Três anos atrás estive na Noruega.
Desembarquei em Oslo e, como de praxe, fui seguindo distraído o fluxo de passageiros pelos corredores e escadarias de um aeroporto bem simpático e informal, com estruturas de madeira e ferro que faziam lembrar uma gigantesca cabana.
Quando dei por mim já estava em frente à esteira de bagagens!
“Caramba“, pensei comigo. “Acho que segui a turma errada e perdi a área da imigração“.
Vou ao balcão de informações mais próximo à procura do tradicional chiqueirinho com filas balizadas em ziguezagues terminando em policiais aborrecidos que te fazem perguntas meio inaudíveis sem olhar pra tua cara.
“Não, o senhor não perdeu nada. Não fazemos check-in de passaportes aqui na Noruega. É só pegar a sua mala e descer por aquela escada rolante, que leva ao trem integrado ao metro. Ele o deixará em qualquer ponto de Oslo que desejar (a uns 100 km percorridos em uns 15-20 minutos)“.
“!!!!“…
Na semana passada estive na Bolívia com dois amigos. Santa Cruz de la Sierra, para ser mais exato, de passagem para um ponto isolado da fascinante porção amazônica daquele país. É um vôo de duas horas e meia direto de São Paulo.
Mal sentei no avião a aeromoça entregou-me quatro longas tiras de papel em cores diferentes – azul, verde, rosa e branco, este um “vintage” em duas vias com “carbono” – com dezenas de “campos” para serem preenchidos e intermináveis questionários em letras miúdas.
Acredite se quiser, até as perguntas diretas “Você já praticou atos terroristas?” e “Pertence a alguma organização secreta ou já praticou atos de espionagem?” estavam lá.
Mas a papelada e a linguagem eram tão confusas e repetitivas que, em poucos minutos, o avião se tinha transformado numa verdadeira “chacrinha” com os passageiros baixando maletas de cabine para checar números de documentos e perguntando uns aos outros como preencher (ou não?) determinados campos ou responder esta ou aquela pergunta.
Uma vez em terra, um corredor curto e uma escada de uma construção meio-acabada (ou meio destruída?) padrão obra pública bem nosso conhecido, e lá estava o chiqueirinho com suas balizas e fitas.
Duas filas se formaram levando, cada uma, a dois guichês de policiais de imigração. Embora houvesse menos de meio avião à minha frente, o ritmo de lesma paralítica logo me informou que haveria mais de uma hora de espera para caminhar aqueles três metros.
Ilusão de noiva! Muito mais.
Não demorou muito e pelo vão formado entre as duas filas foi-se acumulando um terceiro magote de “VIP“s que os muitos policiais dedicados a fiscalizar as filas iam catando nelas e passando à frente dos outros.
Sendo um “estado plurinacional” com base em divisões étnicas, como certas correntes do PT querem que o Brasil venha a ser, todas as autoridades da Bolívia de Evo Moales têm os traços característicos da etnia à qual pertence o presidente.
Mesmo assim, os passageiros com traços marcadamente indígenas, especialmente os mais pobres – mães e pais com crianças – eram os que recebiam pior tratamento.
Algo tão ostensivamente ríspido e humilhante que revoltava e constrangia quem assistia à cena.
Passada essa primeira barreira de guichês, haveria mais duas, cada uma das quais com a sua “autoridade” interessada num dos papeis coloridos, metade a serem entregues na entrada e metade – atenção, não os perca nem ande sem eles na Bolívia! – a serem devolvidos na saída.
A saída, eu logo viria a saber, é ainda mais surrealista pois além das perguntas e conferências de papeis, haverá mais guichês e mais “autoridades” empenhadas em revistas à procura da droga cuja produção o governo dos agentes revistadores oficialmente patrocina…
Em algum lugar entre a Noruega e a Bolívia situa-se o Brasil em matéria de burocracia. Filiação a (chefes de) “partidos políticos” substituem, por enquanto, características raciais na definição de quem tem de trabalhar e quem pode só “ter um emprego” (no sentido de possuí-lo para todo o sempre).
Mas – e naquela fila interminável nós tivemos tempo mais que suficiente para discuti-lo e concluí-lo – a ausência de dois ou três dos exageros relatados sobre a Bolívia não nos redime enquanto otários. Deixar-se roubar um pouco mais ou um pouco menos não nos faz menos coniventes com a roubalheira.
Só a posição norueguesa, posta a qual vastos setores do Estado em todas as suas instâncias desaparecem junto com os demais setores criados para gerir, “apoiar” e fiscalizar os primeiros, se justifica.
Pois afinal – sobretudo neste planeta integralmente conectado, onde cada passo é traçável e universalmente filmado – o check-in no primeiro aeroporto e a certeza de que o checado embarcou é tudo quanto é necessário já que, uma vez no avião, ou o cara saltou de paraquedas ou desembarcou no seu destino.
Basta, portanto, um banco de dados. Todo o resto daquele aparato – do deles, do nosso, do de todo mundo que ainda mantém um – não é mais que a horda dos carrapatos com que os Estados e seus “proprietários” sobrecarregam quem tem um trabalho em vez de um emprego, mas ninguém ainda se dá conta disso.
A humanidade, não por acaso ainda eivada de miséria à beira da era da ciência total, acostumou-se à vida de burro de carga.
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