Artigos - Governo do PT
Os esgares do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Câmara Municipal de São Paulo e a placidez do advogado Márcio Thomaz Bastos na CPI Mista de Cachoeira são duas provas distintas, mas complementares, de que a história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história da ascensão, queda e renovação das elites.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, jamais estiveram em constante oposição, muito menos travaram uma guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada, que teria sempre resultado na transformação revolucionária da sociedade ou na destruição das classes em luta.
Ao contrário do mito propagado por Marx e Engels no “Manifesto Comunista” (parafraseado quase literalmente na abertura deste artigo), a luta contra a opressão exige armas que o verdadeiro oprimido nunca tem. Por isso, a “luta de classes” jamais desaguou na revolução proletária e onde o comunismo chegou ao poder foi devido a fatores externos (como as guerras) e à capacidade da elite intelectual em capitalizá-los.
O marxismo é uma mitologia. O socialismo idealizado por Marx nada tem de científico — é justamente o mais utópico entre todos os socialismos já formulados. De fato, crer na boa vontade dos homens para forjar uma sociedade igualitária, como sonhava Saint-Simon, é utopia. Mas apostar na onisciência da história para predizer o futuro da humanidade, como fazia Marx, é insanidade. Prova disso é que a dupla Marx & Engels, mesmo sustentando que a revolução proletária era uma inevitabilidade científica e que o socialismo era a incógnita revelada da equação histórica, no fundo não parece acreditar na própria tese do “Manifesto Comunista”. Já nesse clássico do movimento revolucionário, a dupla aposta claramente no voluntarismo político das vanguardas, como se reconhecesse que a história não está pré-estabelecida em fórmulas e precisa do empurrão da vontade dos homens.
Marx e Engels descrevem a formação das vanguardas revolucionárias à testa das classes em luta, mostrando a simbiose entre uma franja da classe dominante que se decompõe e um recorte da classe dominada em ascensão.
Eis o que dizem no “Manifesto Comunista”: “Finalmente, nos períodos em que a luta de classes se aproxima da hora decisiva, o processo de dissolução da classe dominante, de toda a velha sociedade, adquire um caráter tão violento e agudo, que uma pequena fração da classe dominante se desliga desta, ligando-se à classe revolucionária, a classe que traz em si o futuro.
Do mesmo modo que outrora uma parte da nobreza passou-se para a burguesia, em nossos dias, uma parte da burguesia passa-se para o proletariado, especialmente a parte dos ideólogos burgueses que chegaram à compreensão teórica do movimento histórico em seu conjunto”.
É dessa forma, segundo eles, que “a burguesia fornece aos proletários os elementos de sua própria educação política, isto é, armas contra ela própria”.
Suicídio das elites
Para Marx e Engels, os comunistas “constituem a fração mais resoluta dos partidos operários de cada país, a fração que impulsiona as demais e teoricamente têm sobre o resto do proletariado a vantagem de uma compreensão nítida das condições, da marcha e dos fins gerais do movimento proletário”. Lenin aprofunda essa percepção e, na obra “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”, salienta o papel catequizador, guerreiro, mas sobretudo dirigente das vanguardas, que, para fazer a revolução e consolidá-la, deviam amalgamar-se ao proletariado e demais trabalhadores:
“A arte do político (e a justa compreensão dos seus deveres no comunista) consiste, precisamente, em saber aquilatar com exatidão as condições e o momento em que a vanguarda do proletariado pode tornar vitoriosamente o Poder; em que pode, por ocasião da tomada do Poder e depois dela conseguir um apoio suficiente de setores bastante amplos da classe operária e das massas trabalhadoras não proletárias; em que pode, uma vez obtido esse apoio, manter, consolidar e ampliar seu domínio, educando, instruindo e atraindo para si massas cada vez maiores de trabalhadores”.
O sociólogo e economista italiano Vilfredo Pareto (1848-1923), em seu “Manual de Economia Política”, publicado em 1909, observa que, da mesma forma que é possível distinguir ricos e pobres numa dada sociedade, também é possível identificar uma elite (“a parte aristocrática”, no sentido etimológico de “melhor”) e a parte vulgar. “Essa elite existe em todas as sociedades e as governa, mesmo quando o regime é, em aparência, aquele da mais ampla democracia”, escreve Pareto. Mas a elite não é estática e alguns de seus membros (a “parte degenerada” da antiga elite) podem juntar-se à parte vulgar, o que resulta na “circulação de elites”, segundo Pareto.
“Consta que quase todas as revoluções foram obra, não do vulgo, mas da aristocracia e notadamente da parte desprovida da aristocracia; é o que se vê na história, começando na época de Péricles até a época da primeira revolução francesa; e hoje mesmo vemos que uma parte da burguesia ajuda fortemente o socialismo, cujos chefes, aliás, são burgueses.
As elites terminam comumente pelo suicídio” — escreve Pareto, como se descrevesse não apenas o seu tempo, mas também o nosso, em que intelectuais da USP, capitães de indústria e banqueiros se ajoelham aos pés de Lula e do PT.
