A tendência de a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal não ter condescendência com mensaleiros levou o mais conhecido dos advogados de defesa, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, no cargo quando o escândalo eclodiu, a fazer um comentário acima do tom usual.
Diante da condenação de seu cliente José Roberto Salgado, por gestão fraudulenta do Banco Rural, instituição envolvida no esquema de lavagem de dinheiro do valerioduto, Thomaz Bastos identificou no julgamento um “retrocesso na área penal”, pelo fato de a Corte estar “flexibilizando perigosamente certas garantias”.
E foi além, ao lembrar o AI-5, ato institucional que fechou o Congresso, em dezembro de 1968, e deu início à fase mais dura do regime militar.
O advogado explicou que desejava se referir ao comentário do então vice-presidente, Pedro Aleixo, contrário à edição do ato, de que não se preocupava com a concentração de poderes nas mãos do presidente Costa e Silva, mas com o que faria o “guarda de esquina” depois da supressão dos direitos individuais.
Thomaz Bastos teme a futura aplicação da jurisprudência que emerge do julgamento. Excesso de zelo do advogado, porque, enquanto o AI-5 foi um golpe de Estado desferido pela ala mais radical dos militares, a maioria do STF, no processo do mensalão, apenas aperfeiçoa interpretações da legislação existente, atualiza jurisprudência, tornando-a compatível com a evolução e disseminação dos crimes de colarinho branco praticados nos subterrâneos da política, como o mensalão.
É mais que um exagero comparar o STF a um “tribunal de exceção”.
A defesa, entre outros aspectos do julgamento verificados até agora, reclama da concordância majoritária de que não é necessário “ato de ofício” do agente público para ele ser enquadrado como corrupto. Entendeu, de forma lógica, a maioria do Pleno que, quanto mais elevada a hierarquia do acusado, menos provas materiais (“atos de ofício”) costuma haver. Sem dúvida.
A abordagem convencional do crime de corrupção mantém longe do alcance da Justiça qualquer funcionário corrupto graduado. Portanto, trata-se de um avanço substancial na luta contra a corrupção o novo enfoque dado aos “atos de ofício”, e o maior peso concedido às “provas evidenciais”.
Segue na mesma linha a compreensão de que, independentemente do destino do dinheiro do mensalão, se abasteceu “caixa dois” de partido e de político ou tomou qualquer outro rumo, importa saber, como provado, que ele foi subtraído de cofres públicos.
Não há, portanto, como escamotear o crime de peculato — configurado mesmo que o agente público maneje dinheiro privado, outra interpretação importante de ministros.
A sociedade brasileira avança para haver, enfim, uma faxina na vida pública. A Lei da Ficha Limpa é um exemplo, assim como o sucesso em ações de restituição de dinheiro surrupiado do contribuinte.
A mais alta Corte da Justiça brasileira não poderia ficar à margem desta modernização.
11 de setembro de 2012
Editorial de O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário