Mães não podem trabalhar nem abdicar do dinheiro federal porque faltam vagas na rede pública para crianças de 0 a 3 anos nas cem cidades com mais beneficiários
Dos cem municípios brasileiros onde mais de 70% das famílias dependem do Bolsa Família, 56 não têm creche pública para atender crianças com idade entre 0 e 3 anos. Um dos eixos do programa de transferência de renda do governo federal, o Brasil Carinhoso é só teoria para boa parte da população dessas cidades, apesar de a criação de vagas ser uma de suas diretrizes políticas.
Lançada em maio do ano passado, a Agenda de Atenção Básica à Primeira Infância, o Brasil Carinhoso, prevê o aumento do valor repassado às famílias com crianças de até 6 anos de idade, cuidados adicionais de saúde e aumento de vagas em creches.
O Ministério do Desenvolvimento Social, na ocasião, estimava que apenas 15% das crianças do programa estavam matriculadas em creches - o índice nacional é de 23,6%. Dados oficiais eram de 4,5% matriculados, mas, como a informação não era exigida no cadastro único, acredita-se em subnotificação.
O cruzamento de dados feito pelo Estado, porém, aponta para um quadro pior do que o calculado pelo ministério. Metade das cidades com maior população atendida pelo Bolsa Família não tem atualmente vagas suficientes para matricular 15% das crianças do programa - isso sem considerar as que não estão em famílias atendidas pelo Bolsa Família.
Apenas sete municípios poderiam matricular mais da metade das crianças e em um quarto não há nenhuma vaga.
A meta brasileira é ter 50% das crianças de 0 a 3 anos em creches até 2020. Em discursos, a presidente Dilma Rousseff ressalta a necessidade de dar as mesmas oportunidades a crianças ricas e pobres e também de facilitar a vida das mães, que poderiam assim trabalhar.
É justamente nos municípios menores e mais pobres, no entanto, que esse avanço parece mais lento.
Em Alcântara, no Maranhão, na pequena casa de paredes alaranjadas, Maria Tecla Rodrigues, de 44 anos, cuida do neto Davi, de 11 meses, enquanto a filha Raissa, de 19 anos, estuda. Na casa ao lado, Ana Cláudia Diniz, de 39 anos, também fica com o neto Enzo Lucas, de 1 ano e meio, para a filha Naiele trabalhar. Na cidade onde mais de 80% dos moradores vivem do Bolsa Família, e, apesar de 10% da população ter até 4 anos, não há creche pública.
Jovelina Pereira, de 42 anos, mora em uma das poucas casas ainda de barro em Alcântara. Vive ali com cinco filhos - uma escadinha, de 1 ano e 10 meses aos 8 anos - e o marido, que está desempregado. A todos resta apenas a única renda fixa do Bolsa Família, de R$ 110.
"De vez em quando a gente arruma alguma coisa na cidade, vai vender uma tapioca, mas é difícil, porque tenho de levar o Davi e são duas horas de caminhada. No sol é complicado", afirma. "A escola aqui só pega a partir dos 4 anos", reclama Jovelina.
Edilene Mendes, de 24 anos, trabalhava antes de casar. Hoje, com três filhos, tem de ficar em casa. Enzo, de 1, e Enrique, de 2, ficam com ela. A filha Eva, de 4 anos, é a única que já vai para a escola.
Não há alternativa nem chance de Edilene voltar a trabalhar. "Se eles estivessem na creche, eu estaria trabalhando. Seria muito mais fácil do que tentar viver só com o Bolsa Família", afirma. Seu marido chegou a trabalhar por um mês nas obras do Centro de Lançamento de Alcântara - a base de lançamento de foguetes da Aeronáutica -, mas foi demitido. Na cidade, emprego é escasso.
Equívoco. De acordo com os dados do Ministério da Educação, Alcântara teria uma creche pública e outra estaria em construção. O prefeito da cidade, Domingos Araken (PT), diz que hoje não existe nenhuma. A primeira está para ser construída e deverá ficar pronta em 2014. "Já temos o terreno. Deverá atender 240 crianças", diz.
A única creche é comunitária, mas cobra R$ 100 por mês, fora da realidade de muitas famílias do município.
A falta de creches abre brechas na educação das crianças mais pobres e ainda dificulta a vida das famílias. Ana Cláudia trabalhava, mas deixou o emprego quando a filha encontrou um emprego que pagava mais para poder ficar com o neto Enzo Lucas. Agora, a filha Naiele deve ir trabalhar em São Luís. "Ela tem algo melhor em vista lá, em uma casa de família, mas não vai poder levar o Enzo por falta de creche. Ele vai ficar comigo, ela volta no fim de semana."