Como observa Pareto, essa parte da elite que se rebela contra o “status quo” sempre se apresenta como porta-voz da maioria que está fora do poder, aparentando defender bandeiras universais. Entretanto, ressalta o sociólogo italiano, “o homem é guiado por interesses particulares e principalmente pelos sentimentos, ao mesmo tempo em que imagina, e faz crer aos outros, que é guiado por interesses gerais e pela razão”.
Pareto não tem meias palavras para descrever uma Europa convulsionada pelos movimentos operários, que iriam desaguar na Revolução Russa, menos de dez anos depois. “O grande erro da época atual é crer que se pode governar os homens pela pura razão, sem fazer uso da força, que é, ao contrário, o fundamento de toda organização social.
É até curioso observar que a antipatia da burguesia contemporânea contra a força termina por deixar o campo livre para a violência. Por estarem seguros da impunidade, os malfeitores e os amotinadores fazem quase tudo que desejam.
As pessoas mais práticas são levadas a se sindicalizar e a recorrer à ameaça e à violência, única via aberta que os governantes lhes deixam para defender seus interesses” — sustenta o pensador italiano.
Imunidade moral de Lula
Pareto já percebia com muita clareza que o discurso humanitário de sua época — sem dúvida, muito menos totalitário que o de hoje — já era potencialmente perigoso, por trazer os germes de sua própria destruição: “A religião humanitária mui provavelmente desaparecerá quando tiver cumprido sua obra de dissolução social e quando uma nova elite se levantar sobre as ruínas da antiga. A inconsciência ingênua de uma burguesia em decadência faz toda a força dessa religião, que não terá nenhuma utilidade no dia em que os adversários da burguesia se tornarem bastante fortes para não mais esconder seu jogo”.
Pareto percebe a impotência da razão para servir de barreira aos movimentos revolucionários: “As teorias econômicas e sociais das quais se servem aqueles que participam das lutas sociais não devem ser julgadas pelo seu valor objetivo, mas principalmente por sua eficiência em suscitar emoções. A refutação científica que se possa fazer não serve para nada, por mais exata que seja objetivamente”. Daí a enorme dificuldade para se propagar o pensamento liberal no Brasil, ainda que um Roberto Campos possa ter mais razão do que um Celso Furtado e um Eduardo Giannetti da Fonseca seja muito mais instigante do que uma Marilena Chauí.
E não são apenas os iletrados que se mostram refratários à razão — também os letrados se deixam levar pelas emoções e, dessa forma, contribuem com a vanguarda revolucionária, muitas vezes fazendo parte dela. Os recorrentes ataques de Lula à imprensa, por exemplo, só são possíveis porque ele goza de uma espécie de imunidade moral.
Apesar de ter trabalhado apenas seis anos como metalúrgico (pois com 27 anos iniciou sua carreira de sindicalista, passando a integrar a diretoria do sindicato), Lula tornou-se um mito cultivando a fama de operário — como se não houvesse uma grande diferença entre o trabalhador comum e sua elite sindical, que desfruta de uma série de privilégios.
A máscara de operário e pau-de-arara protege Lula das elites tradicionais, que não se sentem confortáveis em criticá-lo. Como no Brasil a “circulação das elites” de que fala Pareto nunca ocorreu por mérito, o combate a Lula, com algumas exceções, nunca é feito com seriedade e tende a descambar para o folclórico, apelando, por exemplo, para seu suposto analfabetismo, quando — justiça seja feita — sua oratória é melhor e mais criativa do que a média dos políticos. Isso ajuda o próprio Lula, pois reforça sua mitológica condição de eterna vítima das elites e contribuiu para esconder aspectos muito mais deploráveis de sua trajetória política.
Há décadas, Lula deixou de ser o operário heroico em que se disfarça nos palanques. Em 2002, quando se elegeu presidente, seu patrimônio declarado ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) era de R$ 422,9 mil. Em 2006, já havia dobrado, passando para R$ 839 mil. Quando entregou a Presidência para Dilma Rousseff, uma reportagem da “Folha de S. Paulo”, publicada em 23 de janeiro de 2011, estimou seu patrimônio R$ 1,036 milhão.
Além disso, como ex-presidente, conta com oito funcionários à sua disposição, pagos pelos cofres públicos. E, antes de ser diagnosticado com câncer na laringe, Lula estava cobrando cerca de 200 mil reais por palestra, a maioria delas contratadas por grandes empresas, como a LG e a AmBev. Não sendo Lula especialista em nada (tanto que seus dois governos eram administrativamente tocados pelos chefes da Casa Civil), é bem provável que esse tipo de palestra tivesse um apelo sentimental e não técnico – uma espécie de carícia do setor privado na incontornável epiderme do poder público, que parece envolver o país como a placenta envolve o feto.
