O governo brasileiro continua fazendo diplomacia alternativa, como se isso fizesse grande diferença para o mundo ou - mais importante - produzisse algum benefício para o País.
Sábado passado, representantes do Brasil, da Índia e da África do Sul emitiram um comunicado para manifestar sua preocupação diante da crise global e para cobrar a conclusão, no menor prazo possível, da Rodada Doha de negociações comerciais - como se esse projeto tivesse algum sentido prático neste momento.
O fantástico documento foi o resultado de uma conferência entre o chanceler Antônio Patriota, e os ministros indiano e sul-africano do Comércio, Anand Sharma e Rob Davies. O texto foi pomposamente apresentado como Declaração final do Encontro Ministerial Índia-Brasil-África do Sul (Ibas) à margem do Fórum Econômico Mundial.
A criação do Ibas foi uma das muitas manifestações do terceiro-mundismo erigido como orientação da política externa pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Político astuto e indiscutivelmente hábil no plano interno, o presidente Lula se comportou, no cenário internacional, como se nunca houvesse deixado o palanque de Vila Euclides.
Sua concepção de diplomacia reflete uma visão muito simples do mundo, temperada pelo esquerdismo provinciano de assessores de sua confiança. Um deles chegou a qualificar a Rússia como um país "geograficamente do Norte e geopoliticamente do Sul". Essa percepção do jogo internacional explica as parcerias "estratégicas" concebidas a partir de 2003. Não por acaso o documento do Ibas termina com uma reafirmação da "fé na cooperação Sul-Sul, uma parceria entre iguais".
Os ganhos políticos e econômicos obtidos com essa parceria são conhecidos. Os africanos votaram no francês Pascal Lamy, quando o Brasil apresentou um candidato a diretor-geral da OMC. O apoio foi mínimo, na vizinhança, quando um brasileiro disputou a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento, conquistada por um colombiano. O governo chinês jamais apoiou a pretensão brasileira a um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU. Latino-americanos também têm recusado esse apoio.
É longa a lista de exemplos semelhantes. Mas a reunião do Ibas no sábado passado fornece elementos suficientes para uma avaliação da diplomacia alternativa.
Em primeiro lugar, as divergências entre Índia e Brasil contribuíram para o impasse final da Rodada Doha. Houve outros fatores, mas as diferenças entre os interesses comerciais do Brasil e de outros emergentes tiveram peso considerável. Só com muita ingenuidade e desinformação se poderia atribuir o fracasso da rodada a divergências entre Norte e Sul. Insistir na ideia de comunidade de interesses dos membros do Ibas é brigar com os fatos.
Em segundo lugar, insistir na retomada urgente da rodada é uma pueril demonstração de irrealismo. No mesmo dia, o Fórum Econômico Mundial realizou um painel intitulado "Depois de Doha: o Futuro do Comércio Internacional". Uma das personalidades mais interessadas na continuação das negociações, o diretor da OMC, Pascal Lamy, negou qualquer possibilidade de um empreendimento dessa envergadura no futuro previsível. Falta, segundo ele, a energia política necessária para isso. Mas é possível, ressalvou, tocar negociações multilaterais menos ambiciosas.
Em terceiro lugar, foi simplesmente grotesca a ideia de realizar em Davos, "à margem da reunião do Fórum Econômico Mundial", um encontro para manifestar preocupação diante da crise. Foi esse o tema dominante da reunião, durante a semana toda, e dezenas de chefes de governo, ministros, acadêmicos, financistas, empresários e sindicalistas discutiram o quadro internacional, principalmente o europeu, debateram soluções e participaram de um intenso e às vezes áspero jogo de pressões. O Brasil, orgulhosamente apontado como a sexta maior economia do mundo, ficou fora desse jogo, envolvido na obscuridade e na irrelevância da diplomacia alternativa. País importante pratica diplomacia de adulto. O Brasil já fez isso em outros tempos.
01 de fevereiro de 2012
O Estado de São Paulo
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
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"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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