b. Fontes de pesquisa
Para a elaboração da tese foram utilizadas fontes
primárias e secundárias. As fontes primárias constituíram-se de documentos
audiovisuais e impressos. Os principais documentos audiovisuais permanecem os
próprios filmes do período nazista e seus roteiros e protocolos, preservados
nos arquivos federais e particulares da Alemanha. A maior parte dos filmes
citados foi vista naqueles arquivos, muitos em seminários e cursos, outra parte
em sessões especiais, mostras e festivais; por fim, na TV e em vídeos e DVDs adquiridos
na Alemanha.
A maior parte da documentação relativa ao cinema
nazista foi destruída a partir de fins de novembro de 1944 por ordem de
Goebbels: “As atas do Ministério não deveriam em hipótese alguma cair nas mãos
do inimigo”. Grande parte dos documentos impressos relativos ao cinema nazista
foram destruídos a partir de fins de novembro de 1944, por ordem expressa de
Goebbels. Contudo, na seção de cinema do Bundesarchiv, em Koblenz, encontram-se
pastas com anotações ministeriais sobre a produção dos últimos anos de guerra.
Os relatórios dos serviços secretos de segurança,
editados na íntegra, em 17 volumes, sob o título Meldungen aus dem Reich,
embora não contenham muitas anotações concernentes aos filmes produzidos no
‘Terceiro Reich’, fornecem ao historiador observações de primeira ordem quanto
aos efeitos gerais da propaganda. De interesse são também as duas obras
deixadas pelo Reichsfilmintendant (Intendente do filme do Reich), Dr. Fritz
Hippler: Fritz Hippler: Betrachtungen zum Filmschaffen, um manual de
propaganda editado em 1942, e Die Verstrickung, suas caóticas memórias
escritas em 1981.
Para avaliar as estratégias de propaganda, ganham
importância os roteiros e protocolos dos filmes (os que foram e os que não
foram produzidos); os discursos que Goebbels dirigia aos homens de cinema
(editados em anexo à obra básica de Gerd Albrecht, Nationalsozialistische
Filmpolitik e, sobretudo); os discursos que Goebbels dirigia aos homens de
cinema (em anexo à obra básica de Gerd Albrecht, Nationalsozialistische
Filmpolitik); e as diversas anotações sobre cinema nos seus Diários
(publicados em diversas edições incompletas).
Esses Diários possuem um trajetória tão
singular que merece ser aqui brevemente recordada. Os manuscritos referentes
aos anos 1932-1945 foram encontrados pela escritora e intérprete Elena
Rzevskaija no Bunker de Hitler, e depositados no arquivo pessoal de Stalin nos
subterrâneos do Kremlin. Cadernos anteriores a 1932 haviam sido encontrados em
outros lugares e acabaram nas mãos da administração anglo-americana, sendo
publicados anos depois.
Em 1969, em visita oficial à DDR, Leonid Breznev
levou secretamente a Erich Honecker os microfilmes dos Diários de
1932-1941. Entre 1972 e 1973, a editora Hoffmann und Campe contratou o escritor
Erwin Fischer para transcrever os microfilmes de 1941-1945. Em 1977, apareceu o
primeiro volume, com as anotações de 1945. Mas em 1980 a editora desistiu do
projeto e fechou novo contrato com o Bundesarchiv, através de Martin Broszat.
Sentindo-se lesado, Fischer recusou devolver os
microfilmes. O revisionista Franços Genoud reivindicou o direito de propriedade
dos Diários, tendo obtido seus manuscritos diretamente de antigos
nazistas: em 1955, com ajuda do advogado berlinense Kurt Leyke, ele conseguiu
assumir a herança desconhecida dos escritos literários de Goebbels “sem
qualquer limitação”. Era discutível se os Diários entrariam naquela
categoria. Numa entrada de 22 de outubro de 1936, Goebbels ainda afirmava ter
vendido os direitos dos Diários ao diretor da editora do NSDAP[10], Max Amann, para serem editados 20 anos após sua
morte. Incluiria esse acordo os anos ainda não vividos?