O gigantismo do poder público no Brasil está na raiz da corrupção que assola o país e esse fato é que deveria ser objeto de reflexão. Todavia, se depender de Lula e do PT, a imprensa e o governo Marconi Perillo é que serão os únicos alvos da CPI do Cachoeira. Mas engana-se quem pensa que esses ataques à liberdade de imprensa decorrem apenas de uma birra pessoal de Lula, motivada pelo escândalo do mensalão, que quase o coloca no banco dos réus. Ainda que seja maior do que o PT e encarne uma face caudilhesca à moda de Vargas e Perón, Lula é também um filho da USP, cria bastarda da cruza ideológica entre o sociólogo Fernando Henrique Cardoso e a filósofa Marilena Chauí. Lula traz no seu DNA político as taras ancestrais da velha esquerda, ainda que ele próprio não pareça ter muita consciência disso.
Uma dessas taras — herdada da Revolução Russa de 1917 — é a transformação da imprensa em inimiga, tão logo o Partido chega ao poder e a liberdade de expressão deixa de ser um instrumento contra o governo.
O historiador norte-americano Roberto Gellately, em seu livro “Lênin, Stálin e Hitler: A Era da Catástrofe Social” (Editora Record, 2010), descreve como foi o apoio obtido por comunistas e nazistas dos segmentos letrados da época: “Os regimes soviético e nazista ganharam seguidores entre os idealistas, os jovens e os mais educados. Essas pessoas praticamente idolatravam seus líderes, e até mesmo os frios racionalistas entre elas podiam se lembrar de sentir o chão balançar sob seus pés ao se encontrarem na presença desses homens”.
Todavia, o apoio que recebeu de muitos intelectuais não foi suficiente para que Lênin, uma vez no poder, respeitasse a liberdade de pensamento: “O entendimento de Lênin de verdadeira liberdade foi logo esclarecido. A primeira liberdade civil a ser removida como um membro gangrenado foi a liberdade de expressão. Menos de 48 horas após a revolução, um ‘decreto sobre a imprensa’ foi emitido com a assinatura de Lênin. Isso aconteceu em 27 de outubro de 1917 e já marcou o fim de qualquer esperança de que o novo regime fosse ser tolerante, quanto mais que estabelecesse a democracia”.
Com certa ironia, Gellately observa que o jornalista norte-americano John Reed, autor de “Dez Dias que Abalaram o Mundo”, registrou, sem fazer crítica, a lógica de Lênin durante um debate no Congresso dos Sovietes: “Nós, bolcheviques, sempre dissemos que, quando chegássemos a uma posição de poder, fecharíamos a imprensa. Tolerar jornais burgueses significaria parar de ser um socialista.
Quando se faz uma revolução, não se pode ficar parado, é preciso avançar sempre — ou recuar. Quem agora fala sobre ‘liberdade de imprensa’ retrocede e detém nosso curso impetuoso rumo ao socialismo”. Trotsky (que acabaria assassinado no México a mando de Stálin), mesmo tendo se tornado um ídolo para milhares de intelectuais no Ocidente, tinha a mesma visão sobre a imprensa e, quando da censura imposta por Lênin, declarou seu apoio explícito a ela com essas palavras: “Se vamos nacionalizar os bancos, podemos tolerar os jornais econômicos? O velho regime tem que morrer: é preciso entender isso de uma vez por todas”.
História como farsa
Justamente por serem filhos das ideias, os marxistas são os que mais as temem. Falando sobre o Partido Comunista ao tempo da Revolução Russa, Gellately observa: “As ideias exerciam enorme apelo sobre os fiéis do partido devido às promessas que faziam e às visões de esperança que ofereciam.
Que centenas de milhares de pessoas, e por fim milhões, tivessem de ser sacrificadas foi algo discreta e convenientemente ignorado pelos idealistas e utopistas”. Esse padrão revolucionário, que se assenhoreia, ao mesmo tempo, da palavra, da arma e da flor, iria se repetir na trajetória da esquerda pelo mundo afora. Por isso, todas as revoluções socialistas — da Revolução Russa, de 1917, à Revolução Cubana, de 1959, passando pelas revoluções asiáticas e africanas — sempre tiveram como ponto de partida um golpe de estado deflagrado por uma elite intelectual e militarizada, que se apresenta como porta-voz dos oprimidos, mas termina por ser fonte de opressão.
No Brasil não é diferente e essa história se repete como farsa: a esquerda chegou ao poder com Lula e revolucionou corrupção, que nunca mais será a mesma.
É o que se constata na CPI do Cachoeira. Até a chegada do PT ao poder, a corrupção estava associada ao rato de esgoto; agora, ela pode ser representada por uma ave de rapina. O rato furta e se esconde, como se tivesse consciência do erro. A ave de rapina assalta e se exibe, como se tivesse orgulho do seu ato. O pragmático e ainda tímido “rouba mas faz” de Maluf foi substituído pelo metafísico e destemido “rouba mas é” do mensalão — ou seja, o sujeito desvia o recurso público, mas por “ser” de esquerda, julga que não está cometendo crime, mas fazendo a revolução.
