"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

COMO ENTENDER A POLÍTICA DE OBAMA PARA O IRÃ

O primeiro livro de Trita Parsi, “Treacherous Alliance” [Aliança Traiçoeira] (2008), trouxe compreensão extremamente clara das negociações públicas e secretas entre Irã, EUA e Israel, ao longo dos últimos 35 anos. Chega agora, em momento excepcionalmente oportuno, essa impressionante continuação daquele trabalho, em que Parsi estuda os eventos desde a posse do presidente Barack Obama em 2009 (“A Single Roll of the Dice: Obama’s Diplomacy with Iran”, ou “Um único lance de dados: a diplomacia de Obama para o Irã”).

O novo governo começou com esperanças de abertura na direção do Irã, mas, apesar do início promissor, não houve qualquer avanço diplomático. Parsi atribui esse resultado à inflexibilidade em Teerã, Washington, Jerusalém e Riad. Políticos e gabinetes interpretaram mal praticamente todos os sinais que chegavam do outro lado, resistiram a demonstrações de flexibilidade, por medo de parecerem fracos, e ignoraram os muitos esforços de países mediadores. O conflito acabou por incorporar-se ao pensamento e às instituições de todos os países envolvidos.

Teerã não acreditou nos primeiros passos do governo Obama. O Irã ajudara os EUA a expulsar os talibãs do Afeganistão em 2001 e a instalar lá um novo governo, no ano seguinte; mas o governo George W Bush manteve a atitude de hostilidade. Depois da derrubada de Saddam Hussein, pelos EUA, em 2003, o Irã movimentou-se na direção de ampla abertura e diálogo com os EUA. Mas o movimento foi rejeitado: os EUA não se interessaram por dialogar com o mal.

O Irã, então, via pouca probabilidade de Obama conseguir livrar-se dos impedimentos políticos que o bloqueavam. A escolha de Dennis Ross e Rahm Emanuel como principais conselheiros não contribuiu para abalar o ceticismo dos iranianos, para quem os dois sempre foram ativos militantes pró-Israel.

A inimizade com os EUA já penetrou toda a máquina da administração e a identidade nacional iranianas. Já é parte do que os iranianos são. E garante narrativa poderosa de legitimação e justificação para o governo que, em outras circunstâncias, estaria enfrentando crescente descontentamento popular em função da economia estagnada.

Além do mais, qualquer acordo com os EUA reduziria a capacidade do Irã para atrair apoio árabe das ruas, elemento importante de uma política já de vários anos para enfraquecer os ditadores e reduzir a influência dos EUA na região.

No início do governo Obama discutiram-se vias para uma aproximação com o Irã – promessa de campanha eleitoral do presidente e também do discurso de posse. O Departamento de Estado e o Pentágono cogitaram de negociar questões do Afeganistão, com a criação de um estado estável sem os talibãs, o que interessaria aos EUA e ao Irã.

Mas decidiu-se que qualquer colaboração com o Irã no Afeganistão poria os EUA em posição de devedor, no início das negociações, muito mais críticas, sobre a pesquisa nuclear. O governo Obama optou pela política híbrida de Dennis Ross, de abrir negociações e, simultaneamente, aprofundar as sanções – cenoura e porrete.

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e forças pró-Israel nos EUA não gostaram da aproximação; e pressionaram forte na direção de prazos mais apertados e sanções mais duras – cenoura menos atraente e porrete maior.

A Arábia Saudita e outros estados sunitas também pressionaram o governo Obama na direção de posição mais firme depois de tantas tolices e inação durante o governo Bush. As ações do governo Bush no Afeganistão e o Iraque fortaleceram tanto a influência do Irã, que os sauditas chegaram a considerar o risco de o Irã estar modelando as políticas dos EUA – uma lição de que a obsessão pela segurança nacional e o pensamento paranóico andam muito frequentemente de mãos dadas em muitas capitais do mundo.

Os estados sunitas também temeram que o interesse de Obama por alcançar algum acordo pudesse levá-lo a ceder demais ao Irã. Isso poderia converter o Irã em potência hegemônica no comando de potente movimento xiita na região, e levar à expansão do Islã, em oposição e à custa dos governos árabes.
Mas, apesar das muitas pressões diplomáticas e domésticas, o novo presidente manteve-se firme. Prosseguiriam os esforços para aproximação mais flexível na direção de Teerã.

Até que essa abordagem mudou, mas não pelas razões previstas. A fraude nas eleições de 2009 e, em seguida, a repressão brutal da oposição, assustaram o governo Obama e deram novas energias aos que o criticavam. Senadores e deputados denunciaram o Irã no Congresso dos EUA e exigiram sanções mais agressivas. A equação política havia mudado decisivamente.

Dividido na questão de como responder, o governo cedeu à pressão do Congresso que exigia sanções mais duras. As negociações levaram a nada e os dois países chegaram à atual situação de crise. O que Israel e a Arábia Saudita não fizeram, para conseguir mudar a política de Obama, o próprio Irã fez – e com grande eficácia.

17 de fevereiro de 2012
Brian M Downing (Asia Times Online)

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