"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 1 de junho de 2012

LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO: GOVERNO BRASILEIRO AINDA TEM NÍVEL CUBANO DE TRANSPARÊNCIA


 



Matéria do portal da revista Veja:
Passa a valer a partir desta quarta-feira a Lei de Acesso à Informação, que garante aos brasileiros acesso quase irrestrito – pelo menos na teoria – aos dados dos órgãos governamentais, onde até agora o sigilo era a regra. A regulamentação do texto foi publicada na edição desta quarta do Diário Oficial da União. A portaria define os tipos de documentos considerados secretos pelo estado “para controlar o acesso e a divulgação de informações sigilosas”.

Especialistas apontam a Lei de Acesso à Informação como um avanço, porém com poucas chances de que seja efetiva no primeiro momento. Muito mais que mudar práticas, será preciso mudar da “cultura do segredo” para a “cultura da transparência”. “E cultura não se muda por decreto, nem transparência se faz por lei”, afirma o professor de Direito Civil da Universidade de Brasília (UNB), Frederico Viegas.

Viegas cita como exemplo da cultura do segredo os próprios portais de transparência que os órgãos públicos afirmam ser uma maneira de cumprir a Lei de Acesso à Informação. “Ali se coloca apenas a informação que se quer mostrar. Alguns de transparência não têm nada”. O professor é cético com relação aos efeitos da lei no combate à corrupção. “Não acho que chegaremos a esse nível. Mas podemos ter, a médio prazo, maior fiabilidade na transparência do governo”.

Além dos entraves que impedem a execução da lei na sua plenitude pelos órgãos públicos, outro desafio é a falta de informação da própria população a respeito do seu direito de se informar – o que pode fazer a nova lei cair no esquecimento. “Para que esta lei funcione, em primeiro lugar o estado deve promover ostensivamente seu conhecimento à população”, afirma o professor de Ciência Política da Universidade Católica de Brasília, Emerson Masullo.

A portaria publicada nesta quarta, assinada por Renato da Silveira Martini, diretor-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, exclui alguns documentos da lista de liberação, justificando seu teor como imprescindível à segurança da sociedade ou do estado.

Atualmente, 90 países possuem leis de acesso à informação. Segundo um estudo feito pela Unesco, a primeira a ser criada foi a da Suécia, que está em vigor desde 1766. Na América Latina, o país pioneiro foi a Colômbia, onde o Código de Organização Política Municipal de 1888 permitia aos cidadãos solicitar documentos sob o controle de órgãos governamentais ou dos arquivos do governo.
No Observatório da Imprensa, entrevista com a professora Ana Malin, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), aponta os problemas e dificuldades na implementação da nova lei:
(…) Com a entrada em vigor da Lei 12.527, na quarta-feira (16/5), só Costa Rica e Cuba, na América Latina, não têm lei de acesso à informação.
A professora atribui a aprovação da lei a uma exigência crescente da sociedade civil e a uma sequência de decisões e políticas de Estado, mas igualmente a pressões externas, entre elas exigências feitas a partir de 1990 por bancos multilaterais de desenvolvimento e instituições financeiras internacionais. Naquele momento, só 13 países tinham leis dessa natureza. “O acesso a informações públicas era visto como algo pertencente à esfera da governança administrativa e não como direito humano fundamental”, diz Ana Malin.

Há alguns meses a professora iniciou pesquisa sobre novos padrões de gestão na administração pública brasileira que consigam responder aos direitos do público criados com a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação. Para fazer uma comparação internacional, consultou relatórios da ONU e da Unesco e pesquisa da Associated Press (ver“AP avalia legislação em 105 países”)

Eis os trechos principais da entrevista.

