Outro dia, o romancista baiano João Ubaldo Ribeiro escreveu no jornal O Globo: "Toda ditadura, sem exceção, tem como prioridade básica o controle da imprensa, a vigilância rigorosa sobre os fatos e opiniões que podem ser conhecidos pelo público".
Ubaldo esqueceu os governos democráticos. Também eles têm como prioridade básica o controle da imprensa, a vigilância rigorosa sobre os fatos e opiniões que podem ser conhecidos pelo público.
Existe uma diferença vital aí: se necessário, as ditaduras usam a força bruta para subjugar a imprensa. Os governos democráticos se valem de meios não violentos. Ou dissimuladamente não violentos. Mais eficazes na maioria das vezes porque não costumam deixar marcas visíveis.
A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) realizou em São Paulo mais uma de suas assembleias anuais.
Uma pesquisa da SIP aplicada junto a diretores de veículos de comunicação da América Latina concluiu que quase dois terços deles consideram governos e grupos políticos as maiores fontes de ameaça à liberdade de imprensa.
Um terço dos pesquisados afirma que os governos atuam para controlar os meios de comunicação, e um terço reclama de iniciativas que limitaram a liberdade de expressão nos últimos cinco anos.
Dois exemplos desse tipo de iniciativa castradora: leis de controle de conteúdo. Isso ainda não temos no Brasil. E a manipulação da publicidade oficial - isso já temos, e em escala avançada.
Liberdade de imprensa não é o direito que têm jornalistas e donos de veículos de comunicação de divulgarem o que quiser. Não é não.
Liberdade de imprensa é o direito que você, eu, todos nós temos de saber o que está acontecendo.
Sem saber, como tomar decisões que afetarão profundamente a nossa vida e a vida alheia? Ou mesmo decisões banais, mas capazes de nos infringir prejuízos?
A Velha Censura é facilmente identificável. O governo diz o que não pode ser publicado. Os veículos de comunicação não publicam.
A Nova Censura é mais sofisticada. Um dos seus mecanismos mais poderosos é a formação de grandes conglomerados de mídia controlados por empresas que nada têm a ver com jornalismo. O jornalismo independente perde com isso.
Outros mecanismos da Nova Censura:
*a aprovação pelos parlamentos nacionais de leis destinadas a domesticar o jornalismo;
*a determinação de governos em favorecer veículos de comunicação que lhes fazem as vontades em detrimento de outros que se comportam de modo independente;
*a concessão pelos governos de canais de rádio e de televisão a grupos políticos (o Brasil é um dos piores exemplos disso);
*a indústria das assessorias de imprensa (elas não servem ao jornalismo que se pretende livre e honesto. Servem de preferência a empresas e pessoas dispostas a manipularem informações para sair bem na foto);
*o emprego nos governos e em empresas estatais de um número gigantesco de jornalistas. Hoje, tem mais jornalista nas redações oficiais do que fora delas.
A Nova Censura se alimenta de condições que lhe são favoráveis. No caso do Brasil, por exemplo: a situação falimentar ou pré-falimentar de muitas empresas de comunicação. Por serem frágeis, se submetem mais facilmente.
Como pode haver independência editorial onde não há independência financeira?
Lembram-se do número de jornais que publicaram de graça uma coluna semanal onde Lula respondia a perguntas de leitores? Mais de 130. Propaganda pura de Lula e do governo. Que não inventaram a fórmula.
A redução dos investimentos em jornalismo de qualidade torna as empresas de comunicação dependentes de notícias que lhe são oferecidas a custo zero.
E quem as oferece? Governos e grandes grupos políticos e econômicos.
Em setembro de 1994, ao se preparar para conceder uma entrevista à TV Globo, em Brasília, Rubens Ricúpero, ministro da Fazenda do governo do presidente Itamar Franco, não se deu conta de que havia no estúdio um microfone aberto.
Imaginou que não estava sendo escutado quando disse, irônico mas verdadeiro:
- O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde.
É assim que procedem todos os governos, democráticos ou não.
