"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

MST DIANTE DE UM FUTURO INCERTO

(Editorial)
O Globo


O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, embora há nove anos conte com aliados políticos no poder, continua a reclamar da falta de reforma agrária, de “avanços sociais” no campo. As invasões de propriedades privadas continuam, e a vida segue sem aparentemente grandes mudanças.

Poderia ser que tudo não passasse de tática de organizações políticas que se alimentam da contestação e da cobrança constantes. Porém, parece haver algo mais, e de extrema gravidade para a organização. Sintomático que um dos dirigentes nacionais do MST, Joaquim Pinheiro, tenha reconhecido um “descenso” nas atividades do movimento, e culpe como responsáveis pelo mau momento da organização o crescimento do emprego e programas sociais, em que se destaca o Bolsa Família. Tem lógica a análise, mas ela não explica tudo.

Um aspecto a se destacar é que, se o MST não conseguiu a reforma agrária dos sonhos com Lula no poder, será impossível materializá-la numa outra conjuntura política, a não ser que se rompa o estado de direito, como alguns demonstram desejar.

Afinal, dentro do modelo de puro fisiologismo pelo qual o lulopetismo montou equipes de governo nestes últimos nove anos, coube ao MST o privilégio de atuar dentro da máquina do Estado, em aparelhos montados no Incra e no Ministério do Desenvolvimento Agrário.

E com todas as benesses disso derivadas, como a fartura de dinheiro público para financiar, inclusive, ações de atropelamento da própria Constituição. Cenas de Lula com o chapéu da organização e a bandeira do MST desfraldada no gabinete presidencial eram mais que um símbolo. Retratavam uma situação real: o MST, em alguma medida, estava no poder.

Mesmo assim, a reforma agrária não andou, denunciam os militantes sem terra. Mas a desmobilização do MST não foi apenas devido a efeitos colaterais de uma conjuntura de virtual pleno emprego vivida até há pouco tempo pelo Brasil, nem pela conhecida generosidade do assistencialismo público.

A própria modernização da agricultura subtraiu do MST e satélites áreas de “latifúndios improdutivos”, e com isso começou a erodir a razão de ser da proposta de reforma agrária, tema cativo de programas de sucessivos governo há décadas.

Começaram a faltar terras para o MST — que radicalizou ao se voltar contra propriedades produtivas — e a escassear massa de manobra. O próprio esvaziamento do campo, decorrente da modernização da economia, atua contra o MST. Restou-lhe mobilizar o lumpesinato de cidades médias e pequenas.

Mas a ampliação da oferta de empregos e as bolsas assistenciais completaram o cerco à organização, cuja razão de viver é a crise social. E para alimentar ainda mais os pesadelos de dirigentes sem terra, o crescimento da classe média, conhecida por rejeitar rupturas, conspira contra projetos de poder mais ambiciosos da organização política.

O MST, então, se defronta com um dilema: insiste num projeto de tinturas revolucionárias e antidemocráticas, de execução impossível, e para o qual depende de ter amigos no Planalto; ou se assume como uma força política legal, sai da semiclandestinidade consentida e tenta obter apoio para seu modelo de Brasil junto ao eleitor. A terceira hipótese é a marginalização, em vários sentidos.

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