Dilma Rousseff tem pouco tempo e meios para fazer reforma útil e politicamente rentável para si
NÃO É ELEGANTE nem preciso dizer que Dilma Rousseff tornou-se o bode expiatório da crise, mas recaiu sobre a presidente a maioria das pragas e pedras lançadas nas ruas, pelo menos entre os políticos mais importantes.
A deselegância fica por conta da comparação zoológica; a imprecisão está em sugerir que Dilma não mereça também sua cota de malhação.
O povo bate talvez porque "l'État c'est elle", o "Estado é ela", porque consideramos presidentes como reis e rainhas da cocada preta, pois encarnam a ideia de "coisas do governo" ao lado de uma massa indiferenciada e inominada de "políticos", em geral parlamentares, os membros da "corte corrupta", nossa versão de Versalhes. Em suma, com dois anos e meio de governo do Executivo federal, Dilma paga também novas e velhas contas municipais, estaduais, parlamentares, embora não seja protestada especificiamente por suas principais dívidas.
Isto posto, o que Dilma fazer para se livrar do imenso mau olhado que em uma quinzena passou a receber do eleitorado?
Mesmo que tenha uma revelação damascena, que veja a luz na estrada estropiada da economia, Dilma não vai ganhar muito com isso. A princípio, melhorias na política econômica vão causar estragos na vida do eleitorado. Uma ínfima elite talvez perceba os benefícios da eventual virada. Mas boa parte dessa elite vai achar apenas que Dilma então não terá feito mais do que sua obrigação, e olhe lá.
"Saúde, educação e transporte" são projetos para décadas (umas duas), se houver projeto (não há) e consenso sobre obtenção e redivisão de recursos públicos (o dinheiro não está numa arca roubada por Versalhes).
De resto, tais assunto não dependem só (ou dependem pouco) de Dilma, que, no entanto, jamais deu bola para a educação primária, a escassez e desordem do SUS e para a privatização à matroca da saúde. Educação primária não é responsabilidade federal, mas, sem liderança presidencial, não vai.
Dilma pode inventar umas pirotecnias demagógicas, tais como essas do Congresso (royalties para educação, crimes hediondos etc.). Enxugar o ministério monstro seria útil, embora café pequeno, e pode ou não colar bem ("por que só agora?", o povo pode perguntar).
Reforma séria, que não é a política, demora tempo para projetar, negociar e implementar. Se a "voz das ruas" tivesse um megafone reconhecível, organização e liderança legítimas, poderia haver uma negociação séria, tentativa de aprendizado coletivo e deliberações a respeito do que é preciso fazer, pactos críveis. Por ora, não há.
Talvez Dilma e o PT tenham de lembrar aos movimentos sociais "cooptados" e povo miúdo que a vida deles melhorou um tico (investir na divisão social e política). "Cooptados", entre aspas: quando a gente concorda com o povo, "o Brasil acordou"; quando não concorda, ele é um idiota manipulado que apoia governos em troca de migalhas.
Mas não vai bastar, dada a presente ira. Aí que mora o perigo: invencionices, tal como a reforma política, tentativas de engenharia institucional que tendem a dar apenas num Frankenstein novo. Na falta de tempo, de ideias, de política, o governo pode ficar tentado a vir com mais mágicas e milagres.
02 de julho de 2013
Vinicius Torres Freire, Folha de São Paulo
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