Artigos - Cultura
Fui assistir ao filme Jogos Vorazes com muita expectativa, após ver o trailer do filme. Antes de entrar na sala de exibição, um display de propaganda do próprio filme me chamou atenção, ao afirmar que esta saga era “tão emocionante quanto Crepúsculo e Harry Potter”.
Sem refletir muito com tal observação fui assisti-lo. Ao acabar, pude constatar que a propaganda estava errada. Tal filme (e provavelmente toda a trilogia) é melhor do que as histórias de bruxos e vampiros.
O que a torna tão especial, no meu ponto de vista, é a sua profundidade em relação às ficções anteriores. Em Harry Potter, temos um bruxinho órfão que é o “prometido” para acabar com o mal: um vilão que quer dominar o mundo (muito criativo...). Na série Crepúsculo, temos um drama adolescente vampírico-pseudoerótico, no qual um vampiro é moralista (assim buscam afirmar que a figura do mal pode ser boazinha) e as implicações de seu relacionamento com uma humana normal, que trazem consequências bizarras (mas humanizadas) entre as pessoas que rodeiam o casal estranho. O que vai de encontro a toda literatura sobre o assunto (Bram Stocker se remoeria no túmulo se lesse a narrativa de Stephenie Meyer). Em comum, estas sagas tratam de sociedades fantásticas paralelas à atual, o que dá um toque quase esotérico aos personagens, pois, no fim das contas, tudo o que acontece com eles se resume ao seu mundinho oculto, afastado da sociedade na qual eles também deveriam estar inseridos.
Jogos Vorazes, ao contrário, não trata de personagens fantásticos, místicos, que ocultam sua essência do mundo que os cercam. É uma história, ainda que distópica, com universo completo, muito no estilo do que Tolkien e C. S. Lewis tiveram a ousadia de fazer meio século atrás. Todo um mundo foi criado sobre premissas atuais que podem ensejar um futuro naqueles moldes. Um estado totalitário, que se estende a todos os aspectos da vida das pessoas, um povo dominado por meio do medo, da superexposição pela mídia, com a banalização da vida humana e a disposição ferrenha de um governo em não medir esforços para que o status quo se mantenha, nem que seja necessária a perseguição ideológica e física contra grupos sociais ou até mesmo a um único indivíduo.
Neste filme existem vários aspectos e personagens que merecem destaque. Inicialmente, a própria heroína, Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence), que não é nem vira vampira, lobisomem, alienígena, bruxa, nem é uma agente secreta da CIA ou da KGB. É tão somente uma garota extremamente comum, que, na aurora de sua juventude, já passou por muitos problemas que a amadureceram e a tornaram forte, mas sem que perdesse sua beleza exterior e interior, sua feminilidade e candura, que é vista em relação à sua suposta adversária, a também considerada pela “Capital” um mero “tributo”, Rue, e em relação a sua irmã caçula, Prim. É nesta, na verdade, em que se encontra aquilo que motiva todo o desenrolar da estória. No intuito de proteger sua irmã Prim, que não teria nenhuma chance nos jogos, a protagonista se oferece como “tributo” – não porque queria ir para os jogos e promover uma revolução, mas o fez com a certeza de que morreria, apenas para dar a vida pela sua irmã mais nova. Dar a vida por quem se ama – é um ato cada vez mais raro em uma sociedade egoísta como esta. Se não fosse este altruísmo, Katniss iria continuar a viver sua vida pobre, mas honrada, de caçadora que sustenta sua família com sacrifício, tal como muitos hoje em dia fazem com orgulho.
Outro que merece destaque é Peeta Mellark (Josh Hutcherson), o desafortunado companheiro de Katniss que também é sorteado na “colheita” e tenta enxergar da melhor maneira possível como sobreviver aos jogos. Ele é um jovem homem que não se envergonha em expressar seus sentimentos e tem ciência de que sua chance de sobrevivência é mínima, mas nem por isso se acovarda, e se expõe desde o início para proteger sua companheira e amada não correspondida, ainda que finja estar traindo-a no início, até se dispor a oferecer sua vida voluntária e serenamente por Katniss.
E o que falar da personagem do presidente Snow (Donald Sutherland), o grande líder de Panem (1)? Ver seu olhar no momento em que cumprimentava os dois tributos vitoriosos do distrito mais pobre e miserável do país só me fez pensar que talvez esta tivesse sido a mesma expressão de Hitler, caso tivesse cumprimentado Jesse Owens na Olimpíada de 1936. E como não refletir no cenário brasileiro, no “Big Brother Brasil” e nos programas sociais assistencialistas como Fome Zero e Minha Casa, Minha Vida, quando Snow diz "Dê a eles esperança, mas não muita, dê a eles uma esperança contida. Contenha-a". Será que isso acontece no Brasil?