É o caso de Lula. Nas últimas semanas, tão logo se recuperou do tratamento de câncer, o ex-presidente voltou a vociferar contra as elites, como se fosse um Lênin sem armas. Lula ousa negar o próprio escândalo do mensalão — o mais documentado caso de corrupção da história do país — e afirma que a compra de parlamentares com recursos ilegais nunca existiu, não passando de uma invenção da “elite”, mancomunada com a imprensa. Essa elite, insiste Lula, não teria engolido a chegada de um operário ao poder e fez de tudo para derrubá-lo. O que é falso.
Nunca antes na história deste país um político foi tão ingrato. Lula só não caiu justamente porque a elite o segurou. Em 2005, quando o publicitário Duda Mendonça confessou, numa CPI do Congresso, que havia recebido milhões de dólares numa conta no exterior, a conselho de Marcos Valério, como pagamento pelo seu trabalho na campanha do próprio Lula, bastava que a oposição tivesse insistindo nessa confissão do publicitário baiano, aprofundando as investigações sobre o caso, para que Lula não terminasse seu mandato.
Mas a elite que Lula tanto condena — e à qual já pertencia, antes mesmo de se tornar milionário — foi tão respeitosa com o mito que acabou sendo condescendente com o homem. Para não ser acusada de tramar contra o suposto operário que chegou à Presidência da República, ela preferiu esquecer a grave confissão de Duda Mendonça, assim como outros fatos igualmente graves que levaram a Procuradoria Geral da República a classificar o ex-ministro José Dirceu como “chefe de quadrilha” — num inquérito que o Supremo Tribunal Federal promete julgar ainda neste ano.
Vícios privados, prejuízos públicos
É por recear o julgamento do mensalão que o ex-presidente Lula — beneficiando-se da indisposição histórica da esquerda para com a liberdade de expressão — tanto se esforça para transformar a CPI do Cachoeira num processo inquisitorial contra a imprensa. Mas esse trabalho se tornou mais difícil na medida em que ficou claro que um dos associados do bicheiro, o empresário Fernando Cavendish, sócio majoritário da construtora Delta, é amicíssimo do governador fluminense Sérgio Cabral (PMDB), grande aliado de Lula.
Além disso, a Delta de Cavendish era responsável por um imenso volume de obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a menina dos olhos do governo federal. Segundo o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), entre 2007 e 2012, a Delta teve empenho superior a 4,1 bilhões de reais no governo federal, sendo que 90% dos contratos tinham origem no Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre).
Fernando Cavendish é uma espécie de novo Duda Mendonça. Na época em que o publicitário confessou ter sido pago em dólares pela campanha de Lula através de uma conta no exterior, a investigação não foi adiante também porque a oposição, além de poupar Lula, queria poupar a si mesma.
Segundo uma reportagem da revista “Veja”, publicada em 25 de janeiro de 2006, Duda Mendonça recebeu não apenas os recursos confessados do “valerioduto”, mas um total de 15 milhões de dólares em contas não declaradas no exterior — isso desde 1993, portanto, dez anos antes de Lula assumir a presidência da República. Investigar a origem desses recursos poderia complicar a vida de todo o mundo político, uma vez que Duda Mendonça fez caríssimas campanhas majoritárias para todos os principais partidos e líderes políticos do país.
Agora, com a empreiteira de Fernando Cavendish ocorre o mesmo. Investigar a fundo a presença da Delta no setor público seria uma devassa ousada demais. Tanto que o próprio Cavendish optou por sair de cena e a Delta foi vendida para o Grupo JBS — que tem o BNDES entre seus principais acionistas.
Parece que, mais uma vez, os brasileiros estão sendo chamados a socializar, compulsoriamente, os prejuízos públicos decorrentes de vícios privados. Prova disso é que, ao lado de Cachoeira na CPI, sentou-se ninguém menos do que o advogado criminalista Márcio Thomaz Basto, que foi ministro da Justiça do governo Lula e há muitos anos advoga para o PT, além de aconselhar os petistas, inclusive o próprio Lula. O ex-ministro está cobrando R$ 15 milhões para garantir o silêncio de Cachoeira.
Resta saber se seu cliente tem como levantar esse montante de dinheiro legalmente, sem ser fruto da contravenção ou do crime. A quem interessa o silêncio de ouro de Cachoeira? Sem dúvida, àqueles que detêm o poder no país: justamente a elite — que Lula tanto critica e da qual faz parte.
E a presença de seu grande amigo Márcio Thomaz Bastos ao lado de Carlinhos Cachoeira faz o Brasil desconfiar que o silêncio do bicheiro pode ser mais caro justamente para Lula. É o conluio das elites.
30 de maio de 2012
José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.
O gigantismo do poder público no Brasil está na raiz da corrupção que assola o país e esse fato é que deveria ser objeto de reflexão. Todavia, se depender de Lula e do PT, a imprensa e o governo Marconi Perillo é que serão os únicos alvos da CPI do Cachoeira.
