O julgamento deve ser símbolo de um extenso trabalho estratégico de mudanças de leis e ritos, para que o crime deixe de ser incentivado pela certeza da falta de punição
Nos dias que correm, a coincidência da condenação de mensaleiros com a prisão preventiva de um banqueiro, Luiz Octávio Índio da Costa, do Cruzeiro do Sul, atende aos anseios de Justiça da opinião pública. Mas não significa que a impunidade no Brasil esteja banida, é claro.
A audiência obtida pela transmissão ao vivo das históricas sessões do STF de julgamento do mensalão indica o alto interesse no assunto. As seções de cartas dos jornais, por sua vez, estão repletas de votos esperançosos de que o fato de mensaleiros de trânsito fácil no PT e em Brasília terem sido condenados sirva de “marco zero” de uma forma ética de se fazer política no país. Quanto mais não seja, pelo temor diante dos limites estabelecidos pela maioria dos ministros do STF para o exercício da representação pública.
Mensaleiros punidos e um banqueiro atrás das grades devido a fraudes cometidas — e que podem, cedo ou tarde, espetar uma conta no bolso dos contribuintes — aplacam a indignação pessoal diante da questão grave da impunidade na sociedade brasileira. Mas não encobre a extensão do problema.
A questão é fazer com que o exuberante exemplo de eficácia da Justiça e de cumprimento do seu papel na democracia que vem sendo dado pelo Supremo no processo do mensalão não seja um caso único, mas se torne um padrão para os tribunais. Bem como o Ministério Público, responsável pela formulação da denúncia contra os mensaleiros. O mesmo vale para a ação dos organismos de Estado no caso do Banco Cruzeiro do Sul. Precisa ser a norma no tratamento de fraudes financeiras.
Criou-se no Brasil uma cultura da impunidade. Nas altas esferas políticas e empresariais os efeitos desta cultura são conhecidos. É evidente que o esquema do mensalão foi montado porque todos os seus participantes, dos mais graduados aos menos, dos corruptos ativos aos passivos, todos confiavam em que nada lhes aconteceria. Tudo acabaria numa estrondosa “piada de salão”. Afinal, costumava ser sempre assim. Até este julgamento.
A mesma cultura também se desenvolveu no universo da criminalidade comum. Devido a falhas de legislação e de execução de penas, a relação custo-benefício do crime passou a compensadora. E sob a sombra desta leniência a criminalidade se organizou.
A abordagem da mazela da impunidade precisa ser ampla. Passa por reformas de legislações — como ocorre no momento com o Código Penal —, pelo aperfeiçoamento de jurisprudências — caso do STF no julgamento de crimes de “colarinhos brancos” — e também por ações dos conselhos de “controle externo” da Justiça e Ministério Público, em seu trabalho de corregedoria e no incentivo à adoção das melhores práticas administrativas por juízes, procuradores e promotores.
É um longo, difícil, mas estratégico trabalho a ser feito. O mensalão deve mesmo servir de símbolo desta enorme empreitada.
27 de outubro de 2012
Editorial de O Globo
A audiência obtida pela transmissão ao vivo das históricas sessões do STF de julgamento do mensalão indica o alto interesse no assunto. As seções de cartas dos jornais, por sua vez, estão repletas de votos esperançosos de que o fato de mensaleiros de trânsito fácil no PT e em Brasília terem sido condenados sirva de “marco zero” de uma forma ética de se fazer política no país. Quanto mais não seja, pelo temor diante dos limites estabelecidos pela maioria dos ministros do STF para o exercício da representação pública.
Mensaleiros punidos e um banqueiro atrás das grades devido a fraudes cometidas — e que podem, cedo ou tarde, espetar uma conta no bolso dos contribuintes — aplacam a indignação pessoal diante da questão grave da impunidade na sociedade brasileira. Mas não encobre a extensão do problema.
A questão é fazer com que o exuberante exemplo de eficácia da Justiça e de cumprimento do seu papel na democracia que vem sendo dado pelo Supremo no processo do mensalão não seja um caso único, mas se torne um padrão para os tribunais. Bem como o Ministério Público, responsável pela formulação da denúncia contra os mensaleiros. O mesmo vale para a ação dos organismos de Estado no caso do Banco Cruzeiro do Sul. Precisa ser a norma no tratamento de fraudes financeiras.
Criou-se no Brasil uma cultura da impunidade. Nas altas esferas políticas e empresariais os efeitos desta cultura são conhecidos. É evidente que o esquema do mensalão foi montado porque todos os seus participantes, dos mais graduados aos menos, dos corruptos ativos aos passivos, todos confiavam em que nada lhes aconteceria. Tudo acabaria numa estrondosa “piada de salão”. Afinal, costumava ser sempre assim. Até este julgamento.
A mesma cultura também se desenvolveu no universo da criminalidade comum. Devido a falhas de legislação e de execução de penas, a relação custo-benefício do crime passou a compensadora. E sob a sombra desta leniência a criminalidade se organizou.
A abordagem da mazela da impunidade precisa ser ampla. Passa por reformas de legislações — como ocorre no momento com o Código Penal —, pelo aperfeiçoamento de jurisprudências — caso do STF no julgamento de crimes de “colarinhos brancos” — e também por ações dos conselhos de “controle externo” da Justiça e Ministério Público, em seu trabalho de corregedoria e no incentivo à adoção das melhores práticas administrativas por juízes, procuradores e promotores.
É um longo, difícil, mas estratégico trabalho a ser feito. O mensalão deve mesmo servir de símbolo desta enorme empreitada.
27 de outubro de 2012
Editorial de O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário