"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 10 de julho de 2012

HISTÓRIAS DO JORNALISTA SEBASTIÃO NERY

SENADO, QUANDO DESEJA, DECIDE AS QUESTÕES COM RAPIDEZ

A observação é de Elena, minha mulher, na manhã de quinta-feira, tão logo leu a reportagem de Fernanda Krakovicks, manchete principal da edição de O Globo, sobre a decisão tomada velozmente pelo Senado aprovando emenda constitucional que determina voto aberto para os processos de cassação de mandato parlamentar. As fotos que acompanham a matéria são de Ailton de Freitas e André Coelho.

O presidente da Casa, José Sarney, encaminhou o projeto da Mesa Diretora ao plenário e pronto: aprovado contra apenas um voto, do senador Lobão Filho. A votação implicitamente decretou antecipadamente a perda do mandato de Demóstenes.

Sem dúvida. Porém o voto secreto não vai ser adotado no dia 11, quarta-feira que vem. Isso porque para ser promulgada, a emenda constitucional tem que ser aprovada em dois turnos, tanto pelo Senado, quanto pela Câmara Federal. Não vai dar tempo de a Câmara dos Deputados estabelecer a alteração constitucional. Nem será necessário. O Senado jogou para a arquibancada. Mas, sem dúvida, jogou bem e foi ao encontro da opinião pública.

De fato, se o senador Demóstenes Torres não perder mandato em consequência das gravações feitas pela Polícia Federal registrando centenas de conversas com o empresário Carlos Ramos Cachoeira, então jamais o Congresso poderia cassar qualquer parlamentar.

É necessário distinguir as coisas, o que nem sempre é feito por correntes da opinião pública. Demóstenes não está, no Senado, respondendo a um processo penal. Isso poderá ocorrer depois pela Justiça comum. Não creio, pessoalmente. Mas poderia. Torres, entretanto, vai perder o mandato em decorrência de seu comportamento ético.

No Direito existem as situações de fato que, as vezes, coincidem com as de direito, diferença que os juristas e magistrados conhecem bem. Recordando o voto do ministro Nelson Hungria, STF, no julgamento de 55, peça fundamental para assegurar a posse de Juscelino, encontra-se a convergência das duas faces. O movimento político militar de 11 e 21 de novembro, que impediu o presidente em exercício, Carlos Luz, e o presidente efetivo, Café Filho, foi uma situação de fato confirmada pela Câmara dos Deputados. Em votação secreta, diga-se de passagem.

Mas seu objetivo – sustentou o notável jurista – destinava-se ao cumprimento da Constituição Federal em respeito ao resultado das urnas. A posse de Juscelino seria a 31 de janeiro de 56, como ocorreu. Nelson Hungria afirmou que não faria sentido abalar a decisão parlamentar e militar, ou recusá-la, criando portanto uma nova crise no espaço de menos de três meses. Sobretudo na véspera do mandato de cinco anos do presidente vitorioso nas urnas.

O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, que defende Demóstenes Torres, acompanhou as votações do plenário. Antes do desfecho, sua atuação não funcionou em favor do acusado.

Advogados não fazem milagres. Nunca fizeram. Não se pode opor a mágica à lógica. Se assim fosse, os que contassem com os serviços de especialistas competentes seriam todos absolvidos. E os exemplos não confirmam tal versão. O STF absolveu Fernando Collor de condenação criminal, em 93, depois do impeachment de 92, não por causa da atuação de Evaristo de Moraes Filho. Mas sim pela vontade política da maioria (5 a 3) da própria Corte.

Vamos ter agora, a partir de agosto, uma nova etapa de julgamentos pelo Supremo Tribunal Federal. Os 38 reus do processo do Mensalão de 2005, denúncia aceita pelo ministro Joaquim Barbosa em 2007. Advogados de renome defendem os acusados. Mas como defendem? Argumentando com a inocência? Nada disso. Recorre, à figura da transferência de culpa. Logo, nem eles, advogados, acreditam na absolvição.