O silêncio de Carlinhos Cachoeira – garantido pelos R$ 15 milhões de honorários do amigo de Lula – é uma prova de que no Brasil há um conluio de elites.
Os esgares do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Câmara Municipal de São Paulo e a placidez do advogado Márcio Thomaz Bastos na CPI Mista de Cachoeira são duas provas distintas, mas complementares, de que a história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história da ascensão, queda e renovação das elites.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, jamais estiveram em constante oposição, muito menos travaram uma guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada, que teria sempre resultado na transformação revolucionária da sociedade ou na destruição das classes em luta.
Ao contrário do mito propagado por Marx e Engels no “Manifesto Comunista” (parafraseado quase literalmente na abertura deste artigo), a luta contra a opressão exige armas que o verdadeiro oprimido nunca tem. Por isso, a “luta de classes” jamais desaguou na revolução proletária e onde o comunismo chegou ao poder foi devido a fatores externos (como as guerras) e à capacidade da elite intelectual em capitalizá-los.
O marxismo é uma mitologia. O socialismo idealizado por Marx nada tem de científico — é justamente o mais utópico entre todos os socialismos já formulados. De fato, crer na boa vontade dos homens para forjar uma sociedade igualitária, como sonhava Saint-Simon, é utopia. Mas apostar na onisciência da história para predizer o futuro da humanidade, como fazia Marx, é insanidade. Prova disso é que a dupla Marx & Engels, mesmo sustentando que a revolução proletária era uma inevitabilidade científica e que o socialismo era a incógnita revelada da equação histórica, no fundo não parece acreditar na própria tese do “Manifesto Comunista”. Já nesse clássico do movimento revolucionário, a dupla aposta claramente no voluntarismo político das vanguardas, como se reconhecesse que a história não está pré-estabelecida em fórmulas e precisa do empurrão da vontade dos homens.
Marx e Engels descrevem a formação das vanguardas revolucionárias à testa das classes em luta, mostrando a simbiose entre uma franja da classe dominante que se decompõe e um recorte da classe dominada em ascensão.
Eis o que dizem no “Manifesto Comunista”: “Finalmente, nos períodos em que a luta de classes se aproxima da hora decisiva, o processo de dissolução da classe dominante, de toda a velha sociedade, adquire um caráter tão violento e agudo, que uma pequena fração da classe dominante se desliga desta, ligando-se à classe revolucionária, a classe que traz em si o futuro.
Do mesmo modo que outrora uma parte da nobreza passou-se para a burguesia, em nossos dias, uma parte da burguesia passa-se para o proletariado, especialmente a parte dos ideólogos burgueses que chegaram à compreensão teórica do movimento histórico em seu conjunto”.
É dessa forma, segundo eles, que “a burguesia fornece aos proletários os elementos de sua própria educação política, isto é, armas contra ela própria”.
Suicídio das elites
Para Marx e Engels, os comunistas “constituem a fração mais resoluta dos partidos operários de cada país, a fração que impulsiona as demais e teoricamente têm sobre o resto do proletariado a vantagem de uma compreensão nítida das condições, da marcha e dos fins gerais do movimento proletário”. Lenin aprofunda essa percepção e, na obra “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”, salienta o papel catequizador, guerreiro, mas sobretudo dirigente das vanguardas, que, para fazer a revolução e consolidá-la, deviam amalgamar-se ao proletariado e demais trabalhadores:
“A arte do político (e a justa compreensão dos seus deveres no comunista) consiste, precisamente, em saber aquilatar com exatidão as condições e o momento em que a vanguarda do proletariado pode tornar vitoriosamente o Poder; em que pode, por ocasião da tomada do Poder e depois dela conseguir um apoio suficiente de setores bastante amplos da classe operária e das massas trabalhadoras não proletárias; em que pode, uma vez obtido esse apoio, manter, consolidar e ampliar seu domínio, educando, instruindo e atraindo para si massas cada vez maiores de trabalhadores”.
O sociólogo e economista italiano Vilfredo Pareto (1848-1923), em seu “Manual de Economia Política”, publicado em 1909, observa que, da mesma forma que é possível distinguir ricos e pobres numa dada sociedade, também é possível identificar uma elite (“a parte aristocrática”, no sentido etimológico de “melhor”) e a parte vulgar. “Essa elite existe em todas as sociedades e as governa, mesmo quando o regime é, em aparência, aquele da mais ampla democracia”, escreve Pareto. Mas a elite não é estática e alguns de seus membros (a “parte degenerada” da antiga elite) podem juntar-se à parte vulgar, o que resulta na “circulação de elites”, segundo Pareto.
“Consta que quase todas as revoluções foram obra, não do vulgo, mas da aristocracia e notadamente da parte desprovida da aristocracia; é o que se vê na história, começando na época de Péricles até a época da primeira revolução francesa; e hoje mesmo vemos que uma parte da burguesia ajuda fortemente o socialismo, cujos chefes, aliás, são burgueses.
