"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 30 de novembro de 2012

"MEL NA CHUPETA"

 

Em um novelo de desfaçatez este que se desenrola a partir da Operação Porto Seguro, da Polícia Federal (PF).

A sem-cerimônia com que se com­portaram os já famosos "bebês de Rosemary", isto é, os funcio­nários apadrinhados por Rosemary Noronha, a antiga chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo, seria, de si, suficiente para causar es­tupor.
 
"Eles não paravam de co­meter crimes. É o tempo intei­ro, é o modus operandi deles, está na vida deles, eles só fazem isso o tempo inteiro", disse a procuradora Suzana Fairbanks, referindo-se aos irmãos Paulo Rodrigues Vieira, da Agência Nacional de Águas; Rubens Car­los Vieira, da Agência Nacional de Aviação Civil; e Marcelo Ro­drigues Vieira, empresário, to­dos presos sob acusação de inte­grar uma quadrilha que comer­cializava facilidades no governo federal.
À corrupção desenfrea­da, porém, some-se o "descui­do" - digamos assim - do minis­tro da Advocacia-Geral da União (AGU), Luís Inácio Adams, que tinha como seu ad­junto o agora notório José Weber Holanda Alves, mesmo sa­bendo que esse servidor públi­co, agora afastado de suas fun­ções por suas relações com a máfia dos pareceres, havia sido investigado por grossas irregu­laridades no INSS, onde traba­lhava como procurador-geral Adams diz agora que não tem mais "confiança profissio­nal" em seu ex-adjunto, mas acha que o "ser humano Weber" vai "esclarecer tudo" e que "as pessoas muitas vezes fazem opções erradas, e a vida traz esses percalços".
O advogado geral conhece Weber há dez anos, tempo suficiente para sa­ber que o nome dele aparece em ao menos cinco casos de ir­regularidades no INSS e que o amigo foi objeto de sindicância da Controladoria-Geral da União em 2008 porque seu pa­trimônio foi considerado des­proporcional à sua renda. Ele era suspeito de participar de es­quema com contratos do INSS com a Fundação Universidade de Brasília.
Weber barrou a in­vestigação na Justiça Federal.
Mas a equipe da AGU recorreu e, em outubro de 2011, um ad­vogado da União salientou que "as responsabilidades (de Weber) são caracterizadoras de in­fração administrativa". Apesar disso, nessa mesma época, Adams não viu nenhum incon­veniente em dar a Weber cada vez mais espaço e representatividade na AGU.
Agora, sabe-se que o presti­giado Weber nem mesmo preci­sava redigir pareceres para a quadrilha - eles vinham pron­tos. Em um dos casos, Paulo Vieira, apontado pela PF como chefe do esquema, mandou pa­ra o então advogado-geral ad­junto o parecer em que a AGU facilita o reconhecimento da utilidade pública, para fins pri­vados, de um projeto do ex-se­nador Gilberto Miranda para a construção de um complexo portuário de R$ 2 bilhões em Santos.
Em 30 de outubro pas­sado, Paulo Vieira enviou a Weber um e-mail com a redação do parecer, bem explicadinho:
"Segue em anexo nova minuta, que ao que me parece atende às preocupações do parecerista. Todas as modificações es­tão em vermelho para facilitar a análise da questão", escreveu Paulo.
A prática de preparar an­tecipadamente os pareceres era corriqueira. Numa conver­sa com Miranda, Paulo diz que é fácil dar andamento aos pro­cessos, "principalmente se le­var pronto, principalmente se levar mel na chupeta".
Esse ambiente nada republi­cano obviamente não resulta apenas de desvios de caráter. A cultura do oportunismo corrup­to é fruto principalmente do in­chaço da máquina estatal, por meio da criação desenfreada de cargos e ministérios e sua dis­tribuição de acordo com crité­rios exclusivamente políticos.
Quanto maior o Estado, maior é a sua permeabilidade aos mal­feitos.
Mesmo diante de um es­cândalo cuja essência é o des­controle administrativo, po­rém, o governo petista não pa­rece nem um pouco inclinado a conter seu ímpeto estatista - ou de "partidarizar" o Estado. Acaba de passar na Comissão de Constituição e Justiça do Se­nado um projeto de lei que cria 90 cargos de confiança nos ór­gãos da Presidência da Repúbli­ca.
Para o Executivo, trata-se de um imperativo para o "me­lhoramento" do funcionamen­to da Presidência. Mas, como se vê agora, pode servir tam­bém para produzir escândalos.
Estadão
30 de novembro de 2012

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