"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 28 de junho de 2013

PAIS E ESCOLAS EXPLICAM PARA CRIANÇAS A ONDE DE PROTESTOS CONTRA O LULISMO

 
Pais e escolas explicam a onda de protestos para crianças.  Pequenos questionam a família sobre as movimentações e demonstram interesse no tema.  Pedagoga explica que é necessário usar linguagem acessível e exemplos para que a criança seja capaz de ter a própria opinião

 

Crianças desenham o que pensam sobre os protestos pelo país
Foto: Arquivo Pessoal
Crianças desenham o que pensam sobre os protestos pelo país Arquivo Pessoal
 
 Na semana passada, Tomás percebeu uma movimentação diferente durante o percurso que faz todos os dias de casa até a escola, na Barra da Tijuca, no Rio. Do carro, viu que uma rua estava com o acesso bloqueado por policiais. Reclamou com a mãe, a jornalista Flávia Bartholo, que chegaria atrasado à aula. Para acalmá-lo, ela fez então um resumo rápido do que estava acontecendo. O menino de 6 anos prestou atenção à explicação, mas correu para a sala quando chegou à porta do colégio. No dia seguinte, Tomás voltou ao assunto, e a mãe contou sobre o aumento das passagens de ônibus e sobre as manifestações que já tomavam as ruas de várias cidades do país.
 

Questionamentos semelhantes aos de Tomás estiveram presentes, nas últimas semanas, nas casas de muitas outras famílias brasileiras com crianças e adolescentes. Até mesmo os mais novinhos surpreenderam os adultos com tamanha curiosidade. Miguel Crespo, de 8 anos, por exemplo, quis saber mais sobre o protesto que viu na TV. João Pedro Alencar, de 10 anos, estranhou a confusão na saída do Maracanã, após o jogo entre Espanha e Taiti na Copa das Confederações. Já Camila Monteiro, de apenas 4 anos, ouviu, atentamente, a mãe contar sobre a insatisfação dos brasileiros com alguns políticos. Depois, perguntou:
 
— Quando eles vão parar de fazer bobeira, hein?
 
Com a mesma idade de Camila, Bernardo também mostrou interesse sobre o tema. Para facilitar o entendimento, o pai do menino comparou o Brasil à escola do filho.
 
— Tentei fazer uma comparação com a realidade que ele vive e com as coisas que ele deseja melhorar no microcosmo do seu cotidiano — conta o pai de Bernardo, o analista de sistemas Maximiliano Damian, que levou o menino para uma manifestação organizada pela internet que reuniu cerca de 200 pais e crianças no último domingo, no Aterro do Flamengo, no Rio.
 
Para a pedagoga da PUC de São Paulo Maria Angelo Barbato Carneiro, a maneira usada por Maximiliano para explicar um assunto ainda complexo para muitos adultos foi correta.
 
— É preciso usar uma linguagem acessível e exemplos próximos à realidade infantil para que a criança seja capaz de ter a própria opinião. A comunicação desse pensamento deve ser incentivada e pode ser feita através de desenhos, colagens e cartazes — ensina Maria Angela.

Uma “oficina” de cartazes foi justamente a grande atração no ato infantil ao qual Maximiliano levou o filho, no domingo. E foi nesse espírito de brincadeira e bom-humor que muitos pais aproveitaram para ensinar cidadania aos filhos. Entre os cartazes, as carrocinhas de sorvetes e até uma atriz fantasiada de Branca de Neve, as crianças gostaram de pintar o rosto de verde e amarelo e de correr pelos gramados do Aterro. Em várias rodas de conversa, os adultos aproveitavam para discutir política — algumas vezes com biscoito recheado na mão, mochila cor-de-rosa no ombro e fralda descartável cobrindo a boca, imitando, em tom de galhofa, a máscara contra gás lacrimogêneo.
 
Ensinar por meio da arte é exatamente o que foi feito no Colégio Antares, na Ilha do Governador. A manifestações, motivos de debate nas aulas de História entre as crianças entre 8 e 9 anos, viraram expressão artística em trabalhos que estão espalhados pelos corredores da escola.
 
— Pedi que os meus alunos trouxessem cartolina para cada um fazer seu próprio cartaz de protesto. Antes, quis saber o que eles estavam observando e entendendo dos protestos, e fiquei surpresa com a quantidade de informações que eles tinham — diz a professora Adriana Andrade.
 
A aluna Beatriz Miranda, de 9 anos, gostou de trocar informações com os amigos e de ter sua opinião apresentada em sala.
 
— Eu achava que era só pelos R$ 0,20, mas hoje sei que é por mais educação, saúde e melhores salários. Acho que as manifestações vão fazer o meu futuro e o dos meus amigos melhor — acredita Beatriz.
 
No colégio Mopi, na Tijuca, o assunto esteve presente nas aulas de História e Geografia. A professora Liliana Souza fez um paralelo das manifestações atuais com os temas estudados pela turma de quinto ano: independência do Brasil e mudança da monarquia para a república.
 
— Os estudantes que têm entre 9 e 10 anos já estavam familiarizados com o processo de luta que foi a conquista do voto. Eles sabem a importância desse direito e como o povo se sentia ao ser excluído da escolha política. Corrupção e desigualdades sociais já eram temas conhecidos — explica a professora.
 
Pai de Pedro, de 9 anos, o produtor cultural Bruno Levinson comemora o crescente debate entre as famílias e não vê motivos para que as questões não sejam abordadas em casa:
 
— Não acho que seja tão difícil assim entender o que estamos vivendo. Muito pelo contrário. É simples perceber que as pessoas não aguentam mais pagar tantos impostos e ter serviços de tão baixa qualidade.
 
O fato é que cada pai e mãe deve saber até onde pode avançar no tema com os próprios filhos. É fundamental usar linguagem simples e estar aberto às dúvidas dos pequenos.
 
— Não há como subestimá-los frente às informações que recebem diariamente. Mas também não dá para entrar numa discussão política com uma criança de 5 anos. É preciso que os pais se informem bastante e tenham um panorama geral do que está acontecendo antes de qualquer conversa — orienta a psicóloga e psicanalista Junia Vilhena.

28 de junho de 2013
Roberta Salomone - O Globo

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