Artigos - Cultura
“Dai a César o que é de César
E a Deus o que é de Deus”
Não vou duvidar das boas intenções do Papa Francisco em sua última alocução durante a missa na capela de sua residência em Santa Marta. Nessa oportunidade ele disse: “Para seguir a Jesus é necessário se despojar da cultura do bem-estar e da fascinação pelo provisório... As riquezas são um impedimento no caminho para o reino de Deus”. Agora bem, creio que a boa-fé não impede as contradições.
Todas as suas palavras anteriores foram dirigidas supostamente a eliminar a pobreza, e agora resulta que, segundo suas palavras, nela se encontra o caminho para o céu. Tanto é assim que fez a crítica aos governos por se preocupar pelos bancos e não pelos pobres. A estas alturas já deveríamos saber que a existência dos pobres não depende do egoísmo de alguns, senão da improdutividade de todos.
Se o caminho para o céu está determinado pela pobreza, o Papa teria que se preocupar mais pelos ricos do que pelos pobres, pois estes já teriam assegurado o céu. Porém me pergunto: se alcançar o Céu é produto do mérito pelo comportamento na Terra, qual é o mérito implícito dos pobres? Nesse sentido, permitam-me lembrar as palavras de Von Hayek em seu livro Caminho da Servidão: “Fora da esfera da responsabilidade individual não existe nem bondade nem maldade... Somente quando nós somos responsáveis de nosso próprio interesse, e temos a liberdade de sacrificá-lo, nossa decisão tem um valor moral”.
Em sua alocução o Papa parece lembrar como pressuposto primordial do acesso ao Céu a parábola do buraco da agulha. Eu vou me permitir resgatar outros elementos que considero fundamentais do Evangelho que reflitam os princípios do sistema que deu lugar à liberdade e à criação de riqueza pela primeira vez na história, e que Marx denominava capitalismo, para desqualificá-lo eticamente como a exploração do homem pelo homem. O primeiro deles foi a separação do Estado da Igreja.
Em seguida, considero a aceitação da falibilidade do homem: “O justo peca sete vezes” e correspondentemente “o que esteja livre de pecados que atire a primeira pedra”. Ou seja, que já no meio da pobreza circundante da época, os pobres também pecavam.
Outro aspecto significativo a respeito da responsabilidade individual encontra-se reconhecido na parábola dos talentos, assim como a propriedade e o cumprimento dos contratos na parábola da Hora Nona. Poderia recordar que muito mais tarde David Hume reconheceu que a estabilidade da sociedade dependia da segurança na posse e o cumprimento das promessas (sic).
Creio que a validade das palavras anteriores do Evangelho é indubitável. Portanto, se a recente asseveração do Papa representasse a realidade, me atreveria a dizer que há uns duzentos anos a população mundial teria alcançado o Céu.
Como bem o descreve William Bernstein em seu livro “O nascimento da abundância”, nos primeiros 1500 anos depois de Cristo o produto per capita não havia variado substancialmente. Foi só a partir do século XVII, e diria que como conseqüência da Glorious Revolution que teve lugar na Inglaterra em 1688, e se reconhecessem os princípios citados do evangelho e se produzisse a Revolução Industrial, que começou a criação de riquezas no mundo. Ou melhor, nesse mundo ocidental que aceitou o sistema. Fundamentalmente os Estados Unidos.
Foi o próprio Marx quem reconheceu o início da criação da riqueza, e no Manifesto Comunista de 1848 escreveu: “A burguesia durante seu reinado de escassos cem anos, criou mais massivas e mais colossais forças produtivas do que todas as gerações que lhe precederam em conjunto”.
Não obstante haver tomado consciência desse fato histórico incontrovertível, me pergunto: como lhe foi possível ignorar e mesmo desqualificar os princípios em que se sustentava esse fenômeno da história? De suas palavras tudo parece indicar que ele considerava que essa riqueza havia caído do céu, e tanto assim que escreveu:
“A moderna sociedade burguesa com suas relações de produção e intercâmbio, é como um bruxo que já não é capaz de controlar os poderes do sub-mundo que chamou por seus encantos”.