As elites terminam comumente pelo suicídio” — escreve Pareto, como se descrevesse não apenas o seu tempo, mas também o nosso, em que intelectuais da USP, capitães de indústria e banqueiros se ajoelham aos pés de Lula e do PT.
Como observa Pareto, essa parte da elite que se rebela contra o “status quo” sempre se apresenta como porta-voz da maioria que está fora do poder, aparentando defender bandeiras universais. Entretanto, ressalta o sociólogo italiano, “o homem é guiado por interesses particulares e principalmente pelos sentimentos, ao mesmo tempo em que imagina, e faz crer aos outros, que é guiado por interesses gerais e pela razão”.
Pareto não tem meias palavras para descrever uma Europa convulsionada pelos movimentos operários, que iriam desaguar na Revolução Russa, menos de dez anos depois. “O grande erro da época atual é crer que se pode governar os homens pela pura razão, sem fazer uso da força, que é, ao contrário, o fundamento de toda organização social.
É até curioso observar que a antipatia da burguesia contemporânea contra a força termina por deixar o campo livre para a violência. Por estarem seguros da impunidade, os malfeitores e os amotinadores fazem quase tudo que desejam.
As pessoas mais práticas são levadas a se sindicalizar e a recorrer à ameaça e à violência, única via aberta que os governantes lhes deixam para defender seus interesses” — sustenta o pensador italiano.
Imunidade moral de Lula
Pareto já percebia com muita clareza que o discurso humanitário de sua época — sem dúvida, muito menos totalitário que o de hoje — já era potencialmente perigoso, por trazer os germes de sua própria destruição: “A religião humanitária mui provavelmente desaparecerá quando tiver cumprido sua obra de dissolução social e quando uma nova elite se levantar sobre as ruínas da antiga. A inconsciência ingênua de uma burguesia em decadência faz toda a força dessa religião, que não terá nenhuma utilidade no dia em que os adversários da burguesia se tornarem bastante fortes para não mais esconder seu jogo”.
Pareto percebe a impotência da razão para servir de barreira aos movimentos revolucionários: “As teorias econômicas e sociais das quais se servem aqueles que participam das lutas sociais não devem ser julgadas pelo seu valor objetivo, mas principalmente por sua eficiência em suscitar emoções. A refutação científica que se possa fazer não serve para nada, por mais exata que seja objetivamente”. Daí a enorme dificuldade para se propagar o pensamento liberal no Brasil, ainda que um Roberto Campos possa ter mais razão do que um Celso Furtado e um Eduardo Giannetti da Fonseca seja muito mais instigante do que uma Marilena Chauí.
E não são apenas os iletrados que se mostram refratários à razão — também os letrados se deixam levar pelas emoções e, dessa forma, contribuem com a vanguarda revolucionária, muitas vezes fazendo parte dela. Os recorrentes ataques de Lula à imprensa, por exemplo, só são possíveis porque ele goza de uma espécie de imunidade moral.
Apesar de ter trabalhado apenas seis anos como metalúrgico (pois com 27 anos iniciou sua carreira de sindicalista, passando a integrar a diretoria do sindicato), Lula tornou-se um mito cultivando a fama de operário — como se não houvesse uma grande diferença entre o trabalhador comum e sua elite sindical, que desfruta de uma série de privilégios.
A máscara de operário e pau-de-arara protege Lula das elites tradicionais, que não se sentem confortáveis em criticá-lo. Como no Brasil a “circulação das elites” de que fala Pareto nunca ocorreu por mérito, o combate a Lula, com algumas exceções, nunca é feito com seriedade e tende a descambar para o folclórico, apelando, por exemplo, para seu suposto analfabetismo, quando — justiça seja feita — sua oratória é melhor e mais criativa do que a média dos políticos. Isso ajuda o próprio Lula, pois reforça sua mitológica condição de eterna vítima das elites e contribuiu para esconder aspectos muito mais deploráveis de sua trajetória política.
Há décadas, Lula deixou de ser o operário heroico em que se disfarça nos palanques. Em 2002, quando se elegeu presidente, seu patrimônio declarado ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) era de R$ 422,9 mil. Em 2006, já havia dobrado, passando para R$ 839 mil. Quando entregou a Presidência para Dilma Rousseff, uma reportagem da “Folha de S. Paulo”, publicada em 23 de janeiro de 2011, estimou seu patrimônio R$ 1,036 milhão.
Além disso, como ex-presidente, conta com oito funcionários à sua disposição, pagos pelos cofres públicos. E, antes de ser diagnosticado com câncer na laringe, Lula estava cobrando cerca de 200 mil reais por palestra, a maioria delas contratadas por grandes empresas, como a LG e a AmBev. Não sendo Lula especialista em nada (tanto que seus dois governos eram administrativamente tocados pelos chefes da Casa Civil), é bem provável que esse tipo de palestra tivesse um apelo sentimental e não técnico – uma espécie de carícia do setor privado na incontornável epiderme do poder público, que parece envolver o país como a placenta envolve o feto.