Também devem ser lembrados Effie, como o retrato de idiota útil para o sistema, Haymitch, como aquele que é ciente do horror onde vive, mas se entrega à bebida para tentar esquecer que seus pupilos são pré-condenados, Cinna, por ser o sutil guia que mostra o caminho a ser trilhado pelos tributos e também o semi-vilão Cato, que se “imortalizou” ao cair na realidade no último momento: “Pode me matar! Eu já estou morto mesmo!”
Contudo, o grande personagem da história é o mundo no qual tudo acontece, e a relação que a elite da Capital guarda com os demais distritos. O próprio levante popular em si, de um dos distritos, do qual veio jovem tributo Rue, que morre nos braços da protagonista, não caracteriza uma “revolução”, nos moldes da mentalidade perturbada esquerdista. É a manifestação voluntária de um grupo de pessoas comuns que se cansam de ser meros escravos da distante e fria Capital, que verdadeiramente usa a mão de obra de pessoas marginalizadas e miseráveis em troca de viverem em abundante hedonismo, vaidade e vida luxuosa e fútil, totalmente alheia às mazelas dos demais seres humanos. Os moradores do distrito 11 dizem “basta” para o fato de serem utilizadas por uma elite que se diz protetora do povo, mas que na verdade toma o poder para si apenas para impor aquilo que entende o que é certo, sem deixar que as pessoas tenham a liberdade de seguir suas vidas. Se você nasceu no distrito mineiro, terá que trabalhar nas minas por toda a vida. O azar é seu.
Esta saga, que só poderia ser escrita por alguém com a sensibilidade de Suzanne Collins, leva seus leitores, jovens ou um pouco mais velhos, a pensar no seu papel na sociedade e no relacionamento que pode ser estabelecido com o ente estatal. A saga da caçadora do Distrito 12 apresenta-nos um governo que se imiscui em todos os aspectos da vida das pessoas, que controla todos os meios de produção e as massas através do medo e do desdém pelo valor da vida humana (em especial no momento mais especial e delicado, que é o da transição da infância para a vida adulta), tal quais sempre fizeram e fazem os governos fascistas e socialistas. Isto comprovadamente é algo que deve ser combatido, e a história vem demonstrando que governos assim sempre trouxeram os piores males à humanidade (União Soviética, Alemanha Nazista, China, Camboja, Cuba, Venezuela, Coréia do Norte, etc). Esta narrativa pode ser útil para educar a juventude, e evitar que tal cenário aterrador venha a se formar.
Caso compreendam a mensagem de Jogos Vorazes, as pessoas, ao menor sinal, poderão lutar contra a invasão desmesurada do Estado nas suas vidas e no mercado, bem como evitar que as diversões futuras, ao invés de evoluírem, simplesmente retrocedam ao período dos gladiadores, só que desta vez com câmeras e patrocinadores virtuais. Não é a toa que geralmente é nos Estados Unidos, onde o povo preza pela sua liberdade individual (apesar dos esquerdismos do governo Obama), que surgem histórias nas quais se retrata uma espécie de vida que eles abominam, que é o atentado sobre sua liberdade, sobre sua família e religião, sobre suas vidas. Certamente poderemos incluir Jogos Vorazes no mesmo hall de outros contos-alerta, como o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, 1984 de George Orwell e também, porque não dizer, Gattaca. Narrativas que devem existir, serem vistas e revistas, lidas e relidas, para que o que acontece nas telas e nas páginas não aconteça na vida real.
Mais do que apenas uma distopia, Jogos Vorazes é quase uma previsão do futuro, inclusive para o Brasil, caso nada seja feito, e logo, contra a esquerdalha que tomou o poder espalhando mentiras de todas as formas possíveis.
Nota:
1 - Conforme a própria autora afirmou em uma entrevista, o nome do país, “Panem” é uma alusão (dentre as várias da história) à política do “Panem et circensis”, do Império Romano, onde se controlava as massas dando-lhes pão e circo, mantendo-as alimentadas e entretidas, para se evitar levantes contra o governo.
03 de abril de 2012
Aloysio Telles de Moraes Netto é advogado.
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
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