Creio que quem não foi capaz de compreender a razão de ser da criação de riquezas foi precisamente Marx. E a história demonstrou que todo esse mundo que aceitou as premissas marxistas conforme às quais se passaria de “a cada um de acordo com suas habilidades” para “a cada um de acordo com suas necessidades”, a única coisa que produziu foi mais necessidades e em alguns casos mais tristes a falta de liberdade.
Não obstante, predisse o nirvana do comunismo, onde desaparecida a propriedade privada e por obra da ditadura do proletariado, o Estado feneceria. E tal como sustenta na filosofia alemã, desapareceria a divisão do trabalho e a sociedade encarregada da criação de riquezas permitiria que cada um pela manhã pudesse pescar, à tarde tocar o gado e à noite dar conferências (sic).
Não foi outro senão Eduard Bernstein que em seu livro “As pré-condições do socialismo” contradisse Marx no que se referia à necessidade da revolução para alcançar o socialismo. Depois de confundir os dois sistemas políticos mais antagônicos que a história criou, e propor que o socialismo era uma etapa superior do liberalismo, propôs que se podia chegar ao socialismo democraticamente e lamentavelmente teve razão.
Aí temos o “estado de mal-estar” na Europa e o Socialismo do Século XXI na América Latina.
E digo lamentavelmente pois, não obstante a evidência do fracasso do socialismo, tudo parece indicar que a demagogia vigente impede toda possibilidade de evitá-lo. E nem há o que dizer do socialismo stalinista, cujo fracasso se evidenciou com a queda do muro de Berlim, mas não obstante persiste o muro do Malecón, do qual ninguém parece se preocupar.
Como disse, a história mostrou como o socialismo, incapaz de satisfazer as necessidades, as cria. Poderia concluir então que, a fim de conseguir a suposta virtude dos pobres, o socialismo é o caminho indicado. E tenhamos em conta que ele não só não gera riqueza, senão que a que resta os que a repartem se apropriam de diversas maneiras. E valha a redundância, porém o socialismo tende ao totalitarismo e definitivamente foi a origem filosófica do fascismo e do nazismo.
Enfim, todo meu discurso anterior a respeito das aparentes contradições de Francisco, não diminuem meu respeito por suas intenções. É assim que igualmente aprecio que tenha recebido a chefe das Damas de Branco que reclamam a liberdade e os direitos para os cubanos, e não visitou Fidel Castro como seus dois antecessores.
Do mesmo modo sua intenção de reconhecer a liberdade religiosa. Não é demais dizer que o Papa enfrenta uma situação difícil no Vaticano, onde tudo parece indicar que prevalece a corrupção e ele se arriscou a contradizê-la e parece pretender fechar o banco do Vaticano, que parece veio substituir o Banco Ambrosiano. Do mesmo modo enfrenta a problemática presente da Igreja ante a evidência da pedofilia recorrente. Deus queira que ele tenha êxito em seus propósitos de saneamento do Vaticano e que não lhe custe a vida como foi a seu antecessor João Paulo I.
Por último, mas não menos importante, e dado a aparente vigência de seu papado na ordem política, que compreenda sua contradição e ajude os países a sair da pobreza reconhecendo as virtudes do evangelho assinaladas anteriormente, e lembrando as palavras de Leão XIII na encíclica Rerum Novarum:
“Na sociedade civil não podem ser todos iguais, os altos e os baixos. Afanam-se, na verdade os socialistas, porém esse afã é vão e contra a natureza mesma das coisas. Porque a natureza mesma pôs nos homens grandíssimas e muitíssima desigualdades. Não são iguais os talentos de todos, nem igual o engenho, nem a saúde nem a força, e à necessária desigualdade dessas coisas segue espontaneamente a desigualdade na fortuna. A qual é por certo conveniente à utilidade, assim dos particulares como da comunidade”.
“Na sociedade civil não podem ser todos iguais, os altos e os baixos. Afanam-se, na verdade os socialistas, porém esse afã é vão e contra a natureza mesma das coisas. Porque a natureza mesma pôs nos homens grandíssimas e muitíssima desigualdades. Não são iguais os talentos de todos, nem igual o engenho, nem a saúde nem a força, e à necessária desigualdade dessas coisas segue espontaneamente a desigualdade na fortuna. A qual é por certo conveniente à utilidade, assim dos particulares como da comunidade”.
02 de junho de 2013
Armando Ribas
Tradução: Graça Salgueiro
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