"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 30 de julho de 2013

"UM TRUQUE A MENOS"

A Secretaria de Aviação Civil ainda vai manipular o edital para o Galeão antes de entregá-lo ao TCU
 

O governo retirou as exigências --assunto desta coluna no domingo-- que restringiam a concorrência, entre grupos privados, nos leilões de concessão dos aeroportos do Galeão e de Confins (próximo a Belo Horizonte). Os três grupos já vencedores de outras concessões poderão concorrer, se o desejarem, aos dois próximos leilões. Mas o edital que deverá chegar nesta semana ao Tribunal de Contas da União, para o exame prévio, não dispensa novas atenções do Gabinete Civil da Presidência e de outros setores do governo.
 
A Secretaria de Aviação Civil (SAC) ainda vai manipular o edital para o Galeão antes de entregá-lo ao exame do TCU. E basta ver os argumentos precários de certas condições preservadas para perceber o que ronda esses leilões tão valiosos. Por exemplo, a exigência de que grupos concorrentes ao Galeão estejam integrados por controladora de aeroporto estrangeiro com movimento mínimo de 35 milhões de passageiros por ano.
 
O número em si não tem importância. Poderia ser qualquer outro: a SAC diz prever que 60 milhões transitarão pelo aeroporto em 2038, último dos 25 anos da concessão, então por que 35 milhões, e não 28 ou 40 ou 44 milhões? Nas concorrências, os pormenores costumam ser o decisivo. E há o argumento, dado ao "Globo" de ontem pelo ministro da SAC, Moreira Franco: "o melhor critério objetivo no processo de seleção, neste caso, é o número de usuários".
 
A quantidade de usuários não tem a ver com a qualidade dos serviços. Podem ser 35 milhões ou 50 milhões de insatisfeitos. E aeroporto é de uso compulsório, os usuários não podem dirigir-se a outro, por pior que seja o serviço. A indicação de qualidade é encontrada em relatórios, número de queixas, pesquisas e nas numerosas publicações especializadas em aviação comercial. Os 35 milhões no edital valem como advertência para os pormenores com ares de rigor.
 
Números como aquele exigido são úteis, nas concorrências, para impedir determinados candidatos. A propósito mesmo de aeroportos, há anos foi antecipado aqui o resultado de uma concorrência em que era exigida prova de colocação de ao menos 20 mil m² de piso de granito. Só uma empreiteira podia cumprir a exigência aparentemente técnica: a Andrade Gutierrez, no aeroporto de Confins, esse que vai a leilão.
 
Além do mais, esses leilões dos aeroportos são o centro de inúmeros interesses e truques. Até o timbre e o nome do Cade (Conselho Administrativo de Direito Econômico) está usado indevidamente em um pretenso estudo de consultoria para influir nos leilões.

30 de julho de 2013
Janio de Freitas, Folha de São Paulo

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