"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 30 de junho de 2012

MERCODILEMAS, MERCOSURPRESAS

A grande surpresa da reunião do Mercosul foi a renúncia do brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães do cargo de alto representante do bloco comercial. Guimarães vinha, há algum tempo, expressando seu descontentamento com a consistência do Mercosul.
O bloco sulamericano enfrenta um desafio que não é novo, mas que a crise do Paraguai mostra com toda sua crueza.


Pinheiro Guimarães

UM FATO PREVISÍVEL E UMA SURPRESA

Martín Granovsky (jornal Página/12, de Buenos Aires)
A cúpula que reuniu os chanceleres do Mercosul começou com um fato previsível e uma surpresa. O previsível foi a confirmação de medidas para registrar a repulsa sulamericana à ruptura institucional no Paraguai. A surpresa, a renúncia do brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães do cargo de alto representante do Mercosul (chefe máximo com missões de negociação). Diplomata de carreira e filiado ao Partido dos Trabalhadores, Pinheiro Guimarães foi vice-chanceler e Secretário de Assuntos Estratégicos, com status de ministro, durante os oito anos do governo Lula.

O seu descontentamento pela escassa consistência do Mercosul não é novo. Ele havia manifestado isso na forma que o faz um diplomata, ou seja, dizendo que seria bom incorporar um maior nível de intercâmbio social e político, assinalando assim que a coesão não era o forte do mercado comum. Também comentou a falta de políticas específicas para os dois países menores do bloco, Paraguai e Uruguai.

Segundo o que o Página/12 conseguiu levantar, a oportunidade escolhida por este diplomata com peso intelectual próprio não entusiasmou nem ao governo brasileiro nem ao argentino. No caso brasileiro, aliás, não simétricas as expectativas de Pinheiro e as do governo liderado por Dilma Rousseff sobre os planos concretos e a autonomia prática do alto representante. De todo modo, considerado inclusive a crise menor dentro da crise maior, a renúncia dentro da interrupção da ordem institucional em um dos quatros membros, serve para uma reavaliação geral do tabuleiro.

Em 1991, a constituição do Mercosul em meio a regimes neoliberais diluiu a coordenação política prévia entre a Argentina e o Brasil e deu uma ênfase comercial a uma relação econômica que se baseava na integração administrada de setores produtivos. A coordenação dos tempos de Raúl Alfonsin e José Sarney voltou com Lula e Néstor Kirchner, e prossegue. Brasil e Argentina, apesar de terem hoje uma disparidade em tamanho relativo maior do que a que havia em 1985, apresentam uma sintonia política muito fina sobre a América do Sul e sobre o mundo e o volume de seu comércio é hoje três vezes maior do que em 1991.

Por outro lado, não conseguiram resolver a situação do Uruguai e do Paraguai, países que não têm semelhanças políticas, econômicas e institucionais. Por exemplo, o Uruguai é uma democracia consolidada e o Paraguai nunca terminou de estabilizar o regime constitucional que começou com a derrubada de Alfredo Stroessner pelo general Andrés Rodríguez em 1989. O establishment paraguaio agita esse tema agora com picardia. Dirigentes brancos e colorados sustentam que não importa que o Mercosul castigue o Paraguai pois isso acontece desde sempre.

A picardia consiste em basear um argumento com fundamentos em partes reais para encobrir a estratégia de que não ocorreu nada de mais. É um modo de reagir ao isolamento político do governo de Federico Franco, após a destituição relâmpago de Lugo. Relâmpago nas formas finais, é claro, porque antes 23 tentativas de impeachment, que se tornavam mais frequentes quanto maior era a debilidade político do ex-bispo.

É improvável que o Mercosul decida por um bloqueio econômico e comercial. Primeiro, porque os vizinhos, Argentina incluída, disseram que descartam essa possibilidade. E segundo porque, se quisessem, não poderiam fazê-lo. Como seria possível bloquear uma economia porosa onde pesa o contrabando? Como desconectar um país de onde vem 15% da energia elétrica argentina e 20% da brasileira?

O Mercosul enfrenta um desafio que não é novo, mas que a crise do Paraguai mostra com toda sua crueza. Neste ponto, crescem as chances de ingresso como membro pleno da Venezuela, como informou o Página/12, ainda que não se saiba de por via da suspensão de direitos do Paraguai, cujo Senado vinha trancando a entrada, ou mediante uma mudança no regulamento de incorporação de novos membros, mecanismo já acordado por sugestão feita na cúpula anterior pelo presidente uruguaio José “Pepe” Mujica.

Também neste ponto se entendem melhor os motivos da construção da Unasul, uma forma de integração política em primeiro lugar a partir dos chefes de Estado, que não abriga só os simpáticos a Lugo, mas, em geral, os afins às regras da democracia. Lugo é um espelho no qual nenhum presidente, de Hugo Chávez e Sebastian Piñera, desejaria se enxergar.

(Tradução: Marco Aurélio Weissheimer * Fonte Carta Maior)

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