O gigantismo do poder público no Brasil está na raiz da corrupção que assola o país e esse fato é que deveria ser objeto de reflexão. Todavia, se depender de Lula e do PT, a imprensa e o governo Marconi Perillo é que serão os únicos alvos da CPI do Cachoeira. Mas engana-se quem pensa que esses ataques à liberdade de imprensa decorrem apenas de uma birra pessoal de Lula, motivada pelo escândalo do mensalão, que quase o coloca no banco dos réus. Ainda que seja maior do que o PT e encarne uma face caudilhesca à moda de Vargas e Perón, Lula é também um filho da USP, cria bastarda da cruza ideológica entre o sociólogo Fernando Henrique Cardoso e a filósofa Marilena Chauí. Lula traz no seu DNA político as taras ancestrais da velha esquerda, ainda que ele próprio não pareça ter muita consciência disso.
Uma dessas taras — herdada da Revolução Russa de 1917 — é a transformação da imprensa em inimiga, tão logo o Partido chega ao poder e a liberdade de expressão deixa de ser um instrumento contra o governo.
O historiador norte-americano Roberto Gellately, em seu livro “Lênin, Stálin e Hitler: A Era da Catástrofe Social” (Editora Record, 2010), descreve como foi o apoio obtido por comunistas e nazistas dos segmentos letrados da época: “Os regimes soviético e nazista ganharam seguidores entre os idealistas, os jovens e os mais educados. Essas pessoas praticamente idolatravam seus líderes, e até mesmo os frios racionalistas entre elas podiam se lembrar de sentir o chão balançar sob seus pés ao se encontrarem na presença desses homens”.
Todavia, o apoio que recebeu de muitos intelectuais não foi suficiente para que Lênin, uma vez no poder, respeitasse a liberdade de pensamento: “O entendimento de Lênin de verdadeira liberdade foi logo esclarecido. A primeira liberdade civil a ser removida como um membro gangrenado foi a liberdade de expressão. Menos de 48 horas após a revolução, um ‘decreto sobre a imprensa’ foi emitido com a assinatura de Lênin. Isso aconteceu em 27 de outubro de 1917 e já marcou o fim de qualquer esperança de que o novo regime fosse ser tolerante, quanto mais que estabelecesse a democracia”.
Com certa ironia, Gellately observa que o jornalista norte-americano John Reed, autor de “Dez Dias que Abalaram o Mundo”, registrou, sem fazer crítica, a lógica de Lênin durante um debate no Congresso dos Sovietes: “Nós, bolcheviques, sempre dissemos que, quando chegássemos a uma posição de poder, fecharíamos a imprensa. Tolerar jornais burgueses significaria parar de ser um socialista.
Quando se faz uma revolução, não se pode ficar parado, é preciso avançar sempre — ou recuar. Quem agora fala sobre ‘liberdade de imprensa’ retrocede e detém nosso curso impetuoso rumo ao socialismo”. Trotsky (que acabaria assassinado no México a mando de Stálin), mesmo tendo se tornado um ídolo para milhares de intelectuais no Ocidente, tinha a mesma visão sobre a imprensa e, quando da censura imposta por Lênin, declarou seu apoio explícito a ela com essas palavras: “Se vamos nacionalizar os bancos, podemos tolerar os jornais econômicos? O velho regime tem que morrer: é preciso entender isso de uma vez por todas”.
História como farsa
Justamente por serem filhos das ideias, os marxistas são os que mais as temem. Falando sobre o Partido Comunista ao tempo da Revolução Russa, Gellately observa: “As ideias exerciam enorme apelo sobre os fiéis do partido devido às promessas que faziam e às visões de esperança que ofereciam.
Que centenas de milhares de pessoas, e por fim milhões, tivessem de ser sacrificadas foi algo discreta e convenientemente ignorado pelos idealistas e utopistas”. Esse padrão revolucionário, que se assenhoreia, ao mesmo tempo, da palavra, da arma e da flor, iria se repetir na trajetória da esquerda pelo mundo afora. Por isso, todas as revoluções socialistas — da Revolução Russa, de 1917, à Revolução Cubana, de 1959, passando pelas revoluções asiáticas e africanas — sempre tiveram como ponto de partida um golpe de estado deflagrado por uma elite intelectual e militarizada, que se apresenta como porta-voz dos oprimidos, mas termina por ser fonte de opressão.
No Brasil não é diferente e essa história se repete como farsa: a esquerda chegou ao poder com Lula e revolucionou corrupção, que nunca mais será a mesma.
É o que se constata na CPI do Cachoeira. Até a chegada do PT ao poder, a corrupção estava associada ao rato de esgoto; agora, ela pode ser representada por uma ave de rapina. O rato furta e se esconde, como se tivesse consciência do erro. A ave de rapina assalta e se exibe, como se tivesse orgulho do seu ato. O pragmático e ainda tímido “rouba mas faz” de Maluf foi substituído pelo metafísico e destemido “rouba mas é” do mensalão — ou seja, o sujeito desvia o recurso público, mas por “ser” de esquerda, julga que não está cometendo crime, mas fazendo a revolução.