16 de agosto de 2013
Lisandra Paraguassu, enviada especial, Alcântara (MA) - O Estado de S.Paulo
Lisandra Paraguassu/AE
Maria Tecla Rodrigues com o neto Davi, de 11 meses, na porta de casa
O Ministério do Desenvolvimento Social, na ocasião, estimava que apenas 15% das crianças do programa estavam matriculadas em creches - o índice nacional é de 23,6%. Dados oficiais eram de 4,5% matriculados, mas, como a informação não era exigida no cadastro único, acredita-se em subnotificação.
O cruzamento de dados feito pelo Estado, porém, aponta para um quadro pior do que o calculado pelo ministério. Metade das cidades com maior população atendida pelo Bolsa Família não tem atualmente vagas suficientes para matricular 15% das crianças do programa - isso sem considerar as que não estão em famílias atendidas pelo Bolsa Família.
Apenas sete municípios poderiam matricular mais da metade das crianças e em um quarto não há nenhuma vaga.
A meta brasileira é ter 50% das crianças de 0 a 3 anos em creches até 2020. Em discursos, a presidente Dilma Rousseff ressalta a necessidade de dar as mesmas oportunidades a crianças ricas e pobres e também de facilitar a vida das mães, que poderiam assim trabalhar.
É justamente nos municípios menores e mais pobres, no entanto, que esse avanço parece mais lento.
Em Alcântara, no Maranhão, na pequena casa de paredes alaranjadas, Maria Tecla Rodrigues, de 44 anos, cuida do neto Davi, de 11 meses, enquanto a filha Raissa, de 19 anos, estuda. Na casa ao lado, Ana Cláudia Diniz, de 39 anos, também fica com o neto Enzo Lucas, de 1 ano e meio, para a filha Naiele trabalhar. Na cidade onde mais de 80% dos moradores vivem do Bolsa Família, e, apesar de 10% da população ter até 4 anos, não há creche pública.
Jovelina Pereira, de 42 anos, mora em uma das poucas casas ainda de barro em Alcântara. Vive ali com cinco filhos - uma escadinha, de 1 ano e 10 meses aos 8 anos - e o marido, que está desempregado. A todos resta apenas a única renda fixa do Bolsa Família, de R$ 110.
"De vez em quando a gente arruma alguma coisa na cidade, vai vender uma tapioca, mas é difícil, porque tenho de levar o Davi e são duas horas de caminhada. No sol é complicado", afirma. "A escola aqui só pega a partir dos 4 anos", reclama Jovelina.
Edilene Mendes, de 24 anos, trabalhava antes de casar. Hoje, com três filhos, tem de ficar em casa. Enzo, de 1, e Enrique, de 2, ficam com ela. A filha Eva, de 4 anos, é a única que já vai para a escola.
Não há alternativa nem chance de Edilene voltar a trabalhar. "Se eles estivessem na creche, eu estaria trabalhando. Seria muito mais fácil do que tentar viver só com o Bolsa Família", afirma. Seu marido chegou a trabalhar por um mês nas obras do Centro de Lançamento de Alcântara - a base de lançamento de foguetes da Aeronáutica -, mas foi demitido. Na cidade, emprego é escasso.
Equívoco. De acordo com os dados do Ministério da Educação, Alcântara teria uma creche pública e outra estaria em construção. O prefeito da cidade, Domingos Araken (PT), diz que hoje não existe nenhuma. A primeira está para ser construída e deverá ficar pronta em 2014. "Já temos o terreno. Deverá atender 240 crianças", diz.
A única creche é comunitária, mas cobra R$ 100 por mês, fora da realidade de muitas famílias do município.
A falta de creches abre brechas na educação das crianças mais pobres e ainda dificulta a vida das famílias. Ana Cláudia trabalhava, mas deixou o emprego quando a filha encontrou um emprego que pagava mais para poder ficar com o neto Enzo Lucas. Agora, a filha Naiele deve ir trabalhar em São Luís. "Ela tem algo melhor em vista lá, em uma casa de família, mas não vai poder levar o Enzo por falta de creche. Ele vai ficar comigo, ela volta no fim de semana."
16 de agosto de 2013
Lisandra Paraguassu, enviada especial, Alcântara (MA) - O Estado de S.Paulo
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