As manifestações contra a corrupção e a prisão de um deputado federal ocorrem no momento em que o STF se prepara para decidir se a Justiça existe mesmo para todos
No fim do ano passado, a Justiça brasileira apresentou a prova mais contundente de que as instituições são capazes de reagir com rigor à corrupção ao condenar à prisão 25 pessoas acusadas de participar do mensalão, o maior escândalo político da história recente. Seis meses depois de anunciadas as sentenças, porém, ninguém está preso. Os advogados dos réus ainda tentam, através de recursos, reduzir algumas penas e até mesmo reabrir o julgamento. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, confirmou que a análise dos recursos será iniciada em agosto, logo depois do recesso forense.
A hipótese de uma reviravolta no resultado é considerada remota, mas tecnicamente ela existe. No mínimo, acreditavam os advogados dos réus, os recursos postergariam em pelo menos dois anos o início do cumprimento da pena. Na semana passada, o STF emitiu um sinal contundente de que não será tolerante com chicanas. Em uma decisão inédita desde a redemocratização do Brasil, a corte expediu um mandado de prisão contra um deputado federal condenado — e produziu um acontecimento não menos raro: o parlamentar foi preso e encaminhado à penitenciária.
O deputado Natan Donadon, eleito pelo PMDB, foi condenado por participar de um esquema que desviou recursos públicos na Assembleia Legislativa de Rondônia. As investigações revelaram que o grupo surrupiou em quatro anos o equivalente, em valores atualizados, a 58 milhões de reais. Dinheiro, como sempre, que faltou nas escolas e nos hospitais do estado — uma das causas que levaram milhares de pessoas às ruas nas últimas semanas.
O parlamentar foi condenado a treze anos de prisão pelos crimes de peculato (desvio de dinheiro público para proveito próprio ou alheio) e formação de quadrilha. Ficará, no mínimo, dois anos cumprindo pena em regime fechado. Na avaliação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, o julgamento do deputado pode servir de precedente para os réus do mensalão. O STF considerou como protelatórios os recursos impetrados pela defesa do parlamentar, cuja sentença foi anunciada há quase três anos. "Estávamos diante dos segundos embargos declaratórios", explicou o procurador-geral.
"A conclusão a que chegou o STF nesse caso deverá ter repercussão na ação penal 470 (mensalão)." Essa possibilidade deixou os mensaleiros em pânico.
À espera do julgamento dos recursos que apresentaram ao tribunal, alguns dos condenados davam como certo que conseguiriam amenizar as penas que lhes foram atribuídas. A decisão do Supremo, combinada com as multidões sublevadas bradando contra a corrupção, arrefeceu as esperanças dos mais otimistas, a ponto de advogados que atuam no caso admitirem que agora as chances de as penas serem aliviadas baixaram para perto de zero.
No caso do ex-ministro José Dirceu, condenado por chefiar a quadrilha que desviava dinheiro público para subornar parlamentares no Congresso, e do ex-presidente do PT José Genoino, a redução de alguns anos nas penas já seria suficiente para livrá-los do regime fechado. No calor dos protestos espalhados pelo país, coube a Joaquim Barbosa dar uma contribuição extra para ampliar o temor entre os condenados. Perguntado sobre os reflexos que as manifestações de rua podem provocar no caso, o ministro disse que elas "vão interferir no sentido de termos uma resposta rápida".
É tudo o que os mensaleiros não querem. Na quarta-feira passada, o advogado Luís Roberto Barroso tomou posse como o 11° integrante da corte. Ele também saudou as manifestações. "Essa energia criativa, construtiva, que está vindo das ruas, da sociedade brasileira, certamente fará muito bem ao país", disse o novo ministro.
Era justamente com Barroso e com Teori Zavascki, outro recém-chegado ao tribunal, que os mensaleiros mais contavam em seus planos de ter as penas abrandadas. Antes de ser empossado, Barroso chegou a declarar que o veredicto no processo do mensalão havia sido um "ponto fora da curva" no histórico da corte. Quis ressaltar o ineditismo do caso. Os condenados, por óbvio, interpretaram a declaração da maneira que lhes era mais conveniente. Mas será mesmo que o novo ministro considera que o tribunal extrapolou?
A resposta só será conhecida em agosto, quando Barroso e Teori Zavas-cki — ambos escolhidos e nomeados pela presidente Dilma Rousseff após o veredicto que condenou os mensaleiros — se manifestarão pela primeira vez no processo, justamente na apreciação dos recursos. Os dois ministros vão ajudar a escrever o derradeiro capítulo da história. Sobre o caso. Barroso limitou-se a repetir que o país precisa "virar a página do mensalão". Dependendo da interpretação que se dê a essa declaração, há realmente razão para o clima de pânico que se instalou entre os mensaleiros.
02 de julho de 2013
Rodrigo Rangel - Veja
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