Em 1985, o Institut für Zeitgeschichte e o
Bundesarchiv negociaram o espólio com Genoud, que ganhou 100 mil marcos para
transcrever os Diários. Fischer ainda mantinha consigo os microfilmes,
mas como não detinha os direitos de sua posse, teve de devolvê-los. Os Diários
puderam ser então editados. Contudo a editora Mondadori lançou em 1993 um
caderno inédito de 1938, encontrado em 1990 pelo jornalista italiano Francesco
Bigazzi num arquivo da ex-URSS. Ainda passarão gerações até que os Diários de
Goebbels ganhem sua edição crítica definitiva. [11]
No ‘Terceiro Reich’, diversos jornais e revistas de
cinema – Lichtbildbühne, Berliner Illustrierte Zeitung, FilmKurier,
Der deutsche Film, Die Filmwoche, Kinematograph, Filmwelt,
Der Film, além do jornal oficial do NSDAP, o Völkischer Beobachter,
e o Der Angriff, de Joseph Goebbels –estampavam notas de
produção, resumos e críticas elaboradas por jornalistas coordenados pelo
Ministério da Propaganda e do Esclarecimento Público. Esses periódicos
continham resumos e observações que procuravam não apenas influenciar o
público, como alertar os produtores e artistas para que modificassem seus
estilos, no sentido de uma adaptação progressiva às exigências estéticas e
políticas do regime
Críticos identificados com o nazismo, como Hans
Bode, Hans Traub, A. Lippert, Schneider, Edmund Kauer, G. C. Klaren, Herbert
Ihering, Otto Kriegk ou Rudolf Oertel deixaram livros, artigos e teses, nas
quais a história do cinema alemão era reescrita, com a eliminação dos nomes dos
diretores, atores e técnicos judeus, como se jamais tivessem existido. De toda
essa literatura corrupta, a obra mais infame é Film-”Kunst”, Film-KOHN,
Film-Korruption (1937), de Carl Neumann, Curt Belling e Hans-Walther Betz.
Sempre interessantes são as autobiografias dos
cineastas, como as de Veit Harlan, Leni Riefenstahl, Arthur Maria Rabenalt,
Géza von Cziffra e Luis Trenker, e dos atores, como as de Kristina Söderbaum,
Zarah Leander, Heinz Rühmann, Lil Dagover, Ruldolf Fernau, Willy Fritsch,
Johannes Heesters, Paul Hörbiger, Viktor de Kowa, Hans Moser, Olga Tschechowa,
Gustav Frölich, Marika Rökk, Adele Sandrock e Ilse Werner. Todas essas memórias
demonstram como o desejo do sucesso pode ser mais forte que a consciência do
Mal do qual se participa – exemplos vivos do que Klaus Mann simbolizou, usando
Gustaf Gründgens como modelo, em Mephisto – Roman einer Karriere, obra
que permaneceu até 1981 proibida na Alemanha.
Quanto às fontes secundárias, há uma imensa
bibliografia geral e uma numerosa bibliografia específica. Os historiadores
calcularam, em 1992, em cerca de 50 mil o número das obras que abordaram a
temática do nazismo até então, montante que não cessa de crescer a cada ano. Em
Hitler Interpretationen, Gerard Schreiber recenseou cerca de 1500
títulos de autores que se ocuparam, desde 1923, até 1983, apenas em interpretar
o fenômeno nazista. Em 1984, Ian Kershaw tentou, pela primeira vez, em Der
NS-Staat, uma interpretação das interpretações do nazismo. E em 1992
Peter Manstein prometeu uma nova Bibliographie zum Nationalsozialismus cobrindo
o período de 1980-2000, acrescida de mais centenas de títulos.
No mar da bibliografia geral, orientei-me por
alguns conceitos e interpretações clássicos que me parecem ainda verdadeiros,
estando seus autores mais próximos que outros da realidade que analisaram.
