Mas, certamente, muito do nosso mal-estar atual – a solidão crescente e o isolamento característico da vida no início do século XXI – é tanto causa quanto consequência da tempestade social tecnológica que atravessa o Vale do Silício, a região da Califórnia, nos Estados Unidos, em que estão algumas das mais importantes empresas de internet.
Há, claro, quem discorde. A mídia social, formada por ferramentas como blogs, grupos de e-mail e redes de relacionamento, tem um exército enorme de defensores.
Os crentes nesse poder, a que se referem quase como messiânico, dizem que a mídia social está transformando a sociedade, unindo as pessoas, subvertendo autocracias no Oriente Médio por dar voz a qualquer um com acesso à rede mundial de computadores.
A diretora de operações do Facebook, Sheryl Sandberg, até argumenta que as redes sociais permitem que as pessoas sejam mais autênticas e, por isso, se sintam realizadas. Existe um grau de verdade nessas afirmações.
O Facebook e o Twitter foram influentes no Egito, por exemplo, ao desafiar a autoridade do regime de Mubarak. Essas redes de interação são usadas por ativistas da democracia ao redor do mundo – da Rússia à China, ao movimento “Ocupem Wall Street” nos EUA – para desafiar injustiças sociais e econômicas.
Além disso, o Facebook permitiu a velhos amigos se reconectar, proporcionou que famílias geograficamente separadas permaneçam em contato – e garantiu diversão a milhões de crianças.
Mas o fenômeno é mais complexo. As mídias sociais que, no primeiro momento, parecem uma plataforma emancipatória de autoexpressão são, na verdade, um tipo de autoritarismo. A diversão on-line reflete a crise da liberdade individual numa era de pensamento coletivo.
A interação crescente, que parece fortalecer a sociabilidade, está construída sobre duas forças profundamente contraditórias que coexistem no mundo digital.
A primeira é a individualização cada vez maior, a solidão e o isolamento da vida pós-industrial do começo do século XXI.
A segunda é nossa obsessão em estarmos conectados com todos os elementos da vida on-line: atualizações do Facebook, hoje com quase 1 bilhão de usuários, milhões de tweets divulgados a cada dia, redes sociais que nos encorajam a contar nossa exata localização, como propõe o Foursquare.
Não acho que a mídia social seja a raiz da nossa solidão. Ela sempre existiu. Mas estou convencido de que, quanto mais solitária e individualista a pessoa se torna, mais idealiza as possibilidades de integração pela internet.
O problema, entretanto, é que a internet não é muito social. É uma agregação de pessoas individualistas e narcisistas, que entram e saem de comunidades, redes de relacionamento e amizades com um clique do mouse. O maior desejo delas é usar a rede para enxergar um reflexo de si mesmas.
A internet é o que o ativista americano Eli Pariser chama de filtro bolha: à medida que os mecanismos de busca se aperfeiçoam e retornam as buscas mais indicadas para o perfil de cada usuário, nos distanciamos cada vez mais do conteúdo total da internet. Temos acesso somente a uma pequena parte, àquilo que já faz parte do nosso universo.
A internet se tornou um gigantesco espelho que reflete nossos desejos, interesses e inclinações. Em vez de ser verdadeiramente sociais, as redes “sociais” de hoje permitem a todos nós criarmos comunidades virtuais que refletem nossos próprios interesses e que, na verdade, nos separam das nossas comunidades físicas.
A falta de inteligência de muitas mídias sociais explica por que o Facebook e o Twitter não foram eficazes em orquestrar, de fato, mudanças políticas. Após a excitação inicial de derrubar Mubarak, no Egito, e ocupar locais de Manhattan, organizações políticas mobilizadas via mídias sociais falharam em solidificar e estabelecer-se como alternativas viáveis a organizações preexistentes.
Até a rede social pró-Obama, que o ajudou na vitória de 2008, fracassou quando ele chegou ao poder. Enquanto isso, o movimento “Ocupem Wall Street” é tão fragmentado pelas ideias de cada um de seus milhões de milhões de participantes que falhou na criação de um grupo coerente.