É o caso de Lula. Nas últimas semanas, tão logo se recuperou do tratamento de câncer, o ex-presidente voltou a vociferar contra as elites, como se fosse um Lênin sem armas. Lula ousa negar o próprio escândalo do mensalão — o mais documentado caso de corrupção da história do país — e afirma que a compra de parlamentares com recursos ilegais nunca existiu, não passando de uma invenção da “elite”, mancomunada com a imprensa. Essa elite, insiste Lula, não teria engolido a chegada de um operário ao poder e fez de tudo para derrubá-lo. O que é falso.
Nunca antes na história deste país um político foi tão ingrato. Lula só não caiu justamente porque a elite o segurou. Em 2005, quando o publicitário Duda Mendonça confessou, numa CPI do Congresso, que havia recebido milhões de dólares numa conta no exterior, a conselho de Marcos Valério, como pagamento pelo seu trabalho na campanha do próprio Lula, bastava que a oposição tivesse insistindo nessa confissão do publicitário baiano, aprofundando as investigações sobre o caso, para que Lula não terminasse seu mandato.
Mas a elite que Lula tanto condena — e à qual já pertencia, antes mesmo de se tornar milionário — foi tão respeitosa com o mito que acabou sendo condescendente com o homem. Para não ser acusada de tramar contra o suposto operário que chegou à Presidência da República, ela preferiu esquecer a grave confissão de Duda Mendonça, assim como outros fatos igualmente graves que levaram a Procuradoria Geral da República a classificar o ex-ministro José Dirceu como “chefe de quadrilha” — num inquérito que o Supremo Tribunal Federal promete julgar ainda neste ano.
Vícios privados, prejuízos públicos
É por recear o julgamento do mensalão que o ex-presidente Lula — beneficiando-se da indisposição histórica da esquerda para com a liberdade de expressão — tanto se esforça para transformar a CPI do Cachoeira num processo inquisitorial contra a imprensa. Mas esse trabalho se tornou mais difícil na medida em que ficou claro que um dos associados do bicheiro, o empresário Fernando Cavendish, sócio majoritário da construtora Delta, é amicíssimo do governador fluminense Sérgio Cabral (PMDB), grande aliado de Lula.
Além disso, a Delta de Cavendish era responsável por um imenso volume de obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a menina dos olhos do governo federal. Segundo o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), entre 2007 e 2012, a Delta teve empenho superior a 4,1 bilhões de reais no governo federal, sendo que 90% dos contratos tinham origem no Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre).
Fernando Cavendish é uma espécie de novo Duda Mendonça. Na época em que o publicitário confessou ter sido pago em dólares pela campanha de Lula através de uma conta no exterior, a investigação não foi adiante também porque a oposição, além de poupar Lula, queria poupar a si mesma.
Segundo uma reportagem da revista “Veja”, publicada em 25 de janeiro de 2006, Duda Mendonça recebeu não apenas os recursos confessados do “valerioduto”, mas um total de 15 milhões de dólares em contas não declaradas no exterior — isso desde 1993, portanto, dez anos antes de Lula assumir a presidência da República. Investigar a origem desses recursos poderia complicar a vida de todo o mundo político, uma vez que Duda Mendonça fez caríssimas campanhas majoritárias para todos os principais partidos e líderes políticos do país.
Agora, com a empreiteira de Fernando Cavendish ocorre o mesmo. Investigar a fundo a presença da Delta no setor público seria uma devassa ousada demais. Tanto que o próprio Cavendish optou por sair de cena e a Delta foi vendida para o Grupo JBS — que tem o BNDES entre seus principais acionistas.
Parece que, mais uma vez, os brasileiros estão sendo chamados a socializar, compulsoriamente, os prejuízos públicos decorrentes de vícios privados. Prova disso é que, ao lado de Cachoeira na CPI, sentou-se ninguém menos do que o advogado criminalista Márcio Thomaz Basto, que foi ministro da Justiça do governo Lula e há muitos anos advoga para o PT, além de aconselhar os petistas, inclusive o próprio Lula. O ex-ministro está cobrando R$ 15 milhões para garantir o silêncio de Cachoeira.
Resta saber se seu cliente tem como levantar esse montante de dinheiro legalmente, sem ser fruto da contravenção ou do crime. A quem interessa o silêncio de ouro de Cachoeira? Sem dúvida, àqueles que detêm o poder no país: justamente a elite — que Lula tanto critica e da qual faz parte.
E a presença de seu grande amigo Márcio Thomaz Bastos ao lado de Carlinhos Cachoeira faz o Brasil desconfiar que o silêncio do bicheiro pode ser mais caro justamente para Lula. É o conluio das elites.
30 de maio de 2012
José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.
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