Adotei a visão do ‘Terceiro Reich’ como sistema totalitário, de Hannah Arendt;
a idéia do antissemitismo como paixão irracional, de Jean-Paul Sartre; a teoria
da destruição planejada dos judeus, de Raul Hilberg; a sugestão do universo
concentracionário como administração da morte e instrumento de controle social,
de Bruno Bettelheim e Primo Levi; o conceito de indústria cultural, de Theodor
Adorno e Max Horkheimer; o da doença como metáfora, de Susan Sontag; e o da
massa como entidade autônoma, de Elias Canetti.
A bibliografia específica sobre o cinema nazista
circula nos meios acadêmicos, em estudos desenvolvidos em institutos e
universidades européias, americanas e israelenses, o que significa edições
limitadas, não destinadas ao público leigo e inevitavelmente esgotadas.
Na Alemanha, Joseph Wulf reuniu uma boa
documentação em Theater und Film im Dritten Reich (1966). Erwin Leiser
escreveu o pequeno livro clássico Deutschland erwache! (1968) e realizou
um documentário de mesmo título. Gerd Albrecht ampliou esses estudos em Nationalsozialistische
Filmpolitik (1969) e Film im Dritten Reich (1974). Hilmar Hoffmann
analisou a simbólica da bandeira em Und die Fahne führt uns in die Ewigkeit
(1988) e questionou a recuperação da produção cultural do nazismo, em Es ist
noch nicht zu Ende (1988). Além desses pesquisadores, Hans Barkkausen,
Friedemann Beyer, Wiefried von Bredow, Rolf Zurek, Peter Hagemann, Hans Peter
Kochenrath, Paul Werner, Karsten Witte e Kraft Wetzel são alguns dos autores
que se ocuparam do cinema nazista, produzindo artigos e ensaios bem
documentados.
Na Inglaterra, David Stuart Hull, cego entusiasta
dos filmes nazistas, publicou Film in the Third Reich (1969).
Pesquisadores mais sérios são David Welch, com Propaganda and the German
Cinema 1933-1945; e Richard Taylor, com Nazi Propaganda – The Power and
the Limitations; e Film Propaganda – Soviet Russia and Nazi Germany.
Sempre interessantes são os ensaios de Roger Manvell e Heinrich Fraenkel.
Na França, Francis Courtade e Pierre Cadars
realizaram, em Histoire du Cinéma Nazi (1972), apesar de todas as
falhas, um primeiro trabalho de sistematização. Para uma visão geral dos Kulturfilme
é fundamental a leitura de La vision nazi de l’Histoire (1988), de
Christian Delage.
Na Itália, Cinzia Romani produziu duas obras de
divulgação: o pequeno estudo Stato Nazista e Cinematografia (1983) e o
álbum Die Filmdiven im Dritten Reich (1985).
Na Suécia, Leif Furhammar e Folke Isaksson
mostraram as diversas combinatórias entre a imagem e a ideologia em Cinema e
política (1968), dedicando alguns capítulos ao cinema nazista.
Inúmeras teses abordaram diversos aspectos do
cinema nazista[12]; mas foi Boguslaw Drewniak,
historiador e professor de História da Universidade de Danzig, quem publicou,
em 1987, o trabalho mais informativo e completo sobre o filme
nacional-socialista: Der deutsche Film 1938-1945.
De todos os cineastas do ‘Terceiro Reich’, Leni
Riefenstahl foi quem suscitou o maior número de estudos[13]. O fato de ser a cineasta predileta de Hitler, sua
condição feminina em aparente contradição com o universo machista do cinema e
do nazismo, sua longevidade e enérgica intenção de não desaparecer da cena
pública, de par com a patética postura de inocência, jurando alienação política
durante o ‘Terceiro Reich’, contribuíram para sua fortuna crítica.
