Brasil precisa se acostumar com novo patamar do dólar e mudar sua estratégia econômica para tirar o melhor proveito da situação
Chegou ao fim a fase de bonança externa, que durou de 2004 a 2011 e decorreu da alta dos preços das exportações brasileiras --ocasionada pela demanda chinesa por matérias-primas e, mais recentemente, pelo aumento do fluxo de capitais para países emergentes.
Nesse período, os termos de troca (a relação entre os preços das exportações e os das importações) subiram 40%, algo inédito nas últimas décadas. Foi um presente externo que equivaleu, em seu melhor momento, a uma afluência de riqueza para o Brasil da ordem de 3% do PIB ao ano.
Graças a esses fatores, o Brasil acumulou US$ 370 bilhões em reservas internacionais. Os resultados dessa sobra de recursos foram a persistente valorização cambial --com a chegada de mais dólares ao país, a cotação cai-- e a redução estrutural da taxa de juros real (já descontada a inflação), que passou de cerca de 8% no início da década passada para 2,5%.
Aspectos internos também favoreceram a aceleração temporária do crescimento. Em 2004, havia enorme capacidade ociosa no mercado de trabalho --a taxa de desemprego caiu de 12,2% naquele ano para 5,5% em 2012-- e amplo espaço para a expansão do crédito --o volume de empréstimos ainda era muito baixo no Brasil.
Políticas de distribuição de renda completaram o ciclo, propiciando uma grande expansão do consumo e a ascensão da chamada nova classe média.
As consequências de tais episódios de abundância de liquidez externa são bem documentadas na história. Se não houver escolhas domésticas que a direcione mais para investimentos produtivos e menos para gastos do governo e consumo privado, a tendência é que se acumulem desequilíbrios.
Alguns dos principais: valorização excessiva do câmbio (que prejudica a competitividade da indústria local), aumento da inflação nos setores de serviços (propiciado pelo ganho de renda) e crescimento desmedido nos preços de ativos, especialmente imóveis.
São padrões visíveis no Brasil nos últimos anos, sobretudo após 2008, quando o governo resolveu dobrar sua aposta no crescimento do consumo e no afrouxamento dos gastos públicos.
Hoje, o ambiente é outro. Os EUA superam a crise e retomam uma trajetória de crescimento --o que deve absorver recursos direcionados aos países emergentes. A China cresce mais devagar --o que deve forçar uma diminuição dos preços de matérias-primas.
Vêm pela frente condições externas mais difíceis para o Brasil: não haverá a mesma abundância de recursos disponíveis, e os termos de troca já estão caindo --desde 2011, a redução foi de 10%.
Nesse ambiente, são mais rígidos os limites para a expansão do consumo que não seja abastecido pela produção doméstica. Recorrer às importações para satisfazer à demanda interna torna-se demasiado custoso. O deficit externo já disparou, e deve chegar a US$ 80 bilhões neste ano --o modelo é, como se vê, insustentável.
O resultado é um movimento estrutural de desvalorização do real. Com o dólar mais caro, diminui o poder de compra do trabalhador brasileiro. Em um cenário adverso como esse, os bancos reduzem a disposição para emprestar (até porque os clientes já estão endividados) e o preço dos imóveis tende a estacionar.
As empresas, por sua vez, param de contratar novos trabalhadores --e não se descarta que venham a demitir parte de sua mão de obra.
Ao lado desses novos riscos há oportunidades para corrigir rumos. É necessário que as estratégias empresariais mudem. O governo, por sua vez, precisa repensar a inserção do Brasil na economia mundial --o país, voltado para o mercado interno, ficou à margem das cadeias globais de produção.
A desvalorização estrutural do câmbio, em si, favorece uma nova etapa de industrialização --ao menos em tese, a produção nacional ganhará competitividade sobre os importados, ora mais caros.
Para que o setor tire proveito desse rearranjo, porém, é preciso focar em produtividade, redução de custos, infraestrutura e capacidade de inovação. Nada disso ocorrerá sem a reconstrução da competência gerencial do Estado e das parcerias com o setor privado.
Outro ponto crítico é o combate à inflação --mais difícil no novo cenário cambial--, para evitar que a vantagem obtida com um real mais fraco seja corroída pelos custos internos ao longo do tempo.
A agenda dos próximos anos exige renovação. Se o governo insistir em manter sua estratégia (ou a falta dela), sem reconhecer a necessidade de mudanças, o país continuará a perder tempo e, provavelmente, passará por adversidades.
22 de julho de 2013
Editorial da Folha
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