelo Barbato Carneiro, a maneira usada por Maximiliano para explicar um assunto ainda complexo para muitos adultos foi correta.
— É preciso usar uma linguagem acessível e exemplos próximos à realidade infantil para que a criança seja capaz de ter a própria opinião. A comunicação desse pensamento deve ser incentivada e pode ser feita através de desenhos, colagens e cartazes — ensina Maria Angela.
Uma “oficina” de cartazes foi justamente a grande atração no ato infantil ao qual Maximiliano levou o filho, no domingo. E foi nesse espírito de brincadeira e bom-humor que muitos pais aproveitaram para ensinar cidadania aos filhos. Entre os cartazes, as carrocinhas de sorvetes e até uma atriz fantasiada de Branca de Neve, as crianças gostaram de pintar o rosto de verde e amarelo e de correr pelos gramados do Aterro. Em várias rodas de conversa, os adultos aproveitavam para discutir política — algumas vezes com biscoito recheado na mão, mochila cor-de-rosa no ombro e fralda descartável cobrindo a boca, imitando, em tom de galhofa, a máscara contra gás lacrimogêneo.
Ensinar por meio da arte é exatamente o que foi feito no Colégio Antares, na Ilha do Governador. A manifestações, motivos de debate nas aulas de História entre as crianças entre 8 e 9 anos, viraram expressão artística em trabalhos que estão espalhados pelos corredores da escola.
— Pedi que os meus alunos trouxessem cartolina para cada um fazer seu próprio cartaz de protesto. Antes, quis saber o que eles estavam observando e entendendo dos protestos, e fiquei surpresa com a quantidade de informações que eles tinham — diz a professora Adriana Andrade.
A aluna Beatriz Miranda, de 9 anos, gostou de trocar informações com os amigos e de ter sua opinião apresentada em sala.
— Eu achava que era só pelos R$ 0,20, mas hoje sei que é por mais educação, saúde e melhores salários. Acho que as manifestações vão fazer o meu futuro e o dos meus amigos melhor — acredita Beatriz.
No colégio Mopi, na Tijuca, o assunto esteve presente nas aulas de História e Geografia. A professora Liliana Souza fez um paralelo das manifestações atuais com os temas estudados pela turma de quinto ano: independência do Brasil e mudança da monarquia para a república.
— Os estudantes que têm entre 9 e 10 anos já estavam familiarizados com o processo de luta que foi a conquista do voto. Eles sabem a importância desse direito e como o povo se sentia ao ser excluído da escolha política. Corrupção e desigualdades sociais já eram temas conhecidos — explica a professora.
Pai de Pedro, de 9 anos, o produtor cultural Bruno Levinson comemora o crescente debate entre as famílias e não vê motivos para que as questões não sejam abordadas em casa:
— Não acho que seja tão difícil assim entender o que estamos vivendo. Muito pelo contrário. É simples perceber que as pessoas não aguentam mais pagar tantos impostos e ter serviços de tão baixa qualidade.
O fato é que cada pai e mãe deve saber até onde pode avançar no tema com os próprios filhos. É fundamental usar linguagem simples e estar aberto às dúvidas dos pequenos.
— Não há como subestimá-los frente às informações que recebem diariamente. Mas também não dá para entrar numa discussão política com uma criança de 5 anos. É preciso que os pais se informem bastante e tenham um panorama geral do que está acontecendo antes de qualquer conversa — orienta a psicóloga e psicanalista Junia Vilhena.
28 de junho de 2013
Roberta Salomone - O Globo
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