No filme A rede social, do roteirista americano Aaron Sorkin, o cantor Justin Timberlake, que interpreta o primeiro presidente do Facebook, Sean Parker, diz: “Primeiro vivíamos em vilarejos, depois em cidades e agora vivemos na internet”. O Parker da ficção está correto.
O mundo que estamos criando é como um vilarejo pré-industrial – só que, agora, ele existe numa pequena escala iluminada global. A todo lugar que vamos on-line, somos vistos e acompanhados por anunciantes, pelo governo, pelos outros. É um mundo radicalmente transparente, sem surpresa, mistério, privacidade ou solidão.
O Sean Parker verdadeiro tem uma nova start-up no Vale do Silício chamada Airtime, com a qual ele diz pretender eliminar a solidão.
Mas tenho de confessar que sinto nostalgia de um mundo em que empreendedores bilionários – de Mark Zuckerberg a Sheryl Sandberg e Sean Parker – não estavam no negócio de eliminar a solidão alheia.
Mas e daí?, algumas pessoas podem perguntar. Se não somos forçados a participar de nenhuma dessas redes sociais, que perigo podem oferecer? Sim, ninguém está forçando ninguém a entrar no Facebook, Highlight ou Foursquare. Mas, à medida que a economia baseada no modelo do Google, de clique em links, da Web 2.0, é substituída pelo modelo do “curtir” do Facebook, da Web 3.0, é cada vez mais difícil recusar-se a participar da mídia social.
Só os muito ricos e pobres podem estar desconectados. Para o resto de nós, nossa reputação e identidade estão trancafiadas numa rede eletrônica global que está se tornando o sistema nervoso central do planeta.
A arquitetura da mídia social pode parecer a de um hotel luxuoso, mas, na verdade, é uma prisão em que estamos trancados em celas vigiadas. Isso já aconteceu antes. No começo do século XIX, o filósofo utilitarista Jeremy Bentham inventou o que nós chamamos de pan-óptico, um tipo de construção que permite que todas as pessoas dentro dela – uma escola, uma prisão ou uma indústria – sejam vigiadas ou, pelo menos, se sintam vigiadas.
Por trás da concepção do panóptico, estava a ideia de que a vigilância deveria ser a característica organizadora central da era industrial.
À medida que o mundo digital substitui o industrial e vivemos on-line e não em cidades, à medida que entramos na era em que é possível armazenar cada vez mais informações e transmiti-las com mais velocidade, o panóptico de Bentham está de volta.
A arquitetura do panóptico digital é de grande exibicionismo. Nós mesmos, voluntariamente, revelamos nossos segredos mais íntimos.
O maior crítico de Bentham foi seu afilhado, John Stuart Mill, cuja obra do século XIX, Sobre a liberdade, foi uma defesa da liberdade individual diante do conformismo coletivo da sociedade industrial.
Hoje, à medida que a história se repete e uma nova arquitetura de vigilância ameaça a liberdade, precisamos de um Sobre a liberdade digital que faça uma defesa apaixonada da autonomia individual.
A socióloga Sherry Turkle, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, descreve a era atual como a do juntos-sozinhos. O problema com a mídia social é que ela não garante nem a autonomia individual nem a coesão social.
A mídia social traz à tona o pior de nós. Ela nos encoraja a ser obsessivos com nossa própria imagem, infantis, egoístas e absortos em nós mesmos. Ironicamente, o culto internetocêntrico está minando a sociedade.
Minha resposta a tudo isso é tornar-me resistente ao Facebook e não ter meu perfil lá. Mas essa não é a única escolha. A mídia social tem valores que precisam ser administrados e refreados pelos usuários, governos e pelas próprias empresas de tecnologia. Corremos o risco de tornarmos escravos da mídia social. Em vez disso, precisamos escravizar essa tecnologia em favor das necessidades e prioridades humanas.
10 de junho de 2012
ANDREW KEEN
Nenhum comentário:
Postar um comentário