Mais raros são os estudos gerais sobre o
antissemitismo no cinema nazista, como Antisemitische Filmpropaganda, de
Dorothea Hollstein; An Analytical Study of the Nazi Treatment of the Jews in
Three Films, de Wilhelm Bleckmann; The Nazi Antissemitic Film, de
Baruch Gitlis; e L’Image et son Juif, de Régine-Mihal Friedman. Essas
obras pioneiras abriram um campo importante da pesquisa histórica através da
identificação e da análise dos estereótipos seculares do “judeu”, forjados
pelos doutrinadores da Igreja e retrabalhados pelos ideólogos nazistas. Mais
recentemente, Yizhak Ahren, Stig Hornshoj-Moller e Christoph B. Melchers
revelaram, em ‘Der ewige Jude’ – Wie Goebbels hetzte, a responsabilidade
direta de Goebbels na produção daquele filme sinistro.
Para nosso trabalho, três obras bastante
específicas foram essenciais: Medizin im Spielfilm des Nationalsozialismus,
editada por Udo Bezenhöfer e Wolfgang Eckart; Sterilisation und Euthanasie
im Film des ‘Dritten Reiches’, de Karl Ludwig Rost; e Reform und
Gewissen – ‘Euthanasie’ im Dienst des Fortschritts, de Götz Aly, Karl
Friedrich Masuhr, Maria Lehmann, Karl Heinz Roth e Ulrich Schultz.
Durante as comemorações dos 75 anos da Ufa, vários
livros sobre o cinema nazista vieram à luz, entre os quais Die Ufa-Story,
de Klaus Kreimeier; Verehrt, verfolgt, vergessen – Schauspieler als
Naziopfer, de Ulrich Liebe; Kurt Gerron – Gefeiert und Gejagt, de
Barbara Felsmann e Karl Prümm, além dos preciosos álbuns Das Ufa-Buch e Ufa-Magazin.
Andrea Winckler-Mayerhöfer publicou o estudo Starkult als Propagandamittel?,
sobre o papel das estrelas como figuras de identificação com o público em
alguns filmes de entretenimento do ‘Terceiro Reich’. Nesses mesmos filmes, Dora
Traudisch analisou a propaganda ideológica voltada contra a mulher em Mutterschaft
mit Zuckergruß?. E o jornalista Hans-Christoph Blumenberg investigou Das
Leben geth weiter, o último filme produzido no ‘Terceiro Reich’.
A Stiftung Deutsche Kinemathek publica regularmente
monografias, ensaios, coletâneas; e, enfim, não cessa de crescer o interesse
dos historiadores, tanto alemães quanto estrangeiros, em analisar a ideologia
nazista através do cinema, tentando desvendar os métodos que Goebbels empregou
em sua produção audiovisual. A historiografia crítica continua a abrir novas
perspectivas para a abordagem e a compreensão de um dos períodos mais complexos
e espantosos da História. E mais do que examinar as relações entre a arte e a
política, nosso propósito é enfatizar os compromissos entre a arte e o crime,
revelando o papel que o cinema alemão assumiu na preparação do Holocausto.
07 de maio de 2012CAPÍTULO 1 - ARQUIVO 30 DE ABRIL DE 2012
Este texto pertence à tese Imaginários de destruição, de Luiz Nazario. O autor não foi creditado, nem o link do blog do qual este texto foi copiado e colado aqui, sem as referências necessárias.
ResponderExcluirBLOG IMAGINÁRIOS DE DESTRUIÇÃO: os artigos deste blog são propriedade intelectual do autor. Para sua reprodução é preciso fazer o link com o original. Podem-se citar partes dele em publicações virtuais não comerciais e enviar para amigos por e-mail com a URL do original e crédito do autor. Outros usos somente com a permissão do autor.
Informo ao Sr. Anônimo que o credito devido ao autor foi dado na PARTE 1 do referido texto, bem como a fonte que figura na parte 2.
ExcluirA propósito, segue o link (desnecessariamente, pois basta pesquisar no google e lá encontrará o link...), para satisfação dos que o reputam mais importante que o nome do autor: http://tesededoutorado.wordpress.com/
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