"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 25 de fevereiro de 2012

QUEM TE VIU, QUEM TE VÊ...

No tempo da ditadura, Chico Buarque era uma unanimidade nacional, ou quase. Até os generais-presidentes Costa e Silva e Garrastazu Médici apreciavam as suas músicas mais líricas. É possível que alguns militares menos românticos e mais durões não gostassem – mas suas filhas gostavam.

Hoje, apesar de viver um dos melhores momentos de sua carreira, em plena maturidade criativa, já com uma obra monumental e lugar de honra na nossa história, Chico, que sempre se acreditou amado, descobriu nos blogs da internet que é (também) odiado. Pelas milícias partidárias que unem a ignorância e a intolerância para desqualificar uma obra e um artista pelas suas opiniões políticas.

Em 1968, vaiado pela esquerda universitária, Caetano Veloso gritava em seu célebre discurso: “Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos”. Os que hoje xingam Chico atualizam as mesmas palavras.

É um clássico da condição humana. A inveja e o ressentimento que se transformam em ódio irracional contra indivíduos vitoriosos, admirados por muita gente, que ganham dinheiro com seu trabalho, que não têm patrão nem comandante e podem viver com liberdade e independência. Sem sequer ler o que escrevem sobre eles. Para quem escreve, como militante anônimo de uma engrenagem coletiva, é a oportunidade para descarregar suas misérias e frustrações pessoais sobre o invejável invejado.
Pena que ele não vai ouvir.

A política é transitória e contraditória. Pela visão do Zé Dirceu, fã de Chico, os que são contra o aborto e a favor da pena de morte e da maioridade penal aos 16 anos são “de direita”.
Então a maioria da classe média tão cortejada pelos políticos, que elegeu um governo de esquerda, é “de direita” e não sabe?


A ironia é que esta nova e imensa classe média, alardeada como grande vitória de governos progressistas, é cada vez mais conservadora, pelo instinto natural de manter suas conquistas recentes, casa, carro, consumo, emprego, com lei e ordem e sem sobressaltos. E também gosta de Chico Buarque.

As paixões políticas passam, a obra artística permanece. Não se afobe não, que nada é pra já.

25 de fevereiro de 2012
Nelson Motta

Fonte: O Estado de S. Paulo

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