Desde que deixou o governo, o ex-presidente Lula se empenha em apagar da história o capítulo do mensalão, o esquema de compra de apoio parlamentar criado pelos petistas para ganhar a simpatia de parlamentares e abastecer as campanhas políticas do PT e de aliados com dinheiro sujo. Durante algum tempo, Lula repetiu a tese de que o mensalão não passou de caixa dois, que, na visão dele, seria um crime menor e corriqueiro na política brasileira.
Mais recentemente, porém, Lula abandonou a tese do caixa dois e se entregou à pregação messiânica de que o mensalão foi uma grande farsa tramada contra ele por setores da oposição e da imprensa.
O esforço para reescrever a história é tão grande que o ex-presidente patrocinou a criação da CPI do Cachoeira, estabelecendo como objetivo explícito criar um fato novo capaz de enfumaçar o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Essas estratégias são conhecidas. A novidade é que, como elas não surtiram o efeito desejado, entrou em pauta um plano B, um conjunto de ações temerárias que consistem na abordagem direta ou indireta dos ministros do STF. Lula tomou para si essa missão.
Enquanto foi presidente da República, Lula indicou seis dos atuais onze ministros do STF que julgarão os 36 réus do mensalão — entre eles o deputado cassado José Dirceu, grão-petista apontado como "chefe da organização criminosa" pela Procuradoria-Geral da República. Em conversas diretas ou por intermédio de interlocutores, Lula cobra dos ministros o adiamento do início do julgamento, o que significaria a prescrição de muitos dos crimes. Nessa sua cruzada, o ex-presidente da República põe todo o peso de sua influência, mas arrisca-se a perder parte de seu prestígio.
Há um mês, o ministro Gilmar Mendes, do STF, foi convidado para uma conversa com Lula em Brasília. O encontro foi realizado no escritório de advocacia do ex-presidente do STF e ex-ministro da Justiça Nelson Jobim, amigo comum dos dois. Depois de algumas amenidades, Lula foi ao ponto que lhe interessava e disse a Gilmar: "É inconveniente julgar esse processo agora". O argumento do ex-presidente foi que seria mais correto esperar passar as eleições municipais de outubro deste ano e só depois julgar a ação que tanto preocupa o PT, partido que tem o objetivo declarado de conquistar 1 000 prefeituras nas urnas.
INDECOROSO E ARROGANTE
Para espíritos mais sensíveis, Lula já teria sido indecoroso simplesmente por sugerir a um ministro do STF o adiamento de julgamento do interesse de seu partido. Mas vá lá. Até aí estaria tudo dentro do entendimento mais amplo do que seja uma ação republicana. Mas o ex-presidente cruzaria a fina linha que divide um encontro desse tipo entre uma conversa aceitável e um evidente constrangimento.
Depois de afirmar que detém o controle político da CPI do Cachoeira, Lula, magnanimamente, ofereceu proteção ao ministro Gilmar Mendes, dizendo que ele não teria motivo para preocupação com as investigações. O recado foi decodificado. Se Gilmar aceitasse ajudar os mensaleiros, ele seria blindado na CPI.
Decupando a cena, o que se tem é um ex-presidente oferecendo salvo-conduto a um ministro da mais alta corte do país, como se o Brasil fosse uma nação de beduínos do século XIX com sua sorte entregue aos humores de um califa. "Fiquei perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do presidente Lula", disse Gilmar Mendes a VEJA.
O ministro defende a realização do julgamento neste semestre para evitar a prescrição dos crimes.
A certa altura da conversa com Mendes, Lula perguntou: "E a viagem a Berlim?". Ele se referia a boatos de que o ministro e o senador Demóstenes Torres teriam viajado para a Alemanha à custa de Carlos Cachoeira e usado um avião cedido pelo contraventor.
Em resposta, o ministro confirmou o encontro com o senador em Berlim, mas disse que pagou de seu bolso todas as suas despesas, tendo como comprovar a origem dos recursos. "Vou a Berlim como você vai a São Bernardo. Minha filha mora lá", disse Gilmar, que, sentindo-se constrangido, desabafou com ex-presidente: "Vá fundo na CPI". O ministro Gilmar relatou o encontro a dois senadores, ao procurador-geral da República e ao advogado-geral da União. Clique AQUI para continuar lendo a reportagem na íntegra!
30 de maio de 2012
aluizio amorim
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