Ao longo de quase mil anos, desde a Magna Carta de 1215 que iniciou formalmente o processo, a Inglaterra, que inventou a democracia moderna, usou um único truque para ir encurralando a monarquia: manter o rei sempre pobre e dependente do Parlamento até para montar seus exércitos (só em caso de necessidade e por tempo limitado) e fazer suas guerras.
Cada vez que a coisa apertava e um inimigo externo ameaçava a sobrevivência da dinastia da hora, sua majestade tinha de vir ao povo de mão estendida e, para ter o que precisava, era obrigado a entregar-lhe mais um conjuntinho de direitos.
Na Europa absolutista dava-se precisamente o contrário. Era o monarca que concentrava toda a riqueza do país e sempre que o povo ou seus representantes vinham a ele de mão estendida eram obrigados a ceder-lhe mais um direito para conseguir a graça de entrar para a lista dos escolhidos para não morrer de fome.
Continua sendo exatamente assim, especialmente no mundo ibérico onde o instrumento corporativista de fragmentação da sociedade vedou ainda mais do que alhures a penetração dos ares purificadores das revoluções democráticas do século 19.
Ao contrário do que ocorre nas democracias de verdade, o sistema de arrecadação de impostos no Brasil é tanto mais concentrado em cada ente arrecadador quanto mais distante ele estiver do povo que, teoricamente, é o objeto das obras a serem financiadas com esse dinheiro.
A União arrecada mais que os Estados que arrecadam mais que os municípios. No total os três arrancam mais de um terço do resultado final do trabalho de todos os brasileiros e isso não chega nem para lhes prover educação, saúde, segurança e uma infraestrutura digna desse nome.
O governo - enorme; legião cheia de privilégios, tanto maiores quanto mais perto estiver o nomeado do ente que mais arrecada - recorre então ao setor financeiro privado de quem toma o que fica faltando para fechar essa conta a juros exorbitantes.
Os banqueiros não precisam fazer força nem correr risco para obter seus lucros obscenos. São agentes financiadores exclusivos do Estado.
Depois de drenar todo o sistema financeiro privado, o governo se apresenta como o provedor de crédito para a produção e para povo. Financia da infraestrutura ao consumo de bens perecíveis, passando pela agricultura, pela habitação e pela indústria privada.
Se se colocasse no seu devido lugar e com seu devido tamanho, sobraria dinheiro nos bancos privados para financiar democraticamente (sem privilégios de acesso) a produção e o consumo privados, e os bancos teriam de brigar por clientes baixando juros e ajustando custos para poder faze-lo.
Mas isso não interessa ao Estado brasileiro porque fazer-se o único provedor de crédito da praça é, na verdade, o seu mais forte instrumento de poder.
Quem escolhe a que barões (da industria) dará ou negará os bilhões do BNDES a juro subsidiado pode ter a eterna certeza da sua lealdade. Eles jamais vão encurrala-lo para exigir uma Magna Carta de direitos como fizeram os barões ingleses com seu rei em 1215.
Quem decide quando e para quem se abre ou se fecha a torneira do crédito numa sociedade economicamente dirigida tem a faca e o queijo a mão; tem o poder de regulagem fina sobre sua própria popularidade.
E nos momentos de vacas magras, ali estão, sempre à mão, os banqueiros privados para levar a culpa, um preço barato a pagar, convenhamos, em troca da vida de potentados orientais que levam sem ter de fazer força.
Dona Dilma e seo Mantega andam falando muito de juros, ultimamente.
É que o "espetáculo do crescimento" está começando a murchar exatamente no mesmo momento em que o ponteiro que o mede a capacidade do povo de se endividar bate no vermelho e os alarmes da inadimplência disparam.
E bem num ano de eleição.
Mas a mim é que não me enganam. Estou cada dia mais pragmático. "Se você quer saber onde está o poder, follow the money" (siga o dinheiro). Pra eles sim é que vale a máxima do Tiririca: melhor do que tá, não fica.
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