A possibilidade de computadores de qualquer porte se interconectarem numa rede planetária levou a limites extraordinários a ideia de uma efetiva comunidade mundial, em que todos podem se comunicar. O conceito teórico da “aldeia global” virou realidade, e isso aqueceu a antiga chama do sonho de liberdade de expressão que acompanha a Humanidade através dos tempos.
Mas, passada a primeira fase de euforia com a internet, constata-se que os predicados de uma rede mundial “livre e aberta” não estão garantidos por si só; é preciso preservá-los, sem se descuidar de direitos fundamentais como os de propriedade e privacidade.
Essa luta se trava em grande parte no campo legislativo, e não só no Brasil. No momento, por exemplo, discute-se, em fase de aprovação final na Câmara, para ser remetido ao Senado, o projeto do Marco Civil da Internet, relatado pelo deputado Alessandro Molon (PT-RJ).
Um ponto crítico no encaminhamento do projeto já foi bem resolvido, com a aceitação por Molon das ponderações contra a revogação do dispositivo legal que permite ao dono de qualquer obra notificar extrajudicialmente sites, blogs, o que seja, que não respeitem o direito autoral.
Mas falta resolver outro, o da chamada “neutralidade da rede”. O conceito é simples: o provedor tem de oferecer as mesmas condições de tráfego a todos os usuários. Não pode discriminá-los, sejam grandes corporações ou internautas particulares.
O princípio é de fácil entendimento, mas, em torno dele, travam-se duras batalhas entre lobbies, em que as empresas de telecomunicações, os provedores do serviço de internet, são as grandes interessadas em acabar com esta neutralidade, para ampliar o seu já alto faturamento na cobrança de tarifas mais elevadas de grandes usuários. Exemplos: agregadores de conteúdo (Google etc.), redes sociais (Facebook), sites de grupos de mídia, e assim por diante.
Quem pode pagar, que pague. O conceito também é simples — mas este é equivocado. Afinal, investe contra uma internet “livre e aberta”, porque, no mundo sem esta neutralidade, só trafegarão na rede, sem dificuldades, os produtos digitais das grandes corporações.
Há, ainda, o risco de provedores verticalizados beneficiarem os próprios sites e ainda prejudicarem concorrentes.
O tema é muito sério. Nos Estados Unidos, a agência reguladora da área, a Federal Communications Commission (FCC), legislou favoravelmente à neutralidade e passou a ter sua autoridade contestada na Justiça por provedores.
Na Europa, a tendência regulatória é a mesma. Está em questão até mesmo a característica de a internet ser um espaço livre para empreendedores. O fim da neutralidade funcionará, também, como uma barreira à entrada de novos competidores.
O Marco mantém a neutralidade da rede. Discute-se sobre quem deve regulamentar a lei: a Anatel e/ou o Executivo. Melhor continuar com a tramitação do projeto no Congresso e deixar este assunto para depois. O importante é que a regulamentação não altere o espírito da lei.
15 de novembro de 2012
O Globo, Editorial
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