A frase de Ricúpero cai bem como lema da Nova Censura.
22 de outubro de 2012
Ricardo Noblat, Globo Online
Ubaldo esqueceu os governos democráticos. Também eles têm como prioridade básica o controle da imprensa, a vigilância rigorosa sobre os fatos e opiniões que podem ser conhecidos pelo público.
Existe uma diferença vital aí: se necessário, as ditaduras usam a força bruta para subjugar a imprensa. Os governos democráticos se valem de meios não violentos. Ou dissimuladamente não violentos. Mais eficazes na maioria das vezes porque não costumam deixar marcas visíveis.
A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) realizou em São Paulo mais uma de suas assembleias anuais.
Uma pesquisa da SIP aplicada junto a diretores de veículos de comunicação da América Latina concluiu que quase dois terços deles consideram governos e grupos políticos as maiores fontes de ameaça à liberdade de imprensa.
Um terço dos pesquisados afirma que os governos atuam para controlar os meios de comunicação, e um terço reclama de iniciativas que limitaram a liberdade de expressão nos últimos cinco anos.
Dois exemplos desse tipo de iniciativa castradora: leis de controle de conteúdo. Isso ainda não temos no Brasil. E a manipulação da publicidade oficial - isso já temos, e em escala avançada.
Liberdade de imprensa não é o direito que têm jornalistas e donos de veículos de comunicação de divulgarem o que quiser. Não é não.
Liberdade de imprensa é o direito que você, eu, todos nós temos de saber o que está acontecendo.
Sem saber, como tomar decisões que afetarão profundamente a nossa vida e a vida alheia? Ou mesmo decisões banais, mas capazes de nos infringir prejuízos?
A Velha Censura é facilmente identificável. O governo diz o que não pode ser publicado. Os veículos de comunicação não publicam.
A Nova Censura é mais sofisticada. Um dos seus mecanismos mais poderosos é a formação de grandes conglomerados de mídia controlados por empresas que nada têm a ver com jornalismo. O jornalismo independente perde com isso.
Outros mecanismos da Nova Censura:
*a aprovação pelos parlamentos nacionais de leis destinadas a domesticar o jornalismo;
*a determinação de governos em favorecer veículos de comunicação que lhes fazem as vontades em detrimento de outros que se comportam de modo independente;
*a concessão pelos governos de canais de rádio e de televisão a grupos políticos (o Brasil é um dos piores exemplos disso);
*a indústria das assessorias de imprensa (elas não servem ao jornalismo que se pretende livre e honesto. Servem de preferência a empresas e pessoas dispostas a manipularem informações para sair bem na foto);
*o emprego nos governos e em empresas estatais de um número gigantesco de jornalistas. Hoje, tem mais jornalista nas redações oficiais do que fora delas.
A Nova Censura se alimenta de condições que lhe são favoráveis. No caso do Brasil, por exemplo: a situação falimentar ou pré-falimentar de muitas empresas de comunicação. Por serem frágeis, se submetem mais facilmente.
Como pode haver independência editorial onde não há independência financeira?
Lembram-se do número de jornais que publicaram de graça uma coluna semanal onde Lula respondia a perguntas de leitores? Mais de 130. Propaganda pura de Lula e do governo. Que não inventaram a fórmula.
A redução dos investimentos em jornalismo de qualidade torna as empresas de comunicação dependentes de notícias que lhe são oferecidas a custo zero.
E quem as oferece? Governos e grandes grupos políticos e econômicos.
Em setembro de 1994, ao se preparar para conceder uma entrevista à TV Globo, em Brasília, Rubens Ricúpero, ministro da Fazenda do governo do presidente Itamar Franco, não se deu conta de que havia no estúdio um microfone aberto.
Imaginou que não estava sendo escutado quando disse, irônico mas verdadeiro:
- O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde.
É assim que procedem todos os governos, democráticos ou não.
A frase de Ricúpero cai bem como lema da Nova Censura.
22 de outubro de 2012
Ricardo Noblat, Globo Online
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