Dados abertos reduzem burocracia

A reta final da redação da lei teve pouco tempo, entre a ida da presidente Dilma Rousseff a um encontro com o presidente Barack Obama dedicado à parceria Governo Aberto, em setembro de 2011, e a aprovação no Congresso Nacional, em novembro. E nela se deu muito pouco tempo para a implantação, seis meses. E isso no quadro de um tradicional déficit de informação no Estado. No México, os órgãos governamentais tiveram prazo de seis meses para planejar o serviço e mais seis meses para implantá-lo.

Entretanto, fizemos uma lei que tem uma abrangência maior do que a das leis de outros países. A lei brasileira obriga os três poderes nas três esferas de governo – União, estados e municípios – mais as instituições privadas que recebem recursos públicos. Avançamos, ainda, incluindo dados governamentais abertos, uma solução de democracia com menos burocracia.

[A expressão dados abertos se aplica a bases de dados do governo que, não contendo informações sigilosas nem estando sujeitas a direitos de propriedade intelectual ou patente, ficam à disposição do público em formato não proprietário. Isso permite que organizações possam baixar em seus computadores bases inteiras e, a partir daí, formatá-las como lhes convier e fazer tratamento automático de dados.]

Formulário escrutina cidadão

O atraso nos deu a vantagem de trabalhar com dados governamentais abertos num momento em que ferramentas da internet já estão consolidadas. Mas sempre tendo em mente que quem pode tirar melhor proveito disso é a sociedade organizada, que tem condições de colocar uma equipe profissional para capturar esses dados, analisá-los e reutilizá-los.

Para que não tivéssemos dúvida de que estamos no Brasil, o formulário brasileiro exige que o requerente se identifique com tantos detalhes que o governo parece estar mais interessado em montar um cadastro sobre quem solicita do que entender e resolver o seu pedido de informação. Fica quase uma inversão: quem é você que quer saber isso ou aquilo? No México, a pergunta pode ser anônima e a resposta tem que ser pública, o que faz todo o sentido.

[Os dados de identificação pedidos no formulário são os seguintes. Pessoa física: obrigatórios − nome, documento de identidade (tipo e número), endereço físico, endereço eletrônico; não obrigatórios – telefone(s), sexo, data de nascimento, escolaridade (seis opções, desde sem instrução formal até mestrado/doutorado), ocupação principal. Pessoa jurídica: obrigatórios − razão social, CNPJ, nome do representante, cargo do representante, endereços físico e eletrônico; não obrigatórios: telefones, tipo de instituição e área de atuação. Em compensação, a folha com o pedido propriamente dito manda discriminar apenas o órgão ao qual o pedido é dirigido (e não o período em que foi gerada a informação solicitada). E deixa o resto do espaço para a especificação do pedido.]

“Parece livro de queixa de condomínio”

A correria está patente no formulário que a CGU até agora divulgou, porque ele não usa nenhuma tipologia que facilite encontrar a resposta. Parece livro de queixa do condomínio, que aceita todo tipo de reclamação e ainda obriga o síndico a entender a letra, ou a redação e a grafia, se for via sistema.  
A universidade pode ajudar muito a melhorar isso. Existem muitos estudos sobre categorias de informação do setor público. O formulário não pede nem a delimitação do período em que os dados foram produzidos.

É muito positivo o que a CGU está fazendo, muitos congressos, reuniões, seminários, todo um esforço, o portal está muito bom, mas ainda há bastante improviso. Não sei onde estava o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que não entrou com sua experiência de consulas via governo eletrônico, e por que a CGU não recorreu à própria universidade. O fato é que é impossível essa especificação do pedido levar a alguma coisa, considerando-se centenas de milhares de pedidos.

Agora o jeito é ver como se dá o funcionamento disso durante um período de seis meses, algo assim, e fazer as correções necessárias. Nós, do Ibict, pretendemos montar no Rio de Janeiro uma equipe para analisar os pedidos, separar uma amostra e começar a classificá-los, para saber a quem estão sendo dirigidos.

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Apresentação feita pela professora Ana Malin em seminário no Iplan-Rio pode ser lida aqui.
 01 de junho de 2012
Gravatai Merengue

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