O Prêmio Nobel de Carter


Quando o governador da Geórgia, nos Estados Unidos, Jimmy Carter, esteve no Brasil, em 72, o jornalista Jorge Miranda Jordão, que dirigiu a “Última Hora” aqui de São Paulo, mandou um jovem repórter a um almoço oferecido a ele por empresários. O repórter voltou de mãos vazias:
- Não deu para fazer nada. É apenas um plantador de amendoim, governador de um Estado pequenininho de lá. Não aconteceu nada que desse notícia, que se aproveitasse. Só o secretário dele é que insistia em me dizer que ele vai ser o próximo presidente dos Estados Unidos.
Nos livros de alfabetização, “Ivo viu a uva”. Nem sempre nós, jornalistas, vemos o ovo, com o futuro dentro. Carter foi presidente e depois ganhou o Prêmio Nobel da Paz, a maior honraria que já se inventou para os heróis vivos.

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SEGUNDA HISTÓRIA

De São Paulo, Jimmy Carter foi a Recife, passar alguns dias, com a mulher, na casa do empresário Camilo Steiner, na praia da Piedade. A mulher de Steiner, americana da Geórgia, foi colega de colégio da mulher de Carter. O filho de Steiner estudou nos Estados Unidos, morando na casa de Carter.
O então governador de Pernambuco Eraldo Gueiros ofereceu a Jimmy Carter um almoço, no palácio. Saudou-o o vice-governador Barreto Guimarães, gordo e barroco, lançando a candidatura de Carter a presidente:
- V. Excia tem a marca do estadista e será o próximo presidente dos EUA!
Como ele sabia, ninguém sabe. Carter, grandalhão, com sua simpática cara branca de pastor do interior em filme americano e os esbugalhados olhos amarelos, apenas sorriu. Não levou a sério o vaticínio.
No dia seguinte, Steiner convidou o saudoso Rui Araújo, chefe da Casa Civil de Gueiros, Anchieta Helcias, diretor da construção do porto de Suape, e alguns jornalistas, inclusive eu, de passagem por Recife, para uma peixada com Carter, na praia da Piedade.
Anchieta perguntou a Carter se ele tinha condições de sair, em 76, candidato pelo Partido Democrata. Carter respondeu com outra pergunta:
- Qual é o Estado mais pobre do Brasil?
- O Piauí. (Não é mais).
- Pois a Georgia é o Piaui de lá. O senhor acha que o governador do Piauí tem condições de ser presidente do Brasil?
Anchieta também achava que não. Mas o povo americano achava que sim.

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TERCEIRA HISTÓRIA

Quando Carter voltou ao Brasil, já presidente, no governo Geisel, o Itamarati se lembrou de que era uma boa levá-lo para um passeio pela Baía da Guanabara. Procuraram um barco à altura do presidente dos Estados Unidos.
De Brasília, telefonaram para Francisco Guise, que tinha uma bela lancha. O telefone estava quebrado. Pediram a de Sérgio Dourado, então rei da especulação imobiliária no Rio. Sérgio emprestou. Na hora de o barco sair, chegou um senhor todo apressado. Os seguranças de Carter, americanos e brasileiros, barraram-no. O homem insistia:
- Com licença!
- O senhor foi convidado?
- Não preciso de convite.
- Aqui só entra convidado.
- Mas em sou o dono do barco.
A segurança foi lá dentro, conversou com o embaixador americano. Carter apareceu sorrindo seus dentes enormes e convidou Rui Dourado a subir. Daí a pouco, um dos fotógrafos, já convidado, documentou o longo abraço imobiliário de Rui Dourado em Jimmy Carter. O barco estava pago.

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CIVISMO E CINISMO

Lembrei do magnífico, iluminado artigo de Hélio Fernandes sobre o Prêmio Nobel da Paz concedido a Carter em 2002.
Hélio mostrou a diferença entre Carter, construtor e herói da paz, e sua incansável luta pacifista, e o bastardo nazistazinho de proveta, Bush, com seus olhinhos de lagartixa, que ameaçava jogar a humanidade numa guerra nuclear.

Sebastião Nery
10 